O apresentador Fausto Silva, o Faustão, passou por uma cirurgia de transplante de coração neste domingo, 27 de agosto. A informação foi confirmada pelo Hospital Albert Einstein onde o apresentador está internado desde o dia 5 de agosto após apresentar um grave quadro de insuficiência cardíaca. No Brasil, a fila de pacientes que aguardam por órgãos ou tecidos é única, ou seja, independe de ser atendido na rede pública ou privada.
O ato normativo que detalha a atividade de transplantes no País é de 2009, a portaria nº 2.600. De acordo com os especialistas ouvidos pelo Estadão, embora ela seja única, cada Estado - e por vezes cada região - tem sua própria lista que é enviada para o Sistema Nacional de Transplantes, em Brasília.
Os critérios para alocação das estruturas variam de acordo com o órgão ou tecido. Entre eles, gravidade, tipo sanguíneo, compatibilidade, peso, tempo de espera e localização geográfica.
“No dia em que o Brasil funcionar igual funciona a lista de transplante, nós seremos (país de) primeiro mundo. Não tem QI (quem indica), não tem conta bancária. É uma das coisas mais equânimes que existem”, diz o cirurgião-chefe do serviço de transplante de fígado do Hospital de Base de Rio Preto, Renato Ferreira da Silva.
Até março, de acordo com o Registro Brasileiro de Transplantes (RBT), da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (Abto), havia, entre adultos e crianças, 56.453 pacientes ativos em lista de espera por órgão ou tecido. Conforme mostrou o Estadão, no ano passado, esse número aumentou 30,45% nos primeiros anos da pandemia de covid-19 e ultrapassou, pela pela primeira vez desde 2015, os 50 mil.
Como funciona a fila de transplantes no Brasil?
O primeiro passo para entrar na fila é o cadastro pelo médico. Conforme Valter Duro Garcia, responsável pelos transplantes renais na Santa Casa de Porto Alegre e editor do RBT da Abto, há uma fila específica para cada órgão e tecido. Tirando a córnea (que é avascular, não há sangue), todos os demais são subdividas em filas para tipos sanguíneos diferentes.
Cada Estado tem a sua própria fila. “Eu tenho um paciente, inscrevo no programa, ele entra em lista aqui no Rio Grande do Sul, e isso vai para Brasília também”, explica Garcia.
“Habitualmente quando você tem uma oferta de um doador em São Paulo, por exemplo, é oferecido primeiro às pessoas que estão na fila em São Paulo. Se por qualquer motivo, não for utilizado em São Paulo e é um bom órgão, ele é disponibilizado nacionalmente”, completa Paulo Pego Fernandes, presidente do conselho deliberativo da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (Abto) e cirurgião cardiotorácico da Universidade de São Paulo (USP).
Conforme a lei de 2009, essa ficha de inscrição deve conter as seguintes informações:
- I - nome completo;
- II - data de nascimento;
- III - nome da mãe;
- IV - CPF;
- V - Cartão SUS;
- VI - peso, nos casos em que se aplique;
- VII - altura, nos casos em que se aplique;
- VIII - endereço completo;
- IX - telefones para contato;
- X - equipe transplantadora;
- XI - estabelecimento de saúde onde será realizado o transplante;
- XII - diagnóstico;
- XII - resultados dos exames laboratoriais e outros realizados, com a respectiva data de realização, nos casos em que se aplique; e
- XIV - outras informações clínicas relevantes, a critério do médico assistente.
Todas essa informações ajudarão a classificar os pacientes de acordo com os critérios específicos para cada órgão e tecido. Os principais estão listados abaixo.
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Tempo cronológico
No caso dos transplantes de córnea, conforme Garcia, o principal fator é o tempo na fila de espera. Isso é bastante diferente da realidade das demais estruturas, na qual não é tão determinante. No passado, de acordo com Renato Ferreira da Silva, ele já foi mais importante. Por vezes, pode ser usado como critério de desempate.
Gravidade
No caso do coração e de outros órgãos vitais, a gravidade do quadro do paciente é muito importante para dimensionar seu local na fila de espera. No caso específico do coração, Fernandes destaca que há uma variedade de quadros de pacientes. Alguns esperam em casa, com medicação, outros, no hospital.
Há casos, conta, em que o grau de falência é tão grave, que a pessoa espera conectada a um aparelho de circulação extracorpórea (ECMO), que funciona como um pulmão artificial. Segundo cirurgiões ouvidos pelo Estadão, para o coração, a média de espera é de 2 a 6 meses meses para casos de maior gravidade e 18 meses quando o quadro é mais estável e o paciente não está internado.
Peso
O peso também pode ser determinante para essa escolha, para que o órgão melhor se adeque ao receptor. De acordo com a portaria que regula a prática, há uma razão de 20% entre pesos de doador receptor que precisa ser respeitada para alguns órgãos. Ou seja, se o receptor pesa 100 quilos, ele só pode receber coração de um doador que pese entre 80 e 120 quilos.
Compatibilidade
O rim é um órgão bastante particular na área dos transplantes. Isso se deve a possibilidade de o paciente sobreviver com ajuda de hemodiálise, que usa uma máquina para filtrar e limpar o sangue do paciente, como um rim artificial. A sessão de diálise dura cerca de quatro horas e, em geral precisa ser feita três vezes na semana.
Por conta disso, no caso deste órgão, o principal critério para alocação de órgão é compatibilidade imunológica. É por isso que a tipagem do antígenos de histocompatibilidade leucocitários humanos (HLA) é tão importante.
Isso se deve a uma equação complexa da área dos transplantes. Como um órgão estranho entra no corpo, nosso sistema imune começa a atacá-lo, o que é chamado de rejeição. O paciente, então, recebe os imunossupressores, para diminuir essa reação e se adaptar o órgão. Só que, esses medicamentos enfraquecem a imunidade, abrindo a porta para infecções oportunistas. Encontrar um equilíbrio é um desafio da área. A lógica da compatibilidade é que, quanto mais parecidos, menos ataques e, consequentemente, menos necessidade de remédio.
Logística
Atualmente, entre a doação e o transplante de órgãos e tecidos, usa-se uma perfusão com soro a 4ºC, que reduz o metabolismo das células e permite que elas sobrevivam mais tempo sem oxigênio (tempo de isquemia). Isso varia também conforme o órgão.
Segundo o Ministério da Saúde, o tempo de isquemia para o coração e o pulmão é de apenas 4 horas, enquanto para os rins chega a 24 horas. Dessa forma, a localização geográfica também pode ser um critério para alocação de órgão.