Estudo publicado na revista Blood Pressure Monitoring comprova que os benefícios da atividade física para hipertensos podem ser potencializados se os exercícios forem praticados entre as 18h e as 21h.
A análise teve como foco a taxa de recuperação cardíaca (TRC), que a grosso modo pode ser explicada como a medida de redução da frequência cardíaca após a interrupção do exercício. O treino noturno melhorou tanto a fase rápida (medida 60 segundos após o ápice do esforço físico) quanto a fase lenta (medida 300 segundos depois) da TRC.
A investigação foi conduzida pelo pós-doutorando Leandro Campos de Brito, sob a orientação da professora Cláudia Lúcia de Moraes Forjaz, da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP). O pesquisador comparou respostas de pacientes hipertensos a treinos aeróbicos estruturados realizados pela manhã e à noite durante dez semanas.
Segundo Brito, aproximadamente 25% das pessoas não são responsivas aos exercícios do ponto de vista do controle da pressão e, para elas, são necessárias estratégias diferentes das convencionais. Como, por exemplo, a realização de exercícios em momentos que possam maximizar os benefícios.
A ideia inicial de Brito, em seu doutorado, foi avaliar o efeito crônico do exercício no tocante a benefícios cardiovasculares em geral. Isso incluía também as respostas da TRC, como a medida de redução da frequência cardíaca após a interrupção do exercício. Trata-se de uma variável capaz de fornecer um marcador dos mecanismos autonômicos de regulação do funcionamento do coração.
“Há dois ramos no sistema autonômico cardíaco: o simpático e o parassimpático. A grosso modo, o parassimpático faz o coração desacelerar e o simpático faz o órgão acelerar e bater mais forte. Espera-se que, após um período de treinamento com exercícios físicos, o poder do parassimpático aumente (coração mais relaxado) e o do simpático diminua. A TRC nos permite inferir como esse comportamento ocorre, por meio da mensuração realizada nos primeiros 60 segundos (resposta tipicamente parassimpática) e 300 segundos após o fim de um teste máximo de esforço cardiopulmonar, sendo que essa última resposta sugere tanto a atuação do nervo parassimpático, recuperando o compasso do coração, quanto a desaceleração do simpático, cuja atividade foi acumulada durante o exercício”, explica.
Segundo o grupo de cientistas, o fato de ambas as fases (rápida e lenta) da TRC terem aumentado com o treino noturno indica que praticar exercícios a essa hora do dia melhora ambos os ramos do sistema autonômico cardíaco (parassimpático e simpático). Além disso, os resultados mostram que o efeito benéfico não é limitado ao momento em que os voluntários se exercitaram.
“Avaliamos as pessoas pela manhã e à noite e as que treinaram no período noturno mostraram melhores resultados nas duas avaliações.”
Método
O experimento envolveu 49 homens hipertensos de meia-idade, medicados por no mínimo quatro meses com o mesmo tipo de fármaco e a mesma posologia. Eles foram alocados aleatoriamente em três grupos: o de treinamento matinal (7h às 9h), o de treinamento noturno (18h às 21h) e o grupo-controle (sem treino aeróbico).
O treino foi realizado três vezes por semana durante dez semanas. Os grupos que realizaram o treino pedalaram na bicicleta ergométrica (30 minutos nas duas primeiras semanas e 45 minutos nas demais, com intensidade moderada) e o grupo-controle fez alongamento (30 minutos). Nas avaliações iniciais e finais do estudo, a taxa de recuperação cardíaca dos voluntários foi mensurada 60 e 300 segundos após o final do exercício.
“Para o grupo-controle, optamos por uma atividade que não traria impacto adicional de benefício na variável estudada. Por isso, esse tipo específico de alongamento (estático e ativo). O objetivo era fazer com que o grupo-controle fosse à EEFE-USP o mesmo número de vezes que o grupo que treinou, tivesse a pressão aferida o mesmo número de vezes, encontrasse os pesquisadores nos mesmos dias, se sentisse cuidado na mesma magnitude”, explica Brito, primeiro autor do artigo.
O experimento foi realizado no Laboratório de Hemodinâmica da Atividade Motora da EEFE-USP, coordenado por Forjaz.
O estudo teve o apoio da Fapesp por meio de bolsa de doutorado concedida a Brito, que também foi bolsista de mestrado e atualmente recebe bolsa de pós-doutorado.
Possíveis razões
Os pesquisadores estão tentando entender os mecanismos que fazem essa melhora ser mais expressiva à noite. No primeiro trabalho, descobriram que a sensibilidade barorreflexa (mecanismo autonômico que controla a pressão arterial, batimento a batimento) foi aumentada com o treino.
“Esse mecanismo avalia, a cada vez que seu coração bate, se a pressão subiu ou desceu demais e corrige. Um mecanismo desse mais sensível reflete uma saúde melhor. O treino da noite e o da manhã melhoraram a sensibilidade desse mecanismo, mas o da noite melhorou mais. Entretanto é uma medida espontânea, feita com a pessoa em repouso. Atualmente, no pós-doutorado, fazemos uma estimulação máxima dessa sensibilidade utilizando medicamentos, o que, de alguma maneira, acaba refletindo um pouco mais o estresse do dia a dia, porque ninguém fica parado o tempo todo, o indivíduo tem desafios físicos, cognitivos e emocionais nos quais esse controle autonômico também é exigido”, diz Brito.
Ele explica que as funções cardiovasculares de um indivíduo variam durante as 24 horas do dia. “O esperado é que pela manhã, ao acordarmos, nosso valor de pressão arterial aumente, atingindo um primeiro pico em torno das 10h. Então, esse valor estabiliza e haverá uma redução no meio da tarde, perto das 15h. Um segundo pico acontece entre 18h e 20h. Depois disso, há uma redução progressiva, sendo que tanto a pressão arterial quanto a frequência cardíaca registrarão os menores valores mais ou menos no meio da madrugada. Estamos propondo que esse exercício no período da noite estaria encontrando uma janela de oportunidade para uma melhora mais expressiva.”
Segundo Brito, à noite o indivíduo apresenta maior sensibilidade barorreflexa e menor atividade simpática. “Além disso, por conta do ciclo de 24 horas, à noite ele começa a ter uma redução de batimento cardíaco e também apresenta menor resistência nos vasos sanguíneos. É um momento em que o estresse sobre o sistema cardiovascular está menor e parece que isso permite que o exercício tenha mais benefícios. Trata-se de uma hipótese para explicar esse resultado que encontramos.”
Junto a colegas, ele já publicara outros artigos sobre o tema, como o divulgado ano passado na revista Clinical and Experimental Hypertension (leia mais em: agencia.fapesp.br/34212/.
Estilo de vida
O profissional de educação física ressalta, no entanto, que também foram registrados benefícios no grupo que treinou pela manhã, só que em menor intensidade. “É importante dizer que, quando o assunto é fazer exercício, qualquer hora é melhor do que hora nenhuma. Ou seja: é necessário se exercitar. O que tentamos neste trabalho foi maximizar as respostas.”
Segundo Brito, hipertensos resistentes, que tomam quatro ou mais fármacos anti-hipertensivos por dia, necessitam de estratégias melhores de abordagem do problema do que as convencionais. “Para eles, creio que nossos resultados são bastante interessantes.”
O cientista esclarece que todo mundo vai ficando com a pressão mais alta conforme envelhece, mas nem todos serão hipertensos. “Nos adultos, um a cada quatro é hipertenso; em idosos, duas a cada três pessoas são hipertensas.”
Brito lembra que o mínimo recomendado para um adulto são 150 minutos de atividade física moderada por semana. “Se você fizer somente esses 150 minutos, já terá 7% menos de chance de se tornar um hipertenso na maturidade. E quando falo de atividade física, estou englobando todos os tipos de atividade física, incluindo limpar a casa. Caso você já seja hipertenso, se fizer esse mínimo recomendado, terá até 50% menos chances de ter complicações advindas da hipertensão.”
O pesquisador reafirma que a atividade física, em geral, confere um fator protetor intenso ao controle da pressão arterial. “Se o hipertenso fizer um exercício estruturado aeróbico, são esperados resultados semelhantes, por exemplo, àqueles referentes ao uso de um medicamento hipertensivo. Não à toa, nas diretrizes da Sociedade Brasileira de Hipertensão [SBH], a primeira intervenção sugerida é uma mudança no estilo de vida, e não o uso de medicamentos, quando o quadro clínico do paciente permite”, reforça Brito, que também é diretor do departamento de educação física da SBH. “Nenhum hipertenso deveria ficar sem fazer exercício aeróbico.”
O artigo Comparison of morning versus evening aerobic-exercise training on heart rate recovery in treated hypertensive men: a randomized controlled trial pode ser lido em https://journals.lww.com/bpmonitoring/Abstract/9000/Comparison_of_morning_versus_evening.99294.aspx.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.