Durante anos, os cientistas tentaram descobrir se “treinos cerebrais”, como quebra-cabeças e jogos cognitivos online, poderiam fortalecer nossas mentes e retardar o processo de envelhecimento. Agora, um estudo publicado no New England Journal of Medicine descobriu que a prática regular de palavras cruzadas pode ajudar a retardar o declínio em algumas pessoas com comprometimento cognitivo leve, um estágio inicial de memória vacilante, que às vezes pode progredir para demência.
Embora o estudo não tenha investigado se as palavras cruzadas também beneficiam jovens adultos que não estão lidando com o declínio cognitivo, ele sugere que manter a mente ativa à medida que envelhecemos pode beneficiar o cérebro. E a pesquisa fornece esperanças para aqueles diagnosticados com comprometimento cognitivo leve, de que possam evitar mais declínios na memória, problemas de linguagem e tomada de decisões, que são a marca registrada da doença.
A Academia Americana de Neurologia estima que o comprometimento cognitivo leve afeta cerca de 8% das pessoas com idades entre 65 e 69 anos; 10% das pessoas com idades entre 70 e 74 anos; 15% das pessoas de 75 a 79 anos; 25% daqueles com idades entre 80 e 84 anos e cerca de 37% das pessoas com 85 anos ou mais. A pesquisa, que foi financiada pelo National Institute on Aging, recrutou 107 adultos, com idades entre 55 e 95 anos, com comprometimento cognitivo leve.
Para quem gosta de passatempos
O estudo
Durante 12 semanas, todos foram convidados a jogar um dos dois tipos de jogos, quatro vezes por semana – passando 30 minutos em Lumosity, uma plataforma popular de treinamento cognitivo, ou 30 minutos jogando palavras cruzadas digitais. Após as 12 semanas, os participantes foram reavaliados e receberam doses de “reforço” de jogos mais seis vezes durante o experimento, dando um total de 78 semanas. No fim do estudo, os participantes receberam avaliações-padrão usadas para medir o declínio cognitivo e amigos e familiares relataram seu funcionamento diário.
Os exames de ressonância magnética também foram usados para medir as alterações do volume cerebral. Os pesquisadores descobriram que em medições chaves de pontuações de declínio cognitivo, habilidades funcionais e mudanças no volume cerebral, os jogadores regulares de palavras cruzadas se saíram melhor do que os jogadores do outro jogo.
A descoberta surpreendeu os cientistas por trás do estudo, que esperavam que os jogos cerebrais desafiadores da web, que foram projetados especificamente para aumentar a função cognitiva, oferecessem maior benefício. “Nosso estudo mostra de forma bastante conclusiva que, em pessoas com deficiência cognitiva leve, as palavras cruzadas superam os jogos computadorizados em várias métricas”, disse Murali Doraiswamy, professor da Duke University e coautor do estudo. “Então, se você tem comprometimento cognitivo leve, que é diferente do envelhecimento normal, a recomendação seria manter seu cérebro ativo com palavras cruzadas.”
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Pessoas com graus mais altos de comprometimento cognitivo pareciam se beneficiar mais ao jogarem palavras cruzadas que foram projetadas para ser um quebra-cabeça moderadamente mais difíceis comparadas ao jogo do The New York Times.
O estudo tem limitações. Alguns dos participantes podem estar mais familiarizados com palavras cruzadas e é por isso que responderam melhor aos quebra-cabeças do que aos jogos de computador de Lumosity. Anos de acompanhamento também são necessários para determinar se intervenções como palavras cruzadas podem “verdadeiramente prevenir a demência”, disse Doraiswamy. “Sabemos há quase 30, 40 anos que manter-se mentalmente ativo é realmente importante”, disse Doraiswamy. “Mas não traduzimos isso em uma intervenção de nível médico.”
D.P. Devanand, professor da Universidade de Columbia e principal pesquisador do estudo, disse que a descoberta precisa ser replicada em um estudo maior, com mais participantes e um grupo de controle que não esteja jogando nenhum jogo. “Não podemos dizer exatamente porque as pessoas se saem melhor jogando palavras cruzadas, mas sugerimos que praticar palavras cruzadas ajuda na cognição”, disse Devanand. Doraiswamy disse que espera que estudos futuros possam contribuir com as descobertas atuais para investigar o nível ideal de dificuldade e o tempo necessário na resolução de quebra-cabeças para pessoas com comprometimento cognitivo leve.
Céticos
Alguns pesquisadores permaneceram céticos. Zach Hambrick, professor de cognição e neurociência da Michigan State University, disse que o estudo não investiga porque as palavras cruzadas podem oferecer mais benefícios do que um jogo de computador. Em 1999, Hambrick foi coautor de um estudo que não encontrou evidências que sugerissem que pessoas que praticam palavras cruzadas mais de duas vezes por semana tenham menos declínio cognitivo.
Hambrick disse que completar um jogo de palavras cruzadas, que requer a capacidade de lembrar palavras e conhecimento histórico adquirido por meio da experiência, testa as “habilidades cognitivas cristalizadas de uma pessoa”. Ele disse que pessoas com comprometimento cognitivo leve têm mais problemas com “habilidades cognitivas fluidas”, como lembrar uma lista de palavras ou resolver um problema de lógica. Palavras cruzadas não desafiam esses tipos de habilidades associadas ao comprometimento cognitivo leve, disse Hambrick.
A Lumos Labs, empresa por trás dos jogos de computador usados no experimento, forneceu acesso tanto às palavras cruzadas quanto ao conjunto de jogos, mas não esteve envolvida no projeto ou na publicação do estudo. Doraiswamy é consultor da Lumos Labs. Laurie Ryan, chefe de intervenções clínicas do Instituto Nacional do Envelhecimento, disse que a agência financiou a pesquisa porque é importante encontrar tratamentos que reduzam o risco de Doença de Alzheimer e outros tipos de demência. “Provavelmente precisaremos de várias intervenções para diferentes pessoas”, disse Ryan. “Estamos tentando financiar o máximo de estudos possíveis.”
Zona de conforto
A maioria dos pesquisadores concorda que manter o corpo e a mente ativos à medida que envelhecemos provavelmente beneficia o cérebro. Ronald C. Petersen, diretor da Clínica Mayo Alzheimer’s Disease Research Center, disse que, além do exercício regular, recomenda que seus pacientes passem mais tempo realizando tarefas intelectuais desafiadoras, como assistir a um documentário ou a uma palestra.
“É necessário procurar por atividades que “tirem da zona de conforto”, disse Sylvie Belleville, professora de neuropsicologia da Universidade de Montreal. Como experimentar diferentes tarefas “estimulantes” ou aumentar a dificuldade de uma determinada tarefa ao longo do tempo.
“Se é muito bom em palavras cruzadas e continua fazendo apenas isso, ainda está na zona de conforto e não adota novas estratégias, novas redes cerebrais”, disse Belleville.