Uso da tecnologia na saúde deve ser crítico e personalizado para cada demanda, diz nova secretária


Titular da recém-criada Secretaria de Saúde Digital do Ministério da Saúde, Ana Estela Haddad defende ações específicas conforme contexto local e alerta que uso acrítico da tecnologia pode aprofundar desigualdades

Por Fabiana Cambricoli
Atualização:
Foto: Eduardo Ogata/Divulgação
Entrevista comAna Estela HaddadSecretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde

Titular da recém-criada Secretaria de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde, Ana Estela Haddad quer que a tecnologia seja usada no Sistema Único de Saúde (SUS) com soluções personalizadas para cada região, mas não de forma indiscriminada e acrítica. Para a secretária, o uso de ferramentas digitais e da inteligência artificial sem um olhar analítico e crítico pode, em vez de reduzir, “aprofundar iniquidades”.

Em entrevista exclusiva ao Estadão concedida na quinta-feira, 9, durante sua participação em evento do YouTube sobre conteúdos de saúde, a secretária afirmou que “não basta usar a tecnologia por usar” sem que sejam consideradas as desigualdades do País e desenhados usos específicos para cada cenário e demanda. A tecnologia, diz Ana Estela, deve ser vista como um meio para melhorar a rede assistencial e potencializar o serviço prestado.

Ela deu como exemplo o trabalho que está sendo desenvolvido pela secretaria em Roraima para ampliar a conectividade de um hospital de referência em Boa Vista que possa, futuramente, dar suporte remoto às unidades de saúde inseridas no território indígena Yanomami.

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Professora titular da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP), Ana Estela foi diretora na Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde do ministério entre 2005 e 2012. Ela afirma que, desde então, quando as primeiras iniciativas de uso da tecnologia na saúde começaram no ministério, a conectividade e a informatização evoluíram muito, mas ressalta que a pandemia trouxe o desafio de que as ações de telessaúde foram ampliadas de forma desordenada. Para ela, é preciso identificar as experiências que estão em curso e “buscar fontes de articulação, possíveis integrações e uma regulação que direcione a saúde digital para aquilo que a gente pode tirar de bom dela”.

Segundo a pesquisa TIC Saúde 2022, divulgada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, 97% das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) do País possuem computador e acesso à internet. Embora seja pequeno o porcentual de centros de saúde sem conectividade (3%), ele representa, em números absolutos, mais de 1,2 mil unidades.

A nova secretaria do ministério está responsável por três departamentos: Saúde Digital e Inovação, Informação para o Sistema Único de Saúde (Datasus) e Avaliação e Disseminação de Informações Estratégicas em Saúde. De acordo com a secretária, uma das prioridades é buscar regulação para a saúde digital que garanta a proteção e segurança dos dados.

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Nesta quinta-feira, 16, durante reunião da Comissão Intergestores Tripartite, que tem a participação do ministério e dos conselhos de secretários municipais e estaduais da Saúde, Ana Estela anunciou a criação do Laboratório de Inovação em Saúde Digital, que contará com representantes da pasta, municípios, Estados, Organização Panamericana da Saúde e outras instituições, com o objetivo de “fomentar a inovação na direção das necessidades do SUS para que a gente possa trabalhar como um indutor da política de inovação em saúde digital e não apenas avaliar o que o setor está querendo nos mostrar e trazer”, disse ela.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista da secretária ao Estadão:

Passado pouco mais de um mês do início da nova gestão, qual é o diagnóstico da área de saúde digital e quais são os principais desafios?

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Se a gente comparar com 2007, quando começamos a trabalhar com as tecnologias de informação e comunicação no Ministério da Saúde, a gente avançou muito tanto em termos de conectividade quanto de informatização. E hoje chegamos ao ponto de o grupo de transição do governo (Lula) recomendar a criação dessa secretaria, o que acho um passo muito importante. A gente está muito motivado. O desafio é grande porque temos um outro marco, que é a pandemia. Ela fez crescer muito a utilização, a conscientização e a vivência para a saúde digital, mas isso cresceu de forma não tão ordenada. Então um dos desafios é identificar as diversas experiências que estão em curso - são muitas - e buscar fontes de articulação, possíveis integrações e, ao mesmo tempo, trabalhar com os órgãos regulatórios no sentido de buscar uma regulação que direcione a saúde digital para aquilo que a gente pode tirar de bom dela, que está a serviço da saúde das pessoas, dos usuários. Ao mesmo tempo, nós temos proteção de dados, segurança do tráfego de informações, todos os aspectos que você precisa garantir em relação à integridade das pessoas, de forma a não ferir as questões nem físicas nem morais nem psicológicas das pessoas porque a gente sabe o quanto vazamentos de dados são críticos.

Com sistemas mais integrados, poderíamos ter melhor noção das demandas de saúde, como o tamanho da fila de espera por procedimentos eletivos. É possível, nesses próximos quatro anos de governo, termos integração em todo o País?

Acho que a gente vai conseguir melhorar muito. Já temos experiências bem sucedidas regionais, estaduais e municipais e a gente está olhando para elas e aprendendo com elas. (Temos que) Pensar em um País continental como o Brasil, com a diversidade e iniquidade que a gente tem entre os 5.570 municípios e mesmo entre os Estados, as regiões geográficas, haja visto o momento que nós estamos enfrentando com a emergência sanitária na região Yanomami. A gente vai ter que trabalhar com isso e procurar fazer com que cada espaço dê um passo a mais. Só que os passos não são os mesmos no País inteiro. A gente não vai conseguir criar uma organicidade única, então a gente está procurando olhar para isso e trabalhar em cada espaço com aquilo que é mais importante e necessário.

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Quais serão as prioridades da secretaria para o uso da tecnologia na saúde?

Não consigo estabelecer uma prioridade para o País inteiro. O que eu acredito é entender uma determinada região ou linha de cuidado na sua integralidade e num olhar sistêmico sobre o processo: como ele está organizado, quais são os nós críticos que ele tem e como nós podemos desenhar uma solução tecnológica para melhorar esse processo. Para cada linha de cuidado, região e contexto, vai ser um desenho. Não basta usar a tecnologia por usar. Se a gente simplesmente disser que vamos usar a tecnologia para reduzir fila, mas como você vai fazer isso? Qual é o tamanho da fila? É uma fila do quê? Qual é a especialidade que está carente? Quais são os vazios assistenciais que estão colocados? Você reestrutura essa rede para que não seja simplesmente uma ação pontual e de mutirão que depois você não vai ter uma continuidade e uma sustentabilidade. A tecnologia é um meio e a gente precisa do resto da rede de atenção compreendida no seu contexto para poder identificar como que a gente pode, com a tecnologia, melhorá-lo.

Mas há um direcionamento macro do ministério para a área de saúde digital?

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Nós vamos caminhar com as prioridades do ministério. Nesse momento nós estamos com a emergência sanitária na região dos Yanomami. Agora estamos melhorando a conectividade no local para que a rede possa entrar. Na hora que a rede for entrar, a gente vai entrar junto e buscar um desenho de telessaúde, de telecuidado que vá potencializar aquilo que a rede vai fazer, suprir uma eventual carência de profissionais necessários, trabalhar com uma segunda opinião, com suporte aos profissionais. Depois, trabalhar capacitando e apoiando a própria comunidade para o uso de recursos que possam trazer informações úteis para eles no dia a dia, sempre respeitando a cultura indígena, por isso a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) é que vai nos dar o tom e a direcionalidade para isso.

Há planos da Sesai para abrir um hospital de campanha dentro do território Yanomami. Existe possibilidade de suporte de especialistas aos profissionais dessas unidades por meio da telessaúde?

Estamos estudando todas as possibilidades em articulação com aquilo que está sendo planejado para a assistência. Por exemplo, temos o Hospital Santo Antônio, que é em Boa Vista, que é o maior hospital do Estado, com 160 leitos, e está atendendo as crianças da região. Junto com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, que está presente na Universidade Federal de Roraima, estamos estendendo o backbone (rede de dados) de banda larga para esse hospital, que tinha conectividade, mas estava instável. Vamos fortalecer a conectividade ali para depois estar preparado em termos de infraestrutura para o desenho de solução tecnológica que a gente vai fazer, com essa unidade se conectando com o polo-base de saúde de Surucucu, com a Casai (Casa de Apoio ao Índio), com o DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena).

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Ana Estela Haddad, secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde Foto: Eduardo Ogata/Divulgação

O Ministério da Saúde teve nos últimos anos vários episódios de vazamento de dados. Há alguma ação mais emergencial que está sendo tomada pela secretaria para garantir essa proteção de dados?

Nós estamos inventariando os sistemas, mapeando os processos no sentido de certamente aperfeiçoar toda parte de segurança de dados e, inevitavelmente e indiscutivelmente, ter um plano de gestão de dados à altura do que são os sistemas do Datasus para que a gente possa ter segurança e tranquilidade em relação a isso.

Ferramentas como o ChatGPT têm ganhado grande atenção. Na sua visão, qual é o papel da inteligência artificial na saúde e quais os cuidados que devemos ter para que isso não se torne um problema?

A gente não pode deixar de ter um olhar analítico e crítico sobre essas novas tecnologias. As pessoas às vezes se fascinam. O ChatGPT agora tem repercussões na educação e pode ter na saúde. Mas um algoritmo que dá uma ilusão de precisão você tem que estudar porque se você tem uma iniquidade ou um viés que já está colocado nos dados que estão sendo alimentados para aquele sistema de decisão algorítmica funcionar, ele vai ficar encoberto e você vai estar aprofundando uma eventual iniquidade. Vou dar um exemplo que está presente em um livro que gosto muito, que é o LGPD na Saúde Digital. Ele dá um exemplo que é uma situação nos Estados Unidos em que eles estavam alimentando um sistema algorítmico para que pudesse dar suporte em casa a pacientes que tivessem tido alta precoce e a ideia era dar mais suporte para quem está mais vulnerável. Só que quando foi introduzido no algoritmo a questão do endereço e do código postal, o sistema acabou direcionando esse apoio para os bairros mais abastados e aprofundou a iniquidade que aquele algoritmo queria corrigir. Então não podemos incorporar acriticamente o aspecto das tecnologias. A gente precisa aprofundar, conhecer com calma e com reservas e entender como ela funciona e como a gente pode moldá-la para ser usada a nosso favor, a favor do que a gente quer promover.

Poderia nos dar um exemplo em que a inteligência artificial pode ser usada de forma positiva na saúde e o que fazer para que ela não seja utilizada de forma enviesada, por exemplo por empresas que podem usar a análise de dados para discriminar usuários com uma certa condição de saúde?

Um lado positivo é a gente poder fazer predição. A Secretaria de Vigilância em Saúde, junto com centros de pesquisa importantes do Brasil, vêm trabalhando com um sistema de cruzamento de banco de dados que nos permite antever com algumas semanas de antecedência uma possível epidemia e, com isso, tomar medidas preventivas. Isso é um uso muito positivo, mas que demanda estudo, aprofundamento, conhecimento, equipes multidisciplinares para olharem o que pode ser feito. Agora, como a gente regula os setores que estão de olho nos grandes bancos de dados para finalidades que às vezes são mercadológicas, que têm outra natureza e que podem inadvertidamente desrespeitar os direitos e a privacidade dos titulares dos dados? Esse é o cuidado que a gente tem que ter.

Titular da recém-criada Secretaria de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde, Ana Estela Haddad quer que a tecnologia seja usada no Sistema Único de Saúde (SUS) com soluções personalizadas para cada região, mas não de forma indiscriminada e acrítica. Para a secretária, o uso de ferramentas digitais e da inteligência artificial sem um olhar analítico e crítico pode, em vez de reduzir, “aprofundar iniquidades”.

Em entrevista exclusiva ao Estadão concedida na quinta-feira, 9, durante sua participação em evento do YouTube sobre conteúdos de saúde, a secretária afirmou que “não basta usar a tecnologia por usar” sem que sejam consideradas as desigualdades do País e desenhados usos específicos para cada cenário e demanda. A tecnologia, diz Ana Estela, deve ser vista como um meio para melhorar a rede assistencial e potencializar o serviço prestado.

Ela deu como exemplo o trabalho que está sendo desenvolvido pela secretaria em Roraima para ampliar a conectividade de um hospital de referência em Boa Vista que possa, futuramente, dar suporte remoto às unidades de saúde inseridas no território indígena Yanomami.

Professora titular da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP), Ana Estela foi diretora na Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde do ministério entre 2005 e 2012. Ela afirma que, desde então, quando as primeiras iniciativas de uso da tecnologia na saúde começaram no ministério, a conectividade e a informatização evoluíram muito, mas ressalta que a pandemia trouxe o desafio de que as ações de telessaúde foram ampliadas de forma desordenada. Para ela, é preciso identificar as experiências que estão em curso e “buscar fontes de articulação, possíveis integrações e uma regulação que direcione a saúde digital para aquilo que a gente pode tirar de bom dela”.

Segundo a pesquisa TIC Saúde 2022, divulgada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, 97% das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) do País possuem computador e acesso à internet. Embora seja pequeno o porcentual de centros de saúde sem conectividade (3%), ele representa, em números absolutos, mais de 1,2 mil unidades.

A nova secretaria do ministério está responsável por três departamentos: Saúde Digital e Inovação, Informação para o Sistema Único de Saúde (Datasus) e Avaliação e Disseminação de Informações Estratégicas em Saúde. De acordo com a secretária, uma das prioridades é buscar regulação para a saúde digital que garanta a proteção e segurança dos dados.

Nesta quinta-feira, 16, durante reunião da Comissão Intergestores Tripartite, que tem a participação do ministério e dos conselhos de secretários municipais e estaduais da Saúde, Ana Estela anunciou a criação do Laboratório de Inovação em Saúde Digital, que contará com representantes da pasta, municípios, Estados, Organização Panamericana da Saúde e outras instituições, com o objetivo de “fomentar a inovação na direção das necessidades do SUS para que a gente possa trabalhar como um indutor da política de inovação em saúde digital e não apenas avaliar o que o setor está querendo nos mostrar e trazer”, disse ela.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista da secretária ao Estadão:

Passado pouco mais de um mês do início da nova gestão, qual é o diagnóstico da área de saúde digital e quais são os principais desafios?

Se a gente comparar com 2007, quando começamos a trabalhar com as tecnologias de informação e comunicação no Ministério da Saúde, a gente avançou muito tanto em termos de conectividade quanto de informatização. E hoje chegamos ao ponto de o grupo de transição do governo (Lula) recomendar a criação dessa secretaria, o que acho um passo muito importante. A gente está muito motivado. O desafio é grande porque temos um outro marco, que é a pandemia. Ela fez crescer muito a utilização, a conscientização e a vivência para a saúde digital, mas isso cresceu de forma não tão ordenada. Então um dos desafios é identificar as diversas experiências que estão em curso - são muitas - e buscar fontes de articulação, possíveis integrações e, ao mesmo tempo, trabalhar com os órgãos regulatórios no sentido de buscar uma regulação que direcione a saúde digital para aquilo que a gente pode tirar de bom dela, que está a serviço da saúde das pessoas, dos usuários. Ao mesmo tempo, nós temos proteção de dados, segurança do tráfego de informações, todos os aspectos que você precisa garantir em relação à integridade das pessoas, de forma a não ferir as questões nem físicas nem morais nem psicológicas das pessoas porque a gente sabe o quanto vazamentos de dados são críticos.

Com sistemas mais integrados, poderíamos ter melhor noção das demandas de saúde, como o tamanho da fila de espera por procedimentos eletivos. É possível, nesses próximos quatro anos de governo, termos integração em todo o País?

Acho que a gente vai conseguir melhorar muito. Já temos experiências bem sucedidas regionais, estaduais e municipais e a gente está olhando para elas e aprendendo com elas. (Temos que) Pensar em um País continental como o Brasil, com a diversidade e iniquidade que a gente tem entre os 5.570 municípios e mesmo entre os Estados, as regiões geográficas, haja visto o momento que nós estamos enfrentando com a emergência sanitária na região Yanomami. A gente vai ter que trabalhar com isso e procurar fazer com que cada espaço dê um passo a mais. Só que os passos não são os mesmos no País inteiro. A gente não vai conseguir criar uma organicidade única, então a gente está procurando olhar para isso e trabalhar em cada espaço com aquilo que é mais importante e necessário.

Quais serão as prioridades da secretaria para o uso da tecnologia na saúde?

Não consigo estabelecer uma prioridade para o País inteiro. O que eu acredito é entender uma determinada região ou linha de cuidado na sua integralidade e num olhar sistêmico sobre o processo: como ele está organizado, quais são os nós críticos que ele tem e como nós podemos desenhar uma solução tecnológica para melhorar esse processo. Para cada linha de cuidado, região e contexto, vai ser um desenho. Não basta usar a tecnologia por usar. Se a gente simplesmente disser que vamos usar a tecnologia para reduzir fila, mas como você vai fazer isso? Qual é o tamanho da fila? É uma fila do quê? Qual é a especialidade que está carente? Quais são os vazios assistenciais que estão colocados? Você reestrutura essa rede para que não seja simplesmente uma ação pontual e de mutirão que depois você não vai ter uma continuidade e uma sustentabilidade. A tecnologia é um meio e a gente precisa do resto da rede de atenção compreendida no seu contexto para poder identificar como que a gente pode, com a tecnologia, melhorá-lo.

Mas há um direcionamento macro do ministério para a área de saúde digital?

Nós vamos caminhar com as prioridades do ministério. Nesse momento nós estamos com a emergência sanitária na região dos Yanomami. Agora estamos melhorando a conectividade no local para que a rede possa entrar. Na hora que a rede for entrar, a gente vai entrar junto e buscar um desenho de telessaúde, de telecuidado que vá potencializar aquilo que a rede vai fazer, suprir uma eventual carência de profissionais necessários, trabalhar com uma segunda opinião, com suporte aos profissionais. Depois, trabalhar capacitando e apoiando a própria comunidade para o uso de recursos que possam trazer informações úteis para eles no dia a dia, sempre respeitando a cultura indígena, por isso a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) é que vai nos dar o tom e a direcionalidade para isso.

Há planos da Sesai para abrir um hospital de campanha dentro do território Yanomami. Existe possibilidade de suporte de especialistas aos profissionais dessas unidades por meio da telessaúde?

Estamos estudando todas as possibilidades em articulação com aquilo que está sendo planejado para a assistência. Por exemplo, temos o Hospital Santo Antônio, que é em Boa Vista, que é o maior hospital do Estado, com 160 leitos, e está atendendo as crianças da região. Junto com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, que está presente na Universidade Federal de Roraima, estamos estendendo o backbone (rede de dados) de banda larga para esse hospital, que tinha conectividade, mas estava instável. Vamos fortalecer a conectividade ali para depois estar preparado em termos de infraestrutura para o desenho de solução tecnológica que a gente vai fazer, com essa unidade se conectando com o polo-base de saúde de Surucucu, com a Casai (Casa de Apoio ao Índio), com o DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena).

Ana Estela Haddad, secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde Foto: Eduardo Ogata/Divulgação

O Ministério da Saúde teve nos últimos anos vários episódios de vazamento de dados. Há alguma ação mais emergencial que está sendo tomada pela secretaria para garantir essa proteção de dados?

Nós estamos inventariando os sistemas, mapeando os processos no sentido de certamente aperfeiçoar toda parte de segurança de dados e, inevitavelmente e indiscutivelmente, ter um plano de gestão de dados à altura do que são os sistemas do Datasus para que a gente possa ter segurança e tranquilidade em relação a isso.

Ferramentas como o ChatGPT têm ganhado grande atenção. Na sua visão, qual é o papel da inteligência artificial na saúde e quais os cuidados que devemos ter para que isso não se torne um problema?

A gente não pode deixar de ter um olhar analítico e crítico sobre essas novas tecnologias. As pessoas às vezes se fascinam. O ChatGPT agora tem repercussões na educação e pode ter na saúde. Mas um algoritmo que dá uma ilusão de precisão você tem que estudar porque se você tem uma iniquidade ou um viés que já está colocado nos dados que estão sendo alimentados para aquele sistema de decisão algorítmica funcionar, ele vai ficar encoberto e você vai estar aprofundando uma eventual iniquidade. Vou dar um exemplo que está presente em um livro que gosto muito, que é o LGPD na Saúde Digital. Ele dá um exemplo que é uma situação nos Estados Unidos em que eles estavam alimentando um sistema algorítmico para que pudesse dar suporte em casa a pacientes que tivessem tido alta precoce e a ideia era dar mais suporte para quem está mais vulnerável. Só que quando foi introduzido no algoritmo a questão do endereço e do código postal, o sistema acabou direcionando esse apoio para os bairros mais abastados e aprofundou a iniquidade que aquele algoritmo queria corrigir. Então não podemos incorporar acriticamente o aspecto das tecnologias. A gente precisa aprofundar, conhecer com calma e com reservas e entender como ela funciona e como a gente pode moldá-la para ser usada a nosso favor, a favor do que a gente quer promover.

Poderia nos dar um exemplo em que a inteligência artificial pode ser usada de forma positiva na saúde e o que fazer para que ela não seja utilizada de forma enviesada, por exemplo por empresas que podem usar a análise de dados para discriminar usuários com uma certa condição de saúde?

Um lado positivo é a gente poder fazer predição. A Secretaria de Vigilância em Saúde, junto com centros de pesquisa importantes do Brasil, vêm trabalhando com um sistema de cruzamento de banco de dados que nos permite antever com algumas semanas de antecedência uma possível epidemia e, com isso, tomar medidas preventivas. Isso é um uso muito positivo, mas que demanda estudo, aprofundamento, conhecimento, equipes multidisciplinares para olharem o que pode ser feito. Agora, como a gente regula os setores que estão de olho nos grandes bancos de dados para finalidades que às vezes são mercadológicas, que têm outra natureza e que podem inadvertidamente desrespeitar os direitos e a privacidade dos titulares dos dados? Esse é o cuidado que a gente tem que ter.

Titular da recém-criada Secretaria de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde, Ana Estela Haddad quer que a tecnologia seja usada no Sistema Único de Saúde (SUS) com soluções personalizadas para cada região, mas não de forma indiscriminada e acrítica. Para a secretária, o uso de ferramentas digitais e da inteligência artificial sem um olhar analítico e crítico pode, em vez de reduzir, “aprofundar iniquidades”.

Em entrevista exclusiva ao Estadão concedida na quinta-feira, 9, durante sua participação em evento do YouTube sobre conteúdos de saúde, a secretária afirmou que “não basta usar a tecnologia por usar” sem que sejam consideradas as desigualdades do País e desenhados usos específicos para cada cenário e demanda. A tecnologia, diz Ana Estela, deve ser vista como um meio para melhorar a rede assistencial e potencializar o serviço prestado.

Ela deu como exemplo o trabalho que está sendo desenvolvido pela secretaria em Roraima para ampliar a conectividade de um hospital de referência em Boa Vista que possa, futuramente, dar suporte remoto às unidades de saúde inseridas no território indígena Yanomami.

Professora titular da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP), Ana Estela foi diretora na Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde do ministério entre 2005 e 2012. Ela afirma que, desde então, quando as primeiras iniciativas de uso da tecnologia na saúde começaram no ministério, a conectividade e a informatização evoluíram muito, mas ressalta que a pandemia trouxe o desafio de que as ações de telessaúde foram ampliadas de forma desordenada. Para ela, é preciso identificar as experiências que estão em curso e “buscar fontes de articulação, possíveis integrações e uma regulação que direcione a saúde digital para aquilo que a gente pode tirar de bom dela”.

Segundo a pesquisa TIC Saúde 2022, divulgada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, 97% das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) do País possuem computador e acesso à internet. Embora seja pequeno o porcentual de centros de saúde sem conectividade (3%), ele representa, em números absolutos, mais de 1,2 mil unidades.

A nova secretaria do ministério está responsável por três departamentos: Saúde Digital e Inovação, Informação para o Sistema Único de Saúde (Datasus) e Avaliação e Disseminação de Informações Estratégicas em Saúde. De acordo com a secretária, uma das prioridades é buscar regulação para a saúde digital que garanta a proteção e segurança dos dados.

Nesta quinta-feira, 16, durante reunião da Comissão Intergestores Tripartite, que tem a participação do ministério e dos conselhos de secretários municipais e estaduais da Saúde, Ana Estela anunciou a criação do Laboratório de Inovação em Saúde Digital, que contará com representantes da pasta, municípios, Estados, Organização Panamericana da Saúde e outras instituições, com o objetivo de “fomentar a inovação na direção das necessidades do SUS para que a gente possa trabalhar como um indutor da política de inovação em saúde digital e não apenas avaliar o que o setor está querendo nos mostrar e trazer”, disse ela.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista da secretária ao Estadão:

Passado pouco mais de um mês do início da nova gestão, qual é o diagnóstico da área de saúde digital e quais são os principais desafios?

Se a gente comparar com 2007, quando começamos a trabalhar com as tecnologias de informação e comunicação no Ministério da Saúde, a gente avançou muito tanto em termos de conectividade quanto de informatização. E hoje chegamos ao ponto de o grupo de transição do governo (Lula) recomendar a criação dessa secretaria, o que acho um passo muito importante. A gente está muito motivado. O desafio é grande porque temos um outro marco, que é a pandemia. Ela fez crescer muito a utilização, a conscientização e a vivência para a saúde digital, mas isso cresceu de forma não tão ordenada. Então um dos desafios é identificar as diversas experiências que estão em curso - são muitas - e buscar fontes de articulação, possíveis integrações e, ao mesmo tempo, trabalhar com os órgãos regulatórios no sentido de buscar uma regulação que direcione a saúde digital para aquilo que a gente pode tirar de bom dela, que está a serviço da saúde das pessoas, dos usuários. Ao mesmo tempo, nós temos proteção de dados, segurança do tráfego de informações, todos os aspectos que você precisa garantir em relação à integridade das pessoas, de forma a não ferir as questões nem físicas nem morais nem psicológicas das pessoas porque a gente sabe o quanto vazamentos de dados são críticos.

Com sistemas mais integrados, poderíamos ter melhor noção das demandas de saúde, como o tamanho da fila de espera por procedimentos eletivos. É possível, nesses próximos quatro anos de governo, termos integração em todo o País?

Acho que a gente vai conseguir melhorar muito. Já temos experiências bem sucedidas regionais, estaduais e municipais e a gente está olhando para elas e aprendendo com elas. (Temos que) Pensar em um País continental como o Brasil, com a diversidade e iniquidade que a gente tem entre os 5.570 municípios e mesmo entre os Estados, as regiões geográficas, haja visto o momento que nós estamos enfrentando com a emergência sanitária na região Yanomami. A gente vai ter que trabalhar com isso e procurar fazer com que cada espaço dê um passo a mais. Só que os passos não são os mesmos no País inteiro. A gente não vai conseguir criar uma organicidade única, então a gente está procurando olhar para isso e trabalhar em cada espaço com aquilo que é mais importante e necessário.

Quais serão as prioridades da secretaria para o uso da tecnologia na saúde?

Não consigo estabelecer uma prioridade para o País inteiro. O que eu acredito é entender uma determinada região ou linha de cuidado na sua integralidade e num olhar sistêmico sobre o processo: como ele está organizado, quais são os nós críticos que ele tem e como nós podemos desenhar uma solução tecnológica para melhorar esse processo. Para cada linha de cuidado, região e contexto, vai ser um desenho. Não basta usar a tecnologia por usar. Se a gente simplesmente disser que vamos usar a tecnologia para reduzir fila, mas como você vai fazer isso? Qual é o tamanho da fila? É uma fila do quê? Qual é a especialidade que está carente? Quais são os vazios assistenciais que estão colocados? Você reestrutura essa rede para que não seja simplesmente uma ação pontual e de mutirão que depois você não vai ter uma continuidade e uma sustentabilidade. A tecnologia é um meio e a gente precisa do resto da rede de atenção compreendida no seu contexto para poder identificar como que a gente pode, com a tecnologia, melhorá-lo.

Mas há um direcionamento macro do ministério para a área de saúde digital?

Nós vamos caminhar com as prioridades do ministério. Nesse momento nós estamos com a emergência sanitária na região dos Yanomami. Agora estamos melhorando a conectividade no local para que a rede possa entrar. Na hora que a rede for entrar, a gente vai entrar junto e buscar um desenho de telessaúde, de telecuidado que vá potencializar aquilo que a rede vai fazer, suprir uma eventual carência de profissionais necessários, trabalhar com uma segunda opinião, com suporte aos profissionais. Depois, trabalhar capacitando e apoiando a própria comunidade para o uso de recursos que possam trazer informações úteis para eles no dia a dia, sempre respeitando a cultura indígena, por isso a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) é que vai nos dar o tom e a direcionalidade para isso.

Há planos da Sesai para abrir um hospital de campanha dentro do território Yanomami. Existe possibilidade de suporte de especialistas aos profissionais dessas unidades por meio da telessaúde?

Estamos estudando todas as possibilidades em articulação com aquilo que está sendo planejado para a assistência. Por exemplo, temos o Hospital Santo Antônio, que é em Boa Vista, que é o maior hospital do Estado, com 160 leitos, e está atendendo as crianças da região. Junto com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, que está presente na Universidade Federal de Roraima, estamos estendendo o backbone (rede de dados) de banda larga para esse hospital, que tinha conectividade, mas estava instável. Vamos fortalecer a conectividade ali para depois estar preparado em termos de infraestrutura para o desenho de solução tecnológica que a gente vai fazer, com essa unidade se conectando com o polo-base de saúde de Surucucu, com a Casai (Casa de Apoio ao Índio), com o DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena).

Ana Estela Haddad, secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde Foto: Eduardo Ogata/Divulgação

O Ministério da Saúde teve nos últimos anos vários episódios de vazamento de dados. Há alguma ação mais emergencial que está sendo tomada pela secretaria para garantir essa proteção de dados?

Nós estamos inventariando os sistemas, mapeando os processos no sentido de certamente aperfeiçoar toda parte de segurança de dados e, inevitavelmente e indiscutivelmente, ter um plano de gestão de dados à altura do que são os sistemas do Datasus para que a gente possa ter segurança e tranquilidade em relação a isso.

Ferramentas como o ChatGPT têm ganhado grande atenção. Na sua visão, qual é o papel da inteligência artificial na saúde e quais os cuidados que devemos ter para que isso não se torne um problema?

A gente não pode deixar de ter um olhar analítico e crítico sobre essas novas tecnologias. As pessoas às vezes se fascinam. O ChatGPT agora tem repercussões na educação e pode ter na saúde. Mas um algoritmo que dá uma ilusão de precisão você tem que estudar porque se você tem uma iniquidade ou um viés que já está colocado nos dados que estão sendo alimentados para aquele sistema de decisão algorítmica funcionar, ele vai ficar encoberto e você vai estar aprofundando uma eventual iniquidade. Vou dar um exemplo que está presente em um livro que gosto muito, que é o LGPD na Saúde Digital. Ele dá um exemplo que é uma situação nos Estados Unidos em que eles estavam alimentando um sistema algorítmico para que pudesse dar suporte em casa a pacientes que tivessem tido alta precoce e a ideia era dar mais suporte para quem está mais vulnerável. Só que quando foi introduzido no algoritmo a questão do endereço e do código postal, o sistema acabou direcionando esse apoio para os bairros mais abastados e aprofundou a iniquidade que aquele algoritmo queria corrigir. Então não podemos incorporar acriticamente o aspecto das tecnologias. A gente precisa aprofundar, conhecer com calma e com reservas e entender como ela funciona e como a gente pode moldá-la para ser usada a nosso favor, a favor do que a gente quer promover.

Poderia nos dar um exemplo em que a inteligência artificial pode ser usada de forma positiva na saúde e o que fazer para que ela não seja utilizada de forma enviesada, por exemplo por empresas que podem usar a análise de dados para discriminar usuários com uma certa condição de saúde?

Um lado positivo é a gente poder fazer predição. A Secretaria de Vigilância em Saúde, junto com centros de pesquisa importantes do Brasil, vêm trabalhando com um sistema de cruzamento de banco de dados que nos permite antever com algumas semanas de antecedência uma possível epidemia e, com isso, tomar medidas preventivas. Isso é um uso muito positivo, mas que demanda estudo, aprofundamento, conhecimento, equipes multidisciplinares para olharem o que pode ser feito. Agora, como a gente regula os setores que estão de olho nos grandes bancos de dados para finalidades que às vezes são mercadológicas, que têm outra natureza e que podem inadvertidamente desrespeitar os direitos e a privacidade dos titulares dos dados? Esse é o cuidado que a gente tem que ter.

Titular da recém-criada Secretaria de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde, Ana Estela Haddad quer que a tecnologia seja usada no Sistema Único de Saúde (SUS) com soluções personalizadas para cada região, mas não de forma indiscriminada e acrítica. Para a secretária, o uso de ferramentas digitais e da inteligência artificial sem um olhar analítico e crítico pode, em vez de reduzir, “aprofundar iniquidades”.

Em entrevista exclusiva ao Estadão concedida na quinta-feira, 9, durante sua participação em evento do YouTube sobre conteúdos de saúde, a secretária afirmou que “não basta usar a tecnologia por usar” sem que sejam consideradas as desigualdades do País e desenhados usos específicos para cada cenário e demanda. A tecnologia, diz Ana Estela, deve ser vista como um meio para melhorar a rede assistencial e potencializar o serviço prestado.

Ela deu como exemplo o trabalho que está sendo desenvolvido pela secretaria em Roraima para ampliar a conectividade de um hospital de referência em Boa Vista que possa, futuramente, dar suporte remoto às unidades de saúde inseridas no território indígena Yanomami.

Professora titular da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP), Ana Estela foi diretora na Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde do ministério entre 2005 e 2012. Ela afirma que, desde então, quando as primeiras iniciativas de uso da tecnologia na saúde começaram no ministério, a conectividade e a informatização evoluíram muito, mas ressalta que a pandemia trouxe o desafio de que as ações de telessaúde foram ampliadas de forma desordenada. Para ela, é preciso identificar as experiências que estão em curso e “buscar fontes de articulação, possíveis integrações e uma regulação que direcione a saúde digital para aquilo que a gente pode tirar de bom dela”.

Segundo a pesquisa TIC Saúde 2022, divulgada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, 97% das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) do País possuem computador e acesso à internet. Embora seja pequeno o porcentual de centros de saúde sem conectividade (3%), ele representa, em números absolutos, mais de 1,2 mil unidades.

A nova secretaria do ministério está responsável por três departamentos: Saúde Digital e Inovação, Informação para o Sistema Único de Saúde (Datasus) e Avaliação e Disseminação de Informações Estratégicas em Saúde. De acordo com a secretária, uma das prioridades é buscar regulação para a saúde digital que garanta a proteção e segurança dos dados.

Nesta quinta-feira, 16, durante reunião da Comissão Intergestores Tripartite, que tem a participação do ministério e dos conselhos de secretários municipais e estaduais da Saúde, Ana Estela anunciou a criação do Laboratório de Inovação em Saúde Digital, que contará com representantes da pasta, municípios, Estados, Organização Panamericana da Saúde e outras instituições, com o objetivo de “fomentar a inovação na direção das necessidades do SUS para que a gente possa trabalhar como um indutor da política de inovação em saúde digital e não apenas avaliar o que o setor está querendo nos mostrar e trazer”, disse ela.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista da secretária ao Estadão:

Passado pouco mais de um mês do início da nova gestão, qual é o diagnóstico da área de saúde digital e quais são os principais desafios?

Se a gente comparar com 2007, quando começamos a trabalhar com as tecnologias de informação e comunicação no Ministério da Saúde, a gente avançou muito tanto em termos de conectividade quanto de informatização. E hoje chegamos ao ponto de o grupo de transição do governo (Lula) recomendar a criação dessa secretaria, o que acho um passo muito importante. A gente está muito motivado. O desafio é grande porque temos um outro marco, que é a pandemia. Ela fez crescer muito a utilização, a conscientização e a vivência para a saúde digital, mas isso cresceu de forma não tão ordenada. Então um dos desafios é identificar as diversas experiências que estão em curso - são muitas - e buscar fontes de articulação, possíveis integrações e, ao mesmo tempo, trabalhar com os órgãos regulatórios no sentido de buscar uma regulação que direcione a saúde digital para aquilo que a gente pode tirar de bom dela, que está a serviço da saúde das pessoas, dos usuários. Ao mesmo tempo, nós temos proteção de dados, segurança do tráfego de informações, todos os aspectos que você precisa garantir em relação à integridade das pessoas, de forma a não ferir as questões nem físicas nem morais nem psicológicas das pessoas porque a gente sabe o quanto vazamentos de dados são críticos.

Com sistemas mais integrados, poderíamos ter melhor noção das demandas de saúde, como o tamanho da fila de espera por procedimentos eletivos. É possível, nesses próximos quatro anos de governo, termos integração em todo o País?

Acho que a gente vai conseguir melhorar muito. Já temos experiências bem sucedidas regionais, estaduais e municipais e a gente está olhando para elas e aprendendo com elas. (Temos que) Pensar em um País continental como o Brasil, com a diversidade e iniquidade que a gente tem entre os 5.570 municípios e mesmo entre os Estados, as regiões geográficas, haja visto o momento que nós estamos enfrentando com a emergência sanitária na região Yanomami. A gente vai ter que trabalhar com isso e procurar fazer com que cada espaço dê um passo a mais. Só que os passos não são os mesmos no País inteiro. A gente não vai conseguir criar uma organicidade única, então a gente está procurando olhar para isso e trabalhar em cada espaço com aquilo que é mais importante e necessário.

Quais serão as prioridades da secretaria para o uso da tecnologia na saúde?

Não consigo estabelecer uma prioridade para o País inteiro. O que eu acredito é entender uma determinada região ou linha de cuidado na sua integralidade e num olhar sistêmico sobre o processo: como ele está organizado, quais são os nós críticos que ele tem e como nós podemos desenhar uma solução tecnológica para melhorar esse processo. Para cada linha de cuidado, região e contexto, vai ser um desenho. Não basta usar a tecnologia por usar. Se a gente simplesmente disser que vamos usar a tecnologia para reduzir fila, mas como você vai fazer isso? Qual é o tamanho da fila? É uma fila do quê? Qual é a especialidade que está carente? Quais são os vazios assistenciais que estão colocados? Você reestrutura essa rede para que não seja simplesmente uma ação pontual e de mutirão que depois você não vai ter uma continuidade e uma sustentabilidade. A tecnologia é um meio e a gente precisa do resto da rede de atenção compreendida no seu contexto para poder identificar como que a gente pode, com a tecnologia, melhorá-lo.

Mas há um direcionamento macro do ministério para a área de saúde digital?

Nós vamos caminhar com as prioridades do ministério. Nesse momento nós estamos com a emergência sanitária na região dos Yanomami. Agora estamos melhorando a conectividade no local para que a rede possa entrar. Na hora que a rede for entrar, a gente vai entrar junto e buscar um desenho de telessaúde, de telecuidado que vá potencializar aquilo que a rede vai fazer, suprir uma eventual carência de profissionais necessários, trabalhar com uma segunda opinião, com suporte aos profissionais. Depois, trabalhar capacitando e apoiando a própria comunidade para o uso de recursos que possam trazer informações úteis para eles no dia a dia, sempre respeitando a cultura indígena, por isso a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) é que vai nos dar o tom e a direcionalidade para isso.

Há planos da Sesai para abrir um hospital de campanha dentro do território Yanomami. Existe possibilidade de suporte de especialistas aos profissionais dessas unidades por meio da telessaúde?

Estamos estudando todas as possibilidades em articulação com aquilo que está sendo planejado para a assistência. Por exemplo, temos o Hospital Santo Antônio, que é em Boa Vista, que é o maior hospital do Estado, com 160 leitos, e está atendendo as crianças da região. Junto com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, que está presente na Universidade Federal de Roraima, estamos estendendo o backbone (rede de dados) de banda larga para esse hospital, que tinha conectividade, mas estava instável. Vamos fortalecer a conectividade ali para depois estar preparado em termos de infraestrutura para o desenho de solução tecnológica que a gente vai fazer, com essa unidade se conectando com o polo-base de saúde de Surucucu, com a Casai (Casa de Apoio ao Índio), com o DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena).

Ana Estela Haddad, secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde Foto: Eduardo Ogata/Divulgação

O Ministério da Saúde teve nos últimos anos vários episódios de vazamento de dados. Há alguma ação mais emergencial que está sendo tomada pela secretaria para garantir essa proteção de dados?

Nós estamos inventariando os sistemas, mapeando os processos no sentido de certamente aperfeiçoar toda parte de segurança de dados e, inevitavelmente e indiscutivelmente, ter um plano de gestão de dados à altura do que são os sistemas do Datasus para que a gente possa ter segurança e tranquilidade em relação a isso.

Ferramentas como o ChatGPT têm ganhado grande atenção. Na sua visão, qual é o papel da inteligência artificial na saúde e quais os cuidados que devemos ter para que isso não se torne um problema?

A gente não pode deixar de ter um olhar analítico e crítico sobre essas novas tecnologias. As pessoas às vezes se fascinam. O ChatGPT agora tem repercussões na educação e pode ter na saúde. Mas um algoritmo que dá uma ilusão de precisão você tem que estudar porque se você tem uma iniquidade ou um viés que já está colocado nos dados que estão sendo alimentados para aquele sistema de decisão algorítmica funcionar, ele vai ficar encoberto e você vai estar aprofundando uma eventual iniquidade. Vou dar um exemplo que está presente em um livro que gosto muito, que é o LGPD na Saúde Digital. Ele dá um exemplo que é uma situação nos Estados Unidos em que eles estavam alimentando um sistema algorítmico para que pudesse dar suporte em casa a pacientes que tivessem tido alta precoce e a ideia era dar mais suporte para quem está mais vulnerável. Só que quando foi introduzido no algoritmo a questão do endereço e do código postal, o sistema acabou direcionando esse apoio para os bairros mais abastados e aprofundou a iniquidade que aquele algoritmo queria corrigir. Então não podemos incorporar acriticamente o aspecto das tecnologias. A gente precisa aprofundar, conhecer com calma e com reservas e entender como ela funciona e como a gente pode moldá-la para ser usada a nosso favor, a favor do que a gente quer promover.

Poderia nos dar um exemplo em que a inteligência artificial pode ser usada de forma positiva na saúde e o que fazer para que ela não seja utilizada de forma enviesada, por exemplo por empresas que podem usar a análise de dados para discriminar usuários com uma certa condição de saúde?

Um lado positivo é a gente poder fazer predição. A Secretaria de Vigilância em Saúde, junto com centros de pesquisa importantes do Brasil, vêm trabalhando com um sistema de cruzamento de banco de dados que nos permite antever com algumas semanas de antecedência uma possível epidemia e, com isso, tomar medidas preventivas. Isso é um uso muito positivo, mas que demanda estudo, aprofundamento, conhecimento, equipes multidisciplinares para olharem o que pode ser feito. Agora, como a gente regula os setores que estão de olho nos grandes bancos de dados para finalidades que às vezes são mercadológicas, que têm outra natureza e que podem inadvertidamente desrespeitar os direitos e a privacidade dos titulares dos dados? Esse é o cuidado que a gente tem que ter.

Entrevista por Fabiana Cambricoli

É repórter especial de Saúde do Estadão. Formada em jornalismo pela USP e mestra em saúde pública pela mesma instituição, já ganhou mais de dez prêmios jornalísticos. Foi fellow do International Center for Journalists (ICFJ), atuando como repórter visitante na ProPublica, premiado portal de jornalismo investigativo sediado em Nova York.

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