Uma espiada na tabela da sazonalidade da Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) revela que dezembro é tempo de uva. Nas feiras, sacolões e supermercados, variedades rosadas, roxas e verdes colorem e perfumam as bancadas. Tem ainda outro tipo bem popular nessa época do ano, a uva-passa.
Não se sabe ao certo o motivo da predileção pelo ingrediente nas receitas de fim de ano, mas existem hipóteses. “Uvas carregam a simbologia da prosperidade há séculos”, diz a nutricionista e chef de cozinha Maria Cecília Corsi, à frente do Cecilia Corsi Food Coach, na capital paulista. Acredita-se que o uso em pratos na ceia de Natal remeta aos rituais de povos antigos, caso dos romanos. Aparecia em festivais regados à bebida, comida e muita música, que celebravam o solstício de inverno.
Mas vem de bem mais longe o consumo de passas no cotidiano, estima-se que desde a Pré-História, quando alguém pegou o fruto caído do pé, seco naturalmente, e aprovou o sabor.
Além disso, a desidratação colabora na preservação dos alimentos. Seria, portanto, uma estratégia para evitar a escassez de comida, mesmo em períodos mais frios. Sem contar que nesse formato podiam ser transportados nas longas viagens.
“Embora a secagem ao sol ainda seja realizada, hoje existem técnicas e maquinários modernos para reduzir o teor de água”, diz o engenheiro de alimentos Flavio Schmidt, da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp. Ainda que exista pequena produção nacional, geralmente a uva-passa que encontramos aqui é importada de países como o Chile, a Argentina, os Estados Unidos e o Irã, entre outros.
O professor comenta que a variedade Thompson Seedless é das mais utilizadas para esse fim. Entre seus atributos, destaque para a ausência de sementes – como o nome em inglês denuncia – a doçura e a textura delicada da casca. Para obter passas douradas e claras, costumam entrar em cena compostos sulfúricos, que são fumigados, já as escuras não recebem esse tipo de tratamento.
Leia Também:
Vai-se a água, fica a riqueza nutricional
São várias etapas durante o processo, que requer delicadeza no manuseio já a partir da colheita. O cuidado ajuda a evitar machucados e danos capazes de interferir no gosto e na consistência. E, conforme desidrata, chegando ao percentual de 15% de líquidos, a tendência é a de concentrar substâncias valiosas.
A nutricionista e chef de cozinha Juliana Watanabe, que mora na Espanha, destaca alguns nutrientes, como vitaminas do complexo B e sais minerais, caso do cobre, manganês, potássio, magnésio, boro e zinco. “Apresenta também flavonoides e polifenóis, compostos que ajudam a reduzir o estresse oxidativo e a formação de radicais livres, prevenindo danos celulares”, diz.
Não para por aí. “Contém uma quantidade boa de fibras, o que pode auxiliar no funcionamento do intestino”, afirma Renata Farrielo, nutricionista com abordagem comportamental de São Paulo. Há, inclusive, evidências de que colabore para o incremento do contingente de micro-organismos benéficos, favorecendo a microbiota intestinal.
Vale mencionar ainda que, a secagem acumula carboidratos, o que é sinônimo de energia. Talvez por isso, existam indícios de sua atuação em prol do cérebro. Um pequeno estudo espanhol, da Universidade Salamanca, realizado com 80 idosos, aponta benefícios à saúde mental. Por meio de testes, foi observado que o consumo do alimento favorece o desempenho cognitivo e pode impactar positivamente na qualidade de vida da população da melhor idade. O trabalho foi publicado na revista científica Nutrients.
Apesar de tantas qualidades, para Maria Cecília não dá para atribuir super-poderes ao alimento. “As passas devem ser saboreadas em um contexto balanceado e personalizado”, defende. Lembrando que trata-se de um concentrado nutritivo que também soma um monte de calorias. “O risco é comer de uma maneira desatenta, sem dar conta da quantidade”, comenta Renata.
Dentro do equilíbrio, sim, elas merecem seu lugar e aparecem na mais festejada das dietas. “A Dieta Mediterrânea estimula o consumo de frutas variadas ao longo do dia, o que inclui as desidratadas”, conta Juliana, que tem mestrado sobre esse plano alimentar pela Universidade Internacional de Valência.
Se dosar direito, a uva-passa faz bonito desde a primeira refeição do dia. “Gosto muito de preparar uma receita de muesli fresco para o café da manhã”, conta Renata. “Ela pode vir na granola também”, destaca Cecília.
“Costumo comer nos lanches intermediários, principalmente em passeios”, conta Juliana. A praticidade conta muitos pontos nessas ocasiões.
Tem polêmica na mesa
Sobre as ceias de fim de ano, ela está envolvida em velhas controvérsias. Tem gente que abusa e erra feio nas combinações.
Nos pratos salgados, a sugestão de Cecília é a de incrementar as farofas. “A uva-passa oferece o contraponto de sabor”, opina.
Em compensação, segundo a chef, o ingrediente deve ficar de fora da travessa de arroz. “Nesse caso, ela não acrescenta nada, minha sugestão é misturar oleaginosas como a amêndoa, que traz ainda aquela deliciosa crocância”, ensina.
A chef recomenda dispensar a uva desidratada também na receita de salpicão. “Nele, já costuma ter a erva-doce, que perfuma e adocica, então não vejo necessidade”, opina.
Renata gosta de colocar um pouco na salada de folhas para dar o toque doce.
Nas sobremesas há mais consenso. “As passas aparecem em muitas preparações como substituta do açúcar para agregar dulçor”, comenta Juliana. Experimente em tortas, cremes, pudins e bolos.
“Outro belo exemplo é o panetone”, lembra Renata. Atualmente, mesmo com uma porção de recheios diferenciados, para muitos a tradição ainda é a melhor pedida.