Vacina de Oxford: entenda como falhas minaram a confiança dos EUA no imunizante da Astrazeneca


Vacina desenvolvida por Oxford e AstraZeneca era uma grande promessa para ajudar a deter a pandemia. Mas uma série de erros fez com que ficasse para trás nos EUA

Por Rebecca Robbins, Sharon LaFraniere, Noah Weiland, David D. Kirkpatrick e Benjamin Mueller
Atualização:

Na tarde de 8 de setembro, funcionários da AstraZeneca realizaram uma teleconferência com a Agência de Alimentos e Medicamentos (FDA, na sigla em inglês). A discussão abordou um tema importante: O que a AstraZeneca precisava fazer para ganhar a aprovação do FDA para a vacina contra o novo coronavírus que está desenvolvendo com a Universidade de Oxford?

Mas os representantes da AstraZeneca se esqueceram de mencionar um acontecimento importante: dois dias antes, a empresa havia interrompido discretamente os testes de sua vacina em todo o mundo, incluindo um estudo em estágio final nos EUA. Isso aconteceu após um participante da Grã-Bretanha adoecer.

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A vacina experimental para a covid-19 da AstraZeneca édesenvolvida na Universidade de Oxford, no Reino Unido Foto: Atul Loke/ The New York Times

Poucas horas depois da teleconferência, surgiu a notícia a respeito dos testes suspensos. Foi assim que os principais funcionários do FDA ficaram sabendo do ocorrido, de acordo com pessoas com conhecimento das conversas.

O comissário do FDA, Stephen Hahn, ficou surpreso com a falha da AstraZeneca em divulgar a suspensão aos reguladores, disse uma das pessoas. O governo dos EUA prometeu mais de US$ 1 bilhão à AstraZeneca para financiar o desenvolvimento e a fabricação de sua vacina e para fornecer aos EUA 300 milhões de doses se ela se mostrasse eficaz. Esperava-se que os reguladores do FDA fossem mantidos informados.

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O ocorrido poderia ter sido atribuído a um simples engano. Mas foi parte de um padrão de erros de comunicação da AstraZeneca que prejudicou o relacionamento da empresa com os reguladores, levantou dúvidas sobre se sua vacina resistirá ao intenso escrutínio público e científico e, em pelo menos uma etapa, retardou o desenvolvimento da vacina.

Cientistas independentes e analistas do setor criticaram a AstraZeneca e Oxford por não serem suficientemente transparentes quanto aos seus resultados iniciais, o modelo de seus estudos e questões de segurança. Mais criticamente, não está claro quão bem a vacina funciona.

“O mundo aposta nesta vacina”, disse Eric Topol, especialista em ensaios clínicos da Scripps Research em San Diego. "Que decepção."

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Desde o início, a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford expressou grande confiança. Em abril, Sara Gilbert, cientista que liderou o ensaio em Oxford, disse a um jornal britânico que tinha 80% de certeza de que a vacina funcionaria, embora não tivesse sido testada em humanos. A Grã-Bretanha encomendou 100 milhões de doses, com o objetivo de que 30 milhões fossem entregues até setembro.

Nos EUA, a Operação Warp Speed, a iniciativa federal para acelerar o desenvolvimento de vacinas, fez em maio o que era então seu maior investimento. O governo concedeu à AstraZeneca até US$ 1,2 bilhão para o desenvolvimento e fabricação da vacina em troca de 300 milhões de doses. Alex Azar, secretário de saúde, destacou o acordo como "um marco importante" no trabalho do programa. As ações da AstraZeneca atingiram um recorde.

A AstraZeneca, porém, não começaria os testes de sua vacina nos EUA antes de agosto, três meses após o acordo com a Operação Warp Speed. Isso foi muito depois de Oxford ter começado a realizar testes em outras partes do mundo - um atraso que seria decisivo para os EUA.

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Autoridades federais de saúde disseram em junho que, para autorizar uma vacina, o FDA provavelmente precisaria ver os dados do estágio final de pelo menos 30 mil participantes do estudo. Naquela época, os testes de Oxford na Grã-Bretanha e no Brasil estavam em andamento e, mesmo que seus resultados fossem reunidos, eles ficariam aquém do número exigido pelo FDA.

A AstraZeneca planejava que seus testes nos EUA incluíssem 30 mil pessoas. Mas eles estavam a semanas de começar. Então veio um susto de segurança.

Um participante britânico dos testes em Fase 2 desenvolveu sintomas neurológicos consistentes com mielite transversa, uma síndrome inflamatória que afeta a medula espinhal e é frequentemente causada por infecções virais, de acordo com um aviso dado aos participantes em 12 de julho. Esse ensaio foi brevemente interrompido. Posteriormente, foi descoberto que o participante tinha esclerose múltipla, considerada não relacionada à vacina. Mas no final do verão [do hemisfério norte], outro participante do mesmo estudo adoeceu com sintomas semelhantes.

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Em 6 de setembro, a AstraZeneca interrompeu seus testes em todo o mundo para investigar o ocorrido. A notícia se tornou pública dois dias depois. Funcionários do FDA foram surpreendidos.

No final de outubro, depois de 47 dias, o FDA autorizou o reinício dos testes nos EUA.

Agora eles estavam ainda mais atrasados em relação aos testes de estágio final que a Pfizer e a Moderna haviam iniciado nos EUA cerca de um mês antes do início dos testes da AstraZeneca. Uma consequência foi que, pelo menos inicialmente, a AstraZeneca não seria capaz de combinar os dados dos testes nos EUA e no exterior para atingir os 30 mil participantes exigidos pela FDA.

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Em novembro, tanto a Pfizer como a Moderna informaram que as análises tinham apontado que suas vacinas eram cerca de 95% eficazes. Os resultados espetaculares estabeleceram um alto padrão para medir as vacinas rivais.

Ainda assim, as vacinas da Pfizer e da Moderna apresentavam desvantagens em comparação com a abordagem da vacina Oxford-AstraZeneca. Elas eram mais caras - e as empresas não haviam prometido abrir mão de seus lucros. Além disso, não podiam ser armazenadas fora de freezers com temperaturas baixíssimas por mais do que algumas semanas.

Como resultado, a comunidade global de saúde pública estava esperando com entusiasmo os resultados da vacina desenvolvida por Oxford e AstraZeneca. Eles surgiram em 23 de novembro. A boa notícia era que a vacina parecia funcionar e ser segura. E ninguém que havia sido vacinado desenvolveu um quadro grave de covid-19 ou foi hospitalizado.

Mas as coisas ficaram mais complicadas a partir daí.

Pesquisadores da AstraZeneca e de Oxford disseram que sua vacina foi até 90% eficaz, mas apenas entre aqueles que receberam a dose inicial de meia-dose. Entre o grupo maior de participantes que recebeu duas doses completas, a vacina foi apenas 62% eficaz.

Isso parecia incoerente. E os pesquisadores de Oxford não conseguiram explicar com certeza por que a vacina funcionou melhor quando os participantes receberam uma dose inicial de meia-dose. Na Lancet na terça-feira, os cientistas disseram que ainda não tinham certeza.

A situação só piorou. No dia seguinte ao anúncio dos resultados, Moncef Slaoui, chefe da Operação Warp Speed, disse aos repórteres que a promissora meia-dose não havia sido testada em pessoas com mais de 55 anos. Isso foi preocupante porque algumas vacinas não funcionam bem em idosos, que também são mais vulneráveis à covid-19. O que também levantou a questão de por que os próprios desenvolvedores de vacinas não revelaram essa ressalva importante.

Os resultados pouco claros minaram ainda mais a confiança dos reguladores americanos. Na ausência de uma explicação clara de por que a dose inicial de meia-dose funcionou muito melhor, os resultados provavelmente “não serão suficientes para uma aprovação”, disse Slaoui na semana passada.

A AstraZeneca está agora considerando um novo estudo global que envolverá vários milhares de participantes para coletar mais dados em relação ao processo envolvendo uma dose inicial de meia-dose. Apesar disso, a vacina provavelmente estará disponível em breve na Grã-Bretanha e em alguns outros países.

Não nos EUA. Na semana passada, os testes da AstraZeneca nos EUA estavam a meio caminho de sua meta de contar com 30 mil participantes.

Os executivos da AstraZeneca disseram na terça-feira que, com base no feedback do FDA, eles não esperavam receber autorização federal para sua vacina até que a empresa obtivesse os resultados de seu teste nos EUA. Isso poderia acontecer em janeiro.

Até lá, as autoridades de saúde pública dos EUA estão se preparando para começar a vacinar uma pequena porcentagem da população usando as vacinas da Pfizer e da Moderna, que em breve estarão disponíveis em quantidades limitadas. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Na tarde de 8 de setembro, funcionários da AstraZeneca realizaram uma teleconferência com a Agência de Alimentos e Medicamentos (FDA, na sigla em inglês). A discussão abordou um tema importante: O que a AstraZeneca precisava fazer para ganhar a aprovação do FDA para a vacina contra o novo coronavírus que está desenvolvendo com a Universidade de Oxford?

Mas os representantes da AstraZeneca se esqueceram de mencionar um acontecimento importante: dois dias antes, a empresa havia interrompido discretamente os testes de sua vacina em todo o mundo, incluindo um estudo em estágio final nos EUA. Isso aconteceu após um participante da Grã-Bretanha adoecer.

A vacina experimental para a covid-19 da AstraZeneca édesenvolvida na Universidade de Oxford, no Reino Unido Foto: Atul Loke/ The New York Times

Poucas horas depois da teleconferência, surgiu a notícia a respeito dos testes suspensos. Foi assim que os principais funcionários do FDA ficaram sabendo do ocorrido, de acordo com pessoas com conhecimento das conversas.

O comissário do FDA, Stephen Hahn, ficou surpreso com a falha da AstraZeneca em divulgar a suspensão aos reguladores, disse uma das pessoas. O governo dos EUA prometeu mais de US$ 1 bilhão à AstraZeneca para financiar o desenvolvimento e a fabricação de sua vacina e para fornecer aos EUA 300 milhões de doses se ela se mostrasse eficaz. Esperava-se que os reguladores do FDA fossem mantidos informados.

O ocorrido poderia ter sido atribuído a um simples engano. Mas foi parte de um padrão de erros de comunicação da AstraZeneca que prejudicou o relacionamento da empresa com os reguladores, levantou dúvidas sobre se sua vacina resistirá ao intenso escrutínio público e científico e, em pelo menos uma etapa, retardou o desenvolvimento da vacina.

Cientistas independentes e analistas do setor criticaram a AstraZeneca e Oxford por não serem suficientemente transparentes quanto aos seus resultados iniciais, o modelo de seus estudos e questões de segurança. Mais criticamente, não está claro quão bem a vacina funciona.

“O mundo aposta nesta vacina”, disse Eric Topol, especialista em ensaios clínicos da Scripps Research em San Diego. "Que decepção."

Desde o início, a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford expressou grande confiança. Em abril, Sara Gilbert, cientista que liderou o ensaio em Oxford, disse a um jornal britânico que tinha 80% de certeza de que a vacina funcionaria, embora não tivesse sido testada em humanos. A Grã-Bretanha encomendou 100 milhões de doses, com o objetivo de que 30 milhões fossem entregues até setembro.

Nos EUA, a Operação Warp Speed, a iniciativa federal para acelerar o desenvolvimento de vacinas, fez em maio o que era então seu maior investimento. O governo concedeu à AstraZeneca até US$ 1,2 bilhão para o desenvolvimento e fabricação da vacina em troca de 300 milhões de doses. Alex Azar, secretário de saúde, destacou o acordo como "um marco importante" no trabalho do programa. As ações da AstraZeneca atingiram um recorde.

A AstraZeneca, porém, não começaria os testes de sua vacina nos EUA antes de agosto, três meses após o acordo com a Operação Warp Speed. Isso foi muito depois de Oxford ter começado a realizar testes em outras partes do mundo - um atraso que seria decisivo para os EUA.

Autoridades federais de saúde disseram em junho que, para autorizar uma vacina, o FDA provavelmente precisaria ver os dados do estágio final de pelo menos 30 mil participantes do estudo. Naquela época, os testes de Oxford na Grã-Bretanha e no Brasil estavam em andamento e, mesmo que seus resultados fossem reunidos, eles ficariam aquém do número exigido pelo FDA.

A AstraZeneca planejava que seus testes nos EUA incluíssem 30 mil pessoas. Mas eles estavam a semanas de começar. Então veio um susto de segurança.

Um participante britânico dos testes em Fase 2 desenvolveu sintomas neurológicos consistentes com mielite transversa, uma síndrome inflamatória que afeta a medula espinhal e é frequentemente causada por infecções virais, de acordo com um aviso dado aos participantes em 12 de julho. Esse ensaio foi brevemente interrompido. Posteriormente, foi descoberto que o participante tinha esclerose múltipla, considerada não relacionada à vacina. Mas no final do verão [do hemisfério norte], outro participante do mesmo estudo adoeceu com sintomas semelhantes.

Em 6 de setembro, a AstraZeneca interrompeu seus testes em todo o mundo para investigar o ocorrido. A notícia se tornou pública dois dias depois. Funcionários do FDA foram surpreendidos.

No final de outubro, depois de 47 dias, o FDA autorizou o reinício dos testes nos EUA.

Agora eles estavam ainda mais atrasados em relação aos testes de estágio final que a Pfizer e a Moderna haviam iniciado nos EUA cerca de um mês antes do início dos testes da AstraZeneca. Uma consequência foi que, pelo menos inicialmente, a AstraZeneca não seria capaz de combinar os dados dos testes nos EUA e no exterior para atingir os 30 mil participantes exigidos pela FDA.

Em novembro, tanto a Pfizer como a Moderna informaram que as análises tinham apontado que suas vacinas eram cerca de 95% eficazes. Os resultados espetaculares estabeleceram um alto padrão para medir as vacinas rivais.

Ainda assim, as vacinas da Pfizer e da Moderna apresentavam desvantagens em comparação com a abordagem da vacina Oxford-AstraZeneca. Elas eram mais caras - e as empresas não haviam prometido abrir mão de seus lucros. Além disso, não podiam ser armazenadas fora de freezers com temperaturas baixíssimas por mais do que algumas semanas.

Como resultado, a comunidade global de saúde pública estava esperando com entusiasmo os resultados da vacina desenvolvida por Oxford e AstraZeneca. Eles surgiram em 23 de novembro. A boa notícia era que a vacina parecia funcionar e ser segura. E ninguém que havia sido vacinado desenvolveu um quadro grave de covid-19 ou foi hospitalizado.

Mas as coisas ficaram mais complicadas a partir daí.

Pesquisadores da AstraZeneca e de Oxford disseram que sua vacina foi até 90% eficaz, mas apenas entre aqueles que receberam a dose inicial de meia-dose. Entre o grupo maior de participantes que recebeu duas doses completas, a vacina foi apenas 62% eficaz.

Isso parecia incoerente. E os pesquisadores de Oxford não conseguiram explicar com certeza por que a vacina funcionou melhor quando os participantes receberam uma dose inicial de meia-dose. Na Lancet na terça-feira, os cientistas disseram que ainda não tinham certeza.

A situação só piorou. No dia seguinte ao anúncio dos resultados, Moncef Slaoui, chefe da Operação Warp Speed, disse aos repórteres que a promissora meia-dose não havia sido testada em pessoas com mais de 55 anos. Isso foi preocupante porque algumas vacinas não funcionam bem em idosos, que também são mais vulneráveis à covid-19. O que também levantou a questão de por que os próprios desenvolvedores de vacinas não revelaram essa ressalva importante.

Os resultados pouco claros minaram ainda mais a confiança dos reguladores americanos. Na ausência de uma explicação clara de por que a dose inicial de meia-dose funcionou muito melhor, os resultados provavelmente “não serão suficientes para uma aprovação”, disse Slaoui na semana passada.

A AstraZeneca está agora considerando um novo estudo global que envolverá vários milhares de participantes para coletar mais dados em relação ao processo envolvendo uma dose inicial de meia-dose. Apesar disso, a vacina provavelmente estará disponível em breve na Grã-Bretanha e em alguns outros países.

Não nos EUA. Na semana passada, os testes da AstraZeneca nos EUA estavam a meio caminho de sua meta de contar com 30 mil participantes.

Os executivos da AstraZeneca disseram na terça-feira que, com base no feedback do FDA, eles não esperavam receber autorização federal para sua vacina até que a empresa obtivesse os resultados de seu teste nos EUA. Isso poderia acontecer em janeiro.

Até lá, as autoridades de saúde pública dos EUA estão se preparando para começar a vacinar uma pequena porcentagem da população usando as vacinas da Pfizer e da Moderna, que em breve estarão disponíveis em quantidades limitadas. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Na tarde de 8 de setembro, funcionários da AstraZeneca realizaram uma teleconferência com a Agência de Alimentos e Medicamentos (FDA, na sigla em inglês). A discussão abordou um tema importante: O que a AstraZeneca precisava fazer para ganhar a aprovação do FDA para a vacina contra o novo coronavírus que está desenvolvendo com a Universidade de Oxford?

Mas os representantes da AstraZeneca se esqueceram de mencionar um acontecimento importante: dois dias antes, a empresa havia interrompido discretamente os testes de sua vacina em todo o mundo, incluindo um estudo em estágio final nos EUA. Isso aconteceu após um participante da Grã-Bretanha adoecer.

A vacina experimental para a covid-19 da AstraZeneca édesenvolvida na Universidade de Oxford, no Reino Unido Foto: Atul Loke/ The New York Times

Poucas horas depois da teleconferência, surgiu a notícia a respeito dos testes suspensos. Foi assim que os principais funcionários do FDA ficaram sabendo do ocorrido, de acordo com pessoas com conhecimento das conversas.

O comissário do FDA, Stephen Hahn, ficou surpreso com a falha da AstraZeneca em divulgar a suspensão aos reguladores, disse uma das pessoas. O governo dos EUA prometeu mais de US$ 1 bilhão à AstraZeneca para financiar o desenvolvimento e a fabricação de sua vacina e para fornecer aos EUA 300 milhões de doses se ela se mostrasse eficaz. Esperava-se que os reguladores do FDA fossem mantidos informados.

O ocorrido poderia ter sido atribuído a um simples engano. Mas foi parte de um padrão de erros de comunicação da AstraZeneca que prejudicou o relacionamento da empresa com os reguladores, levantou dúvidas sobre se sua vacina resistirá ao intenso escrutínio público e científico e, em pelo menos uma etapa, retardou o desenvolvimento da vacina.

Cientistas independentes e analistas do setor criticaram a AstraZeneca e Oxford por não serem suficientemente transparentes quanto aos seus resultados iniciais, o modelo de seus estudos e questões de segurança. Mais criticamente, não está claro quão bem a vacina funciona.

“O mundo aposta nesta vacina”, disse Eric Topol, especialista em ensaios clínicos da Scripps Research em San Diego. "Que decepção."

Desde o início, a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford expressou grande confiança. Em abril, Sara Gilbert, cientista que liderou o ensaio em Oxford, disse a um jornal britânico que tinha 80% de certeza de que a vacina funcionaria, embora não tivesse sido testada em humanos. A Grã-Bretanha encomendou 100 milhões de doses, com o objetivo de que 30 milhões fossem entregues até setembro.

Nos EUA, a Operação Warp Speed, a iniciativa federal para acelerar o desenvolvimento de vacinas, fez em maio o que era então seu maior investimento. O governo concedeu à AstraZeneca até US$ 1,2 bilhão para o desenvolvimento e fabricação da vacina em troca de 300 milhões de doses. Alex Azar, secretário de saúde, destacou o acordo como "um marco importante" no trabalho do programa. As ações da AstraZeneca atingiram um recorde.

A AstraZeneca, porém, não começaria os testes de sua vacina nos EUA antes de agosto, três meses após o acordo com a Operação Warp Speed. Isso foi muito depois de Oxford ter começado a realizar testes em outras partes do mundo - um atraso que seria decisivo para os EUA.

Autoridades federais de saúde disseram em junho que, para autorizar uma vacina, o FDA provavelmente precisaria ver os dados do estágio final de pelo menos 30 mil participantes do estudo. Naquela época, os testes de Oxford na Grã-Bretanha e no Brasil estavam em andamento e, mesmo que seus resultados fossem reunidos, eles ficariam aquém do número exigido pelo FDA.

A AstraZeneca planejava que seus testes nos EUA incluíssem 30 mil pessoas. Mas eles estavam a semanas de começar. Então veio um susto de segurança.

Um participante britânico dos testes em Fase 2 desenvolveu sintomas neurológicos consistentes com mielite transversa, uma síndrome inflamatória que afeta a medula espinhal e é frequentemente causada por infecções virais, de acordo com um aviso dado aos participantes em 12 de julho. Esse ensaio foi brevemente interrompido. Posteriormente, foi descoberto que o participante tinha esclerose múltipla, considerada não relacionada à vacina. Mas no final do verão [do hemisfério norte], outro participante do mesmo estudo adoeceu com sintomas semelhantes.

Em 6 de setembro, a AstraZeneca interrompeu seus testes em todo o mundo para investigar o ocorrido. A notícia se tornou pública dois dias depois. Funcionários do FDA foram surpreendidos.

No final de outubro, depois de 47 dias, o FDA autorizou o reinício dos testes nos EUA.

Agora eles estavam ainda mais atrasados em relação aos testes de estágio final que a Pfizer e a Moderna haviam iniciado nos EUA cerca de um mês antes do início dos testes da AstraZeneca. Uma consequência foi que, pelo menos inicialmente, a AstraZeneca não seria capaz de combinar os dados dos testes nos EUA e no exterior para atingir os 30 mil participantes exigidos pela FDA.

Em novembro, tanto a Pfizer como a Moderna informaram que as análises tinham apontado que suas vacinas eram cerca de 95% eficazes. Os resultados espetaculares estabeleceram um alto padrão para medir as vacinas rivais.

Ainda assim, as vacinas da Pfizer e da Moderna apresentavam desvantagens em comparação com a abordagem da vacina Oxford-AstraZeneca. Elas eram mais caras - e as empresas não haviam prometido abrir mão de seus lucros. Além disso, não podiam ser armazenadas fora de freezers com temperaturas baixíssimas por mais do que algumas semanas.

Como resultado, a comunidade global de saúde pública estava esperando com entusiasmo os resultados da vacina desenvolvida por Oxford e AstraZeneca. Eles surgiram em 23 de novembro. A boa notícia era que a vacina parecia funcionar e ser segura. E ninguém que havia sido vacinado desenvolveu um quadro grave de covid-19 ou foi hospitalizado.

Mas as coisas ficaram mais complicadas a partir daí.

Pesquisadores da AstraZeneca e de Oxford disseram que sua vacina foi até 90% eficaz, mas apenas entre aqueles que receberam a dose inicial de meia-dose. Entre o grupo maior de participantes que recebeu duas doses completas, a vacina foi apenas 62% eficaz.

Isso parecia incoerente. E os pesquisadores de Oxford não conseguiram explicar com certeza por que a vacina funcionou melhor quando os participantes receberam uma dose inicial de meia-dose. Na Lancet na terça-feira, os cientistas disseram que ainda não tinham certeza.

A situação só piorou. No dia seguinte ao anúncio dos resultados, Moncef Slaoui, chefe da Operação Warp Speed, disse aos repórteres que a promissora meia-dose não havia sido testada em pessoas com mais de 55 anos. Isso foi preocupante porque algumas vacinas não funcionam bem em idosos, que também são mais vulneráveis à covid-19. O que também levantou a questão de por que os próprios desenvolvedores de vacinas não revelaram essa ressalva importante.

Os resultados pouco claros minaram ainda mais a confiança dos reguladores americanos. Na ausência de uma explicação clara de por que a dose inicial de meia-dose funcionou muito melhor, os resultados provavelmente “não serão suficientes para uma aprovação”, disse Slaoui na semana passada.

A AstraZeneca está agora considerando um novo estudo global que envolverá vários milhares de participantes para coletar mais dados em relação ao processo envolvendo uma dose inicial de meia-dose. Apesar disso, a vacina provavelmente estará disponível em breve na Grã-Bretanha e em alguns outros países.

Não nos EUA. Na semana passada, os testes da AstraZeneca nos EUA estavam a meio caminho de sua meta de contar com 30 mil participantes.

Os executivos da AstraZeneca disseram na terça-feira que, com base no feedback do FDA, eles não esperavam receber autorização federal para sua vacina até que a empresa obtivesse os resultados de seu teste nos EUA. Isso poderia acontecer em janeiro.

Até lá, as autoridades de saúde pública dos EUA estão se preparando para começar a vacinar uma pequena porcentagem da população usando as vacinas da Pfizer e da Moderna, que em breve estarão disponíveis em quantidades limitadas. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Na tarde de 8 de setembro, funcionários da AstraZeneca realizaram uma teleconferência com a Agência de Alimentos e Medicamentos (FDA, na sigla em inglês). A discussão abordou um tema importante: O que a AstraZeneca precisava fazer para ganhar a aprovação do FDA para a vacina contra o novo coronavírus que está desenvolvendo com a Universidade de Oxford?

Mas os representantes da AstraZeneca se esqueceram de mencionar um acontecimento importante: dois dias antes, a empresa havia interrompido discretamente os testes de sua vacina em todo o mundo, incluindo um estudo em estágio final nos EUA. Isso aconteceu após um participante da Grã-Bretanha adoecer.

A vacina experimental para a covid-19 da AstraZeneca édesenvolvida na Universidade de Oxford, no Reino Unido Foto: Atul Loke/ The New York Times

Poucas horas depois da teleconferência, surgiu a notícia a respeito dos testes suspensos. Foi assim que os principais funcionários do FDA ficaram sabendo do ocorrido, de acordo com pessoas com conhecimento das conversas.

O comissário do FDA, Stephen Hahn, ficou surpreso com a falha da AstraZeneca em divulgar a suspensão aos reguladores, disse uma das pessoas. O governo dos EUA prometeu mais de US$ 1 bilhão à AstraZeneca para financiar o desenvolvimento e a fabricação de sua vacina e para fornecer aos EUA 300 milhões de doses se ela se mostrasse eficaz. Esperava-se que os reguladores do FDA fossem mantidos informados.

O ocorrido poderia ter sido atribuído a um simples engano. Mas foi parte de um padrão de erros de comunicação da AstraZeneca que prejudicou o relacionamento da empresa com os reguladores, levantou dúvidas sobre se sua vacina resistirá ao intenso escrutínio público e científico e, em pelo menos uma etapa, retardou o desenvolvimento da vacina.

Cientistas independentes e analistas do setor criticaram a AstraZeneca e Oxford por não serem suficientemente transparentes quanto aos seus resultados iniciais, o modelo de seus estudos e questões de segurança. Mais criticamente, não está claro quão bem a vacina funciona.

“O mundo aposta nesta vacina”, disse Eric Topol, especialista em ensaios clínicos da Scripps Research em San Diego. "Que decepção."

Desde o início, a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford expressou grande confiança. Em abril, Sara Gilbert, cientista que liderou o ensaio em Oxford, disse a um jornal britânico que tinha 80% de certeza de que a vacina funcionaria, embora não tivesse sido testada em humanos. A Grã-Bretanha encomendou 100 milhões de doses, com o objetivo de que 30 milhões fossem entregues até setembro.

Nos EUA, a Operação Warp Speed, a iniciativa federal para acelerar o desenvolvimento de vacinas, fez em maio o que era então seu maior investimento. O governo concedeu à AstraZeneca até US$ 1,2 bilhão para o desenvolvimento e fabricação da vacina em troca de 300 milhões de doses. Alex Azar, secretário de saúde, destacou o acordo como "um marco importante" no trabalho do programa. As ações da AstraZeneca atingiram um recorde.

A AstraZeneca, porém, não começaria os testes de sua vacina nos EUA antes de agosto, três meses após o acordo com a Operação Warp Speed. Isso foi muito depois de Oxford ter começado a realizar testes em outras partes do mundo - um atraso que seria decisivo para os EUA.

Autoridades federais de saúde disseram em junho que, para autorizar uma vacina, o FDA provavelmente precisaria ver os dados do estágio final de pelo menos 30 mil participantes do estudo. Naquela época, os testes de Oxford na Grã-Bretanha e no Brasil estavam em andamento e, mesmo que seus resultados fossem reunidos, eles ficariam aquém do número exigido pelo FDA.

A AstraZeneca planejava que seus testes nos EUA incluíssem 30 mil pessoas. Mas eles estavam a semanas de começar. Então veio um susto de segurança.

Um participante britânico dos testes em Fase 2 desenvolveu sintomas neurológicos consistentes com mielite transversa, uma síndrome inflamatória que afeta a medula espinhal e é frequentemente causada por infecções virais, de acordo com um aviso dado aos participantes em 12 de julho. Esse ensaio foi brevemente interrompido. Posteriormente, foi descoberto que o participante tinha esclerose múltipla, considerada não relacionada à vacina. Mas no final do verão [do hemisfério norte], outro participante do mesmo estudo adoeceu com sintomas semelhantes.

Em 6 de setembro, a AstraZeneca interrompeu seus testes em todo o mundo para investigar o ocorrido. A notícia se tornou pública dois dias depois. Funcionários do FDA foram surpreendidos.

No final de outubro, depois de 47 dias, o FDA autorizou o reinício dos testes nos EUA.

Agora eles estavam ainda mais atrasados em relação aos testes de estágio final que a Pfizer e a Moderna haviam iniciado nos EUA cerca de um mês antes do início dos testes da AstraZeneca. Uma consequência foi que, pelo menos inicialmente, a AstraZeneca não seria capaz de combinar os dados dos testes nos EUA e no exterior para atingir os 30 mil participantes exigidos pela FDA.

Em novembro, tanto a Pfizer como a Moderna informaram que as análises tinham apontado que suas vacinas eram cerca de 95% eficazes. Os resultados espetaculares estabeleceram um alto padrão para medir as vacinas rivais.

Ainda assim, as vacinas da Pfizer e da Moderna apresentavam desvantagens em comparação com a abordagem da vacina Oxford-AstraZeneca. Elas eram mais caras - e as empresas não haviam prometido abrir mão de seus lucros. Além disso, não podiam ser armazenadas fora de freezers com temperaturas baixíssimas por mais do que algumas semanas.

Como resultado, a comunidade global de saúde pública estava esperando com entusiasmo os resultados da vacina desenvolvida por Oxford e AstraZeneca. Eles surgiram em 23 de novembro. A boa notícia era que a vacina parecia funcionar e ser segura. E ninguém que havia sido vacinado desenvolveu um quadro grave de covid-19 ou foi hospitalizado.

Mas as coisas ficaram mais complicadas a partir daí.

Pesquisadores da AstraZeneca e de Oxford disseram que sua vacina foi até 90% eficaz, mas apenas entre aqueles que receberam a dose inicial de meia-dose. Entre o grupo maior de participantes que recebeu duas doses completas, a vacina foi apenas 62% eficaz.

Isso parecia incoerente. E os pesquisadores de Oxford não conseguiram explicar com certeza por que a vacina funcionou melhor quando os participantes receberam uma dose inicial de meia-dose. Na Lancet na terça-feira, os cientistas disseram que ainda não tinham certeza.

A situação só piorou. No dia seguinte ao anúncio dos resultados, Moncef Slaoui, chefe da Operação Warp Speed, disse aos repórteres que a promissora meia-dose não havia sido testada em pessoas com mais de 55 anos. Isso foi preocupante porque algumas vacinas não funcionam bem em idosos, que também são mais vulneráveis à covid-19. O que também levantou a questão de por que os próprios desenvolvedores de vacinas não revelaram essa ressalva importante.

Os resultados pouco claros minaram ainda mais a confiança dos reguladores americanos. Na ausência de uma explicação clara de por que a dose inicial de meia-dose funcionou muito melhor, os resultados provavelmente “não serão suficientes para uma aprovação”, disse Slaoui na semana passada.

A AstraZeneca está agora considerando um novo estudo global que envolverá vários milhares de participantes para coletar mais dados em relação ao processo envolvendo uma dose inicial de meia-dose. Apesar disso, a vacina provavelmente estará disponível em breve na Grã-Bretanha e em alguns outros países.

Não nos EUA. Na semana passada, os testes da AstraZeneca nos EUA estavam a meio caminho de sua meta de contar com 30 mil participantes.

Os executivos da AstraZeneca disseram na terça-feira que, com base no feedback do FDA, eles não esperavam receber autorização federal para sua vacina até que a empresa obtivesse os resultados de seu teste nos EUA. Isso poderia acontecer em janeiro.

Até lá, as autoridades de saúde pública dos EUA estão se preparando para começar a vacinar uma pequena porcentagem da população usando as vacinas da Pfizer e da Moderna, que em breve estarão disponíveis em quantidades limitadas. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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