Vacina contra câncer de pâncreas tem bons resultados em testes; entenda como funciona


Pesquisa publicada na Nature diz que cientistas da BioNTech fizeram imunizante personalizado, com tecnologia RNA, projetado para ensinar o sistema imunológico do paciente a atacar tumor

Por Benjamin Mueller
Atualização:

Cinco anos atrás, um pequeno grupo de cientistas de câncer reunidos no restaurante de um hospital religioso em Mainz, na Alemanha, elaborou um plano audacioso: testariam sua nova vacina contra uma das formas mais virulentas da doença, um câncer notório por contra-atacar mesmo em pacientes cujos tumores foram removidos.

A vacina talvez não conseguisse evitar essas recaídas, alguns dos cientistas imaginaram. Mas os pacientes estavam desesperados. E a velocidade com que a doença, o câncer pancreático, reaparecia poderia ser uma vantagem para os cientistas: para o bem ou para o mal, eles logo descobririam se a vacina ajudava.

Na quarta-feira, 10, os cientistas relataram resultados que foram contra todas as probabilidades. A vacina provocou resposta imune em metade dos pacientes tratados, e essas pessoas não apresentaram recidiva do câncer durante o estudo, uma descoberta que especialistas externos qualificaram como extremamente promissora.

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A vacina provocou resposta imune em metade dos pacientes tratados, e essas pessoas não apresentaram recidiva do câncer durante o estudo Foto: Anne Weston/Francis Crick/ Institute, via Science Source/NYT

O estudo, publicado na Nature, foi um marco no movimento de anos para fazer vacinas contra o câncer sob medida para os tumores de pacientes individuais.

Pesquisadores do Memorial Sloan Kettering Cancer Center em Nova York, liderados pelo Dr. Vinod Balachandran, extraíram tumores de pacientes e enviaram amostras deles para a Alemanha. Lá, cientistas da BioNTech, empresa que produziu com a Pfizer uma vacina contra a covid-19 de grande sucesso, analisaram a composição genética de certas proteínas na superfície das células cancerígenas.

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Usando esses dados genéticos, os cientistas da BioNTech produziram vacinas personalizadas, projetadas para ensinar o sistema imunológico de cada paciente a atacar os tumores. Assim como as vacinas contra a covid-19 da BioNTech, as vacinas contra o câncer usavam a técnica do RNA mensageiro. Nesse caso, as vacinas instruíram as células dos pacientes a produzir algumas das mesmas proteínas encontradas em seus tumores extirpados, potencialmente provocando uma resposta imune que seria útil contra células cancerígenas de verdade.

“É o primeiro sucesso demonstrável - e vou chamá-lo de sucesso, apesar da natureza preliminar do estudo - de uma vacina de mRNA no câncer de pâncreas”, disse Anirban Maitra, especialista na doença do Anderson Cancer Center da Universidade do Texas, que não participou do estudo. “Por esse padrão, é um marco.”

O estudo foi pequeno: apenas 16 pacientes, todos brancos, receberam a vacina, parte de um regime de tratamento que também incluía quimioterapia e um medicamento para impedir que os tumores escapassem das respostas imunes das pessoas. E o estudo não pôde descartar totalmente que outros fatores além da vacina contribuíram para melhores resultados em alguns pacientes.

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“É relativamente cedo”, disse o Dr. Patrick Ott, do Dana-Farber Cancer Institute.

Além disso, “o custo é uma grande barreira para que esses tipos de vacinas sejam mais utilizados em um público mais amplo”, disse a Dra. Neeha Zaidi, especialista em câncer pancreático da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins. Isso poderia criar disparidades no acesso.

Assim como as imunizações contra a covid-19 da BioNTech, produzidas com a Pfizer, as vacinas contra o câncer, apresentadas no estudo, usaram a técnica do RNA mensageiro.  Foto: Luis Acosta/AFP
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Mas o simples fato de os cientistas conseguirem criar, verificar a qualidade e distribuir vacinas personalizadas contra o câncer tão rapidamente - os pacientes começaram a receber as vacinas por via intravenosa cerca de nove semanas após a remoção dos tumores - é um sinal promissor, disseram os especialistas.

Desde o início do estudo, em dezembro de 2019, a BioNTech encurtou o processo para menos de seis semanas, disse o Dr. Ugur Sahin, cofundador da empresa, que trabalhou no estudo. Com o tempo, a empresa pretende produzir vacinas contra o câncer em quatro semanas.

Desde que começou a testar as vacinas, há cerca de uma década, a BioNTech reduziu o custo de cerca de US$ 350.000 por dose para menos de US$ 100.000 ao automatizar partes da produção, disse Sahin.

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Uma vacina personalizada contra o câncer de mRNA desenvolvida pela Moderna e pela Merck reduziu o risco de recaída em pacientes que fizeram cirurgia para melanoma, um tipo de câncer de pele, anunciaram as empresas no mês passado. Mas o estudo mais recente aumentou as expectativas ao visar o câncer pancreático, que se acredita ter menos alterações genéticas, o que o deixaria mais propício para tratamentos com vacinas.

Em pacientes que não pareceram responder à vacina, o câncer tendeu a retornar cerca de 13 meses após a cirurgia. Os pacientes que responderam, no entanto, não mostraram sinais de recaída durante os cerca de 18 meses em que foram rastreados.

Curiosamente, um paciente mostrou evidências de uma resposta imune ativada por vacina no fígado depois que um crescimento incomum se desenvolveu no órgão. O tumor desapareceu posteriormente em exames de imagem.

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“É anedótico, mas é um bom dado confirmatório de que a vacina pode entrar nessas outras regiões tumorais”, disse a Dra. Nina Bhardwaj, que estuda vacinas contra o câncer na Escola de Medicina Icahn no Monte Sinai.

Os cientistas têm lutado por décadas para criar vacinas contra o câncer, em parte porque treinaram o sistema imunológico com proteínas encontradas em tumores e células normais.

A adaptação de vacinas para proteínas mutantes encontradas apenas em células cancerígenas, no entanto, ajudou a provocar respostas imunes mais fortes e abriu novos caminhos para o tratamento de qualquer paciente com câncer, disse Ira Mellman, vice-presidente de imunologia do câncer da Genentech, que desenvolveu a vacina contra o câncer pancreático com a BioNTech.

“Estabelecer a prova de conceito de que as vacinas contra o câncer podem realmente fazer algo depois de, sei lá, trinta anos de fracasso provavelmente não é uma coisa ruim”, disse Mellman. “Vamos começar por aí”.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Cinco anos atrás, um pequeno grupo de cientistas de câncer reunidos no restaurante de um hospital religioso em Mainz, na Alemanha, elaborou um plano audacioso: testariam sua nova vacina contra uma das formas mais virulentas da doença, um câncer notório por contra-atacar mesmo em pacientes cujos tumores foram removidos.

A vacina talvez não conseguisse evitar essas recaídas, alguns dos cientistas imaginaram. Mas os pacientes estavam desesperados. E a velocidade com que a doença, o câncer pancreático, reaparecia poderia ser uma vantagem para os cientistas: para o bem ou para o mal, eles logo descobririam se a vacina ajudava.

Na quarta-feira, 10, os cientistas relataram resultados que foram contra todas as probabilidades. A vacina provocou resposta imune em metade dos pacientes tratados, e essas pessoas não apresentaram recidiva do câncer durante o estudo, uma descoberta que especialistas externos qualificaram como extremamente promissora.

A vacina provocou resposta imune em metade dos pacientes tratados, e essas pessoas não apresentaram recidiva do câncer durante o estudo Foto: Anne Weston/Francis Crick/ Institute, via Science Source/NYT

O estudo, publicado na Nature, foi um marco no movimento de anos para fazer vacinas contra o câncer sob medida para os tumores de pacientes individuais.

Pesquisadores do Memorial Sloan Kettering Cancer Center em Nova York, liderados pelo Dr. Vinod Balachandran, extraíram tumores de pacientes e enviaram amostras deles para a Alemanha. Lá, cientistas da BioNTech, empresa que produziu com a Pfizer uma vacina contra a covid-19 de grande sucesso, analisaram a composição genética de certas proteínas na superfície das células cancerígenas.

Usando esses dados genéticos, os cientistas da BioNTech produziram vacinas personalizadas, projetadas para ensinar o sistema imunológico de cada paciente a atacar os tumores. Assim como as vacinas contra a covid-19 da BioNTech, as vacinas contra o câncer usavam a técnica do RNA mensageiro. Nesse caso, as vacinas instruíram as células dos pacientes a produzir algumas das mesmas proteínas encontradas em seus tumores extirpados, potencialmente provocando uma resposta imune que seria útil contra células cancerígenas de verdade.

“É o primeiro sucesso demonstrável - e vou chamá-lo de sucesso, apesar da natureza preliminar do estudo - de uma vacina de mRNA no câncer de pâncreas”, disse Anirban Maitra, especialista na doença do Anderson Cancer Center da Universidade do Texas, que não participou do estudo. “Por esse padrão, é um marco.”

O estudo foi pequeno: apenas 16 pacientes, todos brancos, receberam a vacina, parte de um regime de tratamento que também incluía quimioterapia e um medicamento para impedir que os tumores escapassem das respostas imunes das pessoas. E o estudo não pôde descartar totalmente que outros fatores além da vacina contribuíram para melhores resultados em alguns pacientes.

“É relativamente cedo”, disse o Dr. Patrick Ott, do Dana-Farber Cancer Institute.

Além disso, “o custo é uma grande barreira para que esses tipos de vacinas sejam mais utilizados em um público mais amplo”, disse a Dra. Neeha Zaidi, especialista em câncer pancreático da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins. Isso poderia criar disparidades no acesso.

Assim como as imunizações contra a covid-19 da BioNTech, produzidas com a Pfizer, as vacinas contra o câncer, apresentadas no estudo, usaram a técnica do RNA mensageiro.  Foto: Luis Acosta/AFP

Mas o simples fato de os cientistas conseguirem criar, verificar a qualidade e distribuir vacinas personalizadas contra o câncer tão rapidamente - os pacientes começaram a receber as vacinas por via intravenosa cerca de nove semanas após a remoção dos tumores - é um sinal promissor, disseram os especialistas.

Desde o início do estudo, em dezembro de 2019, a BioNTech encurtou o processo para menos de seis semanas, disse o Dr. Ugur Sahin, cofundador da empresa, que trabalhou no estudo. Com o tempo, a empresa pretende produzir vacinas contra o câncer em quatro semanas.

Desde que começou a testar as vacinas, há cerca de uma década, a BioNTech reduziu o custo de cerca de US$ 350.000 por dose para menos de US$ 100.000 ao automatizar partes da produção, disse Sahin.

Uma vacina personalizada contra o câncer de mRNA desenvolvida pela Moderna e pela Merck reduziu o risco de recaída em pacientes que fizeram cirurgia para melanoma, um tipo de câncer de pele, anunciaram as empresas no mês passado. Mas o estudo mais recente aumentou as expectativas ao visar o câncer pancreático, que se acredita ter menos alterações genéticas, o que o deixaria mais propício para tratamentos com vacinas.

Em pacientes que não pareceram responder à vacina, o câncer tendeu a retornar cerca de 13 meses após a cirurgia. Os pacientes que responderam, no entanto, não mostraram sinais de recaída durante os cerca de 18 meses em que foram rastreados.

Curiosamente, um paciente mostrou evidências de uma resposta imune ativada por vacina no fígado depois que um crescimento incomum se desenvolveu no órgão. O tumor desapareceu posteriormente em exames de imagem.

“É anedótico, mas é um bom dado confirmatório de que a vacina pode entrar nessas outras regiões tumorais”, disse a Dra. Nina Bhardwaj, que estuda vacinas contra o câncer na Escola de Medicina Icahn no Monte Sinai.

Os cientistas têm lutado por décadas para criar vacinas contra o câncer, em parte porque treinaram o sistema imunológico com proteínas encontradas em tumores e células normais.

A adaptação de vacinas para proteínas mutantes encontradas apenas em células cancerígenas, no entanto, ajudou a provocar respostas imunes mais fortes e abriu novos caminhos para o tratamento de qualquer paciente com câncer, disse Ira Mellman, vice-presidente de imunologia do câncer da Genentech, que desenvolveu a vacina contra o câncer pancreático com a BioNTech.

“Estabelecer a prova de conceito de que as vacinas contra o câncer podem realmente fazer algo depois de, sei lá, trinta anos de fracasso provavelmente não é uma coisa ruim”, disse Mellman. “Vamos começar por aí”.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Cinco anos atrás, um pequeno grupo de cientistas de câncer reunidos no restaurante de um hospital religioso em Mainz, na Alemanha, elaborou um plano audacioso: testariam sua nova vacina contra uma das formas mais virulentas da doença, um câncer notório por contra-atacar mesmo em pacientes cujos tumores foram removidos.

A vacina talvez não conseguisse evitar essas recaídas, alguns dos cientistas imaginaram. Mas os pacientes estavam desesperados. E a velocidade com que a doença, o câncer pancreático, reaparecia poderia ser uma vantagem para os cientistas: para o bem ou para o mal, eles logo descobririam se a vacina ajudava.

Na quarta-feira, 10, os cientistas relataram resultados que foram contra todas as probabilidades. A vacina provocou resposta imune em metade dos pacientes tratados, e essas pessoas não apresentaram recidiva do câncer durante o estudo, uma descoberta que especialistas externos qualificaram como extremamente promissora.

A vacina provocou resposta imune em metade dos pacientes tratados, e essas pessoas não apresentaram recidiva do câncer durante o estudo Foto: Anne Weston/Francis Crick/ Institute, via Science Source/NYT

O estudo, publicado na Nature, foi um marco no movimento de anos para fazer vacinas contra o câncer sob medida para os tumores de pacientes individuais.

Pesquisadores do Memorial Sloan Kettering Cancer Center em Nova York, liderados pelo Dr. Vinod Balachandran, extraíram tumores de pacientes e enviaram amostras deles para a Alemanha. Lá, cientistas da BioNTech, empresa que produziu com a Pfizer uma vacina contra a covid-19 de grande sucesso, analisaram a composição genética de certas proteínas na superfície das células cancerígenas.

Usando esses dados genéticos, os cientistas da BioNTech produziram vacinas personalizadas, projetadas para ensinar o sistema imunológico de cada paciente a atacar os tumores. Assim como as vacinas contra a covid-19 da BioNTech, as vacinas contra o câncer usavam a técnica do RNA mensageiro. Nesse caso, as vacinas instruíram as células dos pacientes a produzir algumas das mesmas proteínas encontradas em seus tumores extirpados, potencialmente provocando uma resposta imune que seria útil contra células cancerígenas de verdade.

“É o primeiro sucesso demonstrável - e vou chamá-lo de sucesso, apesar da natureza preliminar do estudo - de uma vacina de mRNA no câncer de pâncreas”, disse Anirban Maitra, especialista na doença do Anderson Cancer Center da Universidade do Texas, que não participou do estudo. “Por esse padrão, é um marco.”

O estudo foi pequeno: apenas 16 pacientes, todos brancos, receberam a vacina, parte de um regime de tratamento que também incluía quimioterapia e um medicamento para impedir que os tumores escapassem das respostas imunes das pessoas. E o estudo não pôde descartar totalmente que outros fatores além da vacina contribuíram para melhores resultados em alguns pacientes.

“É relativamente cedo”, disse o Dr. Patrick Ott, do Dana-Farber Cancer Institute.

Além disso, “o custo é uma grande barreira para que esses tipos de vacinas sejam mais utilizados em um público mais amplo”, disse a Dra. Neeha Zaidi, especialista em câncer pancreático da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins. Isso poderia criar disparidades no acesso.

Assim como as imunizações contra a covid-19 da BioNTech, produzidas com a Pfizer, as vacinas contra o câncer, apresentadas no estudo, usaram a técnica do RNA mensageiro.  Foto: Luis Acosta/AFP

Mas o simples fato de os cientistas conseguirem criar, verificar a qualidade e distribuir vacinas personalizadas contra o câncer tão rapidamente - os pacientes começaram a receber as vacinas por via intravenosa cerca de nove semanas após a remoção dos tumores - é um sinal promissor, disseram os especialistas.

Desde o início do estudo, em dezembro de 2019, a BioNTech encurtou o processo para menos de seis semanas, disse o Dr. Ugur Sahin, cofundador da empresa, que trabalhou no estudo. Com o tempo, a empresa pretende produzir vacinas contra o câncer em quatro semanas.

Desde que começou a testar as vacinas, há cerca de uma década, a BioNTech reduziu o custo de cerca de US$ 350.000 por dose para menos de US$ 100.000 ao automatizar partes da produção, disse Sahin.

Uma vacina personalizada contra o câncer de mRNA desenvolvida pela Moderna e pela Merck reduziu o risco de recaída em pacientes que fizeram cirurgia para melanoma, um tipo de câncer de pele, anunciaram as empresas no mês passado. Mas o estudo mais recente aumentou as expectativas ao visar o câncer pancreático, que se acredita ter menos alterações genéticas, o que o deixaria mais propício para tratamentos com vacinas.

Em pacientes que não pareceram responder à vacina, o câncer tendeu a retornar cerca de 13 meses após a cirurgia. Os pacientes que responderam, no entanto, não mostraram sinais de recaída durante os cerca de 18 meses em que foram rastreados.

Curiosamente, um paciente mostrou evidências de uma resposta imune ativada por vacina no fígado depois que um crescimento incomum se desenvolveu no órgão. O tumor desapareceu posteriormente em exames de imagem.

“É anedótico, mas é um bom dado confirmatório de que a vacina pode entrar nessas outras regiões tumorais”, disse a Dra. Nina Bhardwaj, que estuda vacinas contra o câncer na Escola de Medicina Icahn no Monte Sinai.

Os cientistas têm lutado por décadas para criar vacinas contra o câncer, em parte porque treinaram o sistema imunológico com proteínas encontradas em tumores e células normais.

A adaptação de vacinas para proteínas mutantes encontradas apenas em células cancerígenas, no entanto, ajudou a provocar respostas imunes mais fortes e abriu novos caminhos para o tratamento de qualquer paciente com câncer, disse Ira Mellman, vice-presidente de imunologia do câncer da Genentech, que desenvolveu a vacina contra o câncer pancreático com a BioNTech.

“Estabelecer a prova de conceito de que as vacinas contra o câncer podem realmente fazer algo depois de, sei lá, trinta anos de fracasso provavelmente não é uma coisa ruim”, disse Mellman. “Vamos começar por aí”.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Cinco anos atrás, um pequeno grupo de cientistas de câncer reunidos no restaurante de um hospital religioso em Mainz, na Alemanha, elaborou um plano audacioso: testariam sua nova vacina contra uma das formas mais virulentas da doença, um câncer notório por contra-atacar mesmo em pacientes cujos tumores foram removidos.

A vacina talvez não conseguisse evitar essas recaídas, alguns dos cientistas imaginaram. Mas os pacientes estavam desesperados. E a velocidade com que a doença, o câncer pancreático, reaparecia poderia ser uma vantagem para os cientistas: para o bem ou para o mal, eles logo descobririam se a vacina ajudava.

Na quarta-feira, 10, os cientistas relataram resultados que foram contra todas as probabilidades. A vacina provocou resposta imune em metade dos pacientes tratados, e essas pessoas não apresentaram recidiva do câncer durante o estudo, uma descoberta que especialistas externos qualificaram como extremamente promissora.

A vacina provocou resposta imune em metade dos pacientes tratados, e essas pessoas não apresentaram recidiva do câncer durante o estudo Foto: Anne Weston/Francis Crick/ Institute, via Science Source/NYT

O estudo, publicado na Nature, foi um marco no movimento de anos para fazer vacinas contra o câncer sob medida para os tumores de pacientes individuais.

Pesquisadores do Memorial Sloan Kettering Cancer Center em Nova York, liderados pelo Dr. Vinod Balachandran, extraíram tumores de pacientes e enviaram amostras deles para a Alemanha. Lá, cientistas da BioNTech, empresa que produziu com a Pfizer uma vacina contra a covid-19 de grande sucesso, analisaram a composição genética de certas proteínas na superfície das células cancerígenas.

Usando esses dados genéticos, os cientistas da BioNTech produziram vacinas personalizadas, projetadas para ensinar o sistema imunológico de cada paciente a atacar os tumores. Assim como as vacinas contra a covid-19 da BioNTech, as vacinas contra o câncer usavam a técnica do RNA mensageiro. Nesse caso, as vacinas instruíram as células dos pacientes a produzir algumas das mesmas proteínas encontradas em seus tumores extirpados, potencialmente provocando uma resposta imune que seria útil contra células cancerígenas de verdade.

“É o primeiro sucesso demonstrável - e vou chamá-lo de sucesso, apesar da natureza preliminar do estudo - de uma vacina de mRNA no câncer de pâncreas”, disse Anirban Maitra, especialista na doença do Anderson Cancer Center da Universidade do Texas, que não participou do estudo. “Por esse padrão, é um marco.”

O estudo foi pequeno: apenas 16 pacientes, todos brancos, receberam a vacina, parte de um regime de tratamento que também incluía quimioterapia e um medicamento para impedir que os tumores escapassem das respostas imunes das pessoas. E o estudo não pôde descartar totalmente que outros fatores além da vacina contribuíram para melhores resultados em alguns pacientes.

“É relativamente cedo”, disse o Dr. Patrick Ott, do Dana-Farber Cancer Institute.

Além disso, “o custo é uma grande barreira para que esses tipos de vacinas sejam mais utilizados em um público mais amplo”, disse a Dra. Neeha Zaidi, especialista em câncer pancreático da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins. Isso poderia criar disparidades no acesso.

Assim como as imunizações contra a covid-19 da BioNTech, produzidas com a Pfizer, as vacinas contra o câncer, apresentadas no estudo, usaram a técnica do RNA mensageiro.  Foto: Luis Acosta/AFP

Mas o simples fato de os cientistas conseguirem criar, verificar a qualidade e distribuir vacinas personalizadas contra o câncer tão rapidamente - os pacientes começaram a receber as vacinas por via intravenosa cerca de nove semanas após a remoção dos tumores - é um sinal promissor, disseram os especialistas.

Desde o início do estudo, em dezembro de 2019, a BioNTech encurtou o processo para menos de seis semanas, disse o Dr. Ugur Sahin, cofundador da empresa, que trabalhou no estudo. Com o tempo, a empresa pretende produzir vacinas contra o câncer em quatro semanas.

Desde que começou a testar as vacinas, há cerca de uma década, a BioNTech reduziu o custo de cerca de US$ 350.000 por dose para menos de US$ 100.000 ao automatizar partes da produção, disse Sahin.

Uma vacina personalizada contra o câncer de mRNA desenvolvida pela Moderna e pela Merck reduziu o risco de recaída em pacientes que fizeram cirurgia para melanoma, um tipo de câncer de pele, anunciaram as empresas no mês passado. Mas o estudo mais recente aumentou as expectativas ao visar o câncer pancreático, que se acredita ter menos alterações genéticas, o que o deixaria mais propício para tratamentos com vacinas.

Em pacientes que não pareceram responder à vacina, o câncer tendeu a retornar cerca de 13 meses após a cirurgia. Os pacientes que responderam, no entanto, não mostraram sinais de recaída durante os cerca de 18 meses em que foram rastreados.

Curiosamente, um paciente mostrou evidências de uma resposta imune ativada por vacina no fígado depois que um crescimento incomum se desenvolveu no órgão. O tumor desapareceu posteriormente em exames de imagem.

“É anedótico, mas é um bom dado confirmatório de que a vacina pode entrar nessas outras regiões tumorais”, disse a Dra. Nina Bhardwaj, que estuda vacinas contra o câncer na Escola de Medicina Icahn no Monte Sinai.

Os cientistas têm lutado por décadas para criar vacinas contra o câncer, em parte porque treinaram o sistema imunológico com proteínas encontradas em tumores e células normais.

A adaptação de vacinas para proteínas mutantes encontradas apenas em células cancerígenas, no entanto, ajudou a provocar respostas imunes mais fortes e abriu novos caminhos para o tratamento de qualquer paciente com câncer, disse Ira Mellman, vice-presidente de imunologia do câncer da Genentech, que desenvolveu a vacina contra o câncer pancreático com a BioNTech.

“Estabelecer a prova de conceito de que as vacinas contra o câncer podem realmente fazer algo depois de, sei lá, trinta anos de fracasso provavelmente não é uma coisa ruim”, disse Mellman. “Vamos começar por aí”.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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