A primeira terapia de células CAR-T (acrônimo em inglês para receptor de antígeno quimérico) foi aprovada para uso no Brasil em 2022. A técnica inovadora e revolucionária se baseia em reprogramar e multiplicar em laboratório células de defesa de um paciente, de forma que, quando forem reintroduzidas no corpo, sejam capazes de reconhecer e combater o câncer. “Estamos falando das chamadas terapias avançadas, que envolvem, no caso da CAR-T, terapia celular e gênica, porque os linfócitos são modificados geneticamente”, explica Vanderson Rocha, professor de hematologia e terapia celular da Universidade de São Paulo (USP). Trata-se de um tratamento individualizado, personalizado. A partir de uma coleta de sangue, os linfócitos T do indivíduo são isolados e o material é enviado para um laboratório fora do Brasil, em geral nos Estados Unidos. Lá, por meio de um vetor viral, as células são alteradas, ganhando receptores capazes de reconhecer e atacar o câncer quando forem infundidas de volta.
As CAR-T vêm sendo utilizadas por enquanto em tumores hematológicos – linfoma de célula B, leucemia linfoblástica aguda e mieloma múltiplo –, em casos em que o paciente tenha passado por duas linhas de tratamento, como quimioterapia e transplante de medula, e a doença tenha retornado. “Os resultados têm apontado para remissão completa do câncer”, conta Vanderson Rocha, que é também coordenador nacional de terapia celular da Rede D’Or.
Altos custos
No Brasil há três terapias CAR-T aprovadas, duas delas à espera de definição de preço para entrar em uso. A complexidade envolvida na técnica, aliás, joga para o alto os custos do tratamento, dificultando a liberação de cobertura pelos convênios de saúde. Numa aposta para driblar esse problema, uma parceria entre o Instituto Butantan, a USP e o Hemocentro de Ribeirão Preto (SP) possibilitou a inauguração recente de dois centros de produção de CAR-T 100% nacional. “Com as unidades de São Paulo e Ribeirão Preto, a ideia é criar uma plataforma que garanta autonomia e capacidade de atender 300 pacientes por ano”, diz Gustavo Mendes, diretor de Regulatório, Controle de Qualidade e Estudos Clínicos do Instituto Butantan. “Temos uma perspectiva de saúde pública, de ampliar o acesso a terapias avançadas, a tratamentos cada vez mais individualizados.”
Em outra frente, igualmente voltada à fabricação da terapia no País, o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, trabalha com CAR-T há cerca de quatro anos. “Precisamos seguir as mesmas regras da indústria farmacêutica”, diz José Mauro Kutner, gerente médico da hemoterapia e terapias avançadas da instituição. “Tudo é feito num ambiente controlado, a chamada sala limpa. Fazemos todo o processo aqui: coleta, engenharia genética, até o acompanhamento pós-tratamento, que é complexo. Só o vetor é importado da Alemanha”, relata. “A primeira paciente, com linfoma, recebeu o tratamento há dois meses e está indo muito bem.” (Leia o depoimento completo de Ana Cleire acessando o QR Code.)
O A.C.Camargo Cancer Center, na capital paulista, por sua vez, está à frente de um estudo específico para tratamento de mieloma múltiplo. “Até o momento, observamos que o uso dessa terapia quando a doença retorna ou é resistente aos tratamentos anteriores não induz a taxas de respostas muito duradouras”, diz Jayr Schmidt Filho, chefe do Centro de Referência em Neoplasias Hematológicas do hospital. O objetivo da pesquisa é testar as CAR-T numa abordagem mais precoce.
Ana Claire
Ana Cleire Marques Diógenes tem 61 anos e mora em Fortaleza. Diagnosticada em 2017 com linfoma, foi submetida a quimio, imunoterapia e transplante autólogo de medula, mas, depois da remissão, o câncer voltou. Em fevereiro deste ano, foi a primeira paciente a receber o tratamento com as células CAR-T produzidas no Hospital Israelita Albert Einstein. Depois de 90 dias, exame de escaneamento não apontou mais o câncer.