Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Aston, na Inglaterra, ressalta que crianças pequenas são mais propensas a apresentar um comportamento alimentar semelhante ao de seus pais. Por exemplo, quando os adultos eram considerados “comedores emocionais”, a chance de seus filhos também serem influenciados pelas emoções na hora de se alimentar era maior. Segundo os autores, os achados fornecem evidências que reforçam a necessidade de intervenções adaptadas aos perfis dos cuidadores e dos pequenos.
O poder do exemplo
Em um trabalho anterior, foi possível identificar quatro perfis alimentares entre crianças de 3 a 6 anos com base no relato dos pais: alimentação típica, ávida, emocional e evitativa. Já nesta investigação, os próprios adultos foram convidados a descrever o seu comportamento alimentar. No total, 785 indivíduos completaram os questionários. Ao cruzar os dados, a equipe liderada pela professora Jacqueline Blissett, da Escola de Psicologia e do Instituto Aston de Saúde e Neurodesenvolvimento (IHN), notou uma ligação direta entre o perfil dos cuidadores e o das crianças. Isso se mostrou mais evidente sobretudo nos grupos do “comer ávido” e do “comer evitativo” – ou seja, pais com essas características tendiam a ter filhos parecidos.
Os indivíduos foram considerados comedores ávidos ao se alimentar em resposta às emoções e à presença de comida no ambiente, sem levar em conta os sinais de fome e saciedade. Já o perfil evitativo foi ligado a um nível alto de seletividade alimentar, lentidão ao comer e níveis significativamente baixos de prazer à mesa. Os comedores emocionais, por sua vez, comiam de acordo com seus sentimentos, mas sem tanto prazer quanto os ávidos. Por fim, os típicos eram aqueles que não exibiam nenhum comportamento extremo.
Para ter ideia, os pesquisadores ingleses perceberam que pais com perfil alimentar ávido ou emocional eram mais propensos a usar a comida para acalmar ou confortar a criança – que, por sua vez, tinha uma maior probabilidade de desenvolver esse tipo de comportamento. “Estratégias para reduzir o uso de alimentos para regulação emocional podem ser eficazes para melhorar o relacionamento da criança com a comida e reduzir os riscos de compulsão alimentar emocional”, escrevem os autores.
É importante ressaltar, no entanto, que apenas um cuidador respondeu por ele e pela criança. Ou seja, os achados poderiam ser diferentes caso outros cuidadores também completassem o questionário.
Para o pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg, do Departamento de Nutrição da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), a quantidade de pais avaliados é um dos maiores trunfos do estudo. Segundo ele, o maior trabalho desse tipo na América do Sul foi com cerca de 300 pessoas. “Dá para provar objetivamente o que a gente já percebe pela observação clínica”, conta, referindo-se aos atendimentos do dia a dia.
Na avaliação da pediatra Maria Lucia Saraiva Lobo, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, pesquisas como essa podem impulsionar mudanças no comportamento dos pais, melhorando, assim, a alimentação dos filhos. “No consultório, é muito comum receber perguntas sobre qual prato ou utensílio usar, mas muito pouco sobre como agir e se comportar no momento de alimentação”, aponta.
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Como fazer meu filho comer melhor?
O primeiro passo, como a pesquisa corrobora, é rever a forma como os pais comem. E o recado não vale apenas para perfis similares aos observados no estudo. Fisberg aponta, por exemplo, que pais que têm uma preocupação muito exacerbada com o corpo e vivem de dieta podem ter filhos que acabam comendo demais. “Essa restrição dentro de casa faz com que, fora dela, as crianças queiram comer muito”, explica o médico.
Outro ponto levantado por ele é observar se o pequeno não está vivendo em um ambiente considerado obesogênico, caracterizado pela facilidade de acesso a alimentos ultraprocessados e calóricos, geralmente porque os pais se alimentam dessa maneira. Nesses casos, dificilmente meninos e meninas vão dar prioridades a frutas, verduras e legumes.
O momento das refeições também é importante. Maria Lucia ensina que os pais devem comer à mesa, junto aos filhos. “Crianças sempre buscam atrair a atenção dos cuidadores. Caso o ‘não comer’ sempre traga mais atenção, de ter alguém ali perto, dando na boca, ao invés de comer junto, igual a todos, ela vai querer repetir sempre o que dá a ela mais atenção”, pondera a médica.
A pediatra faz um alerta a quem “usa telas para bater uma suposta meta de alimentação”. Essa combinação prejudica não só as habilidades sociais como também atrapalha a percepção dos sinais de fome e saciedade, algo que pode ter reflexos ao longo da vida.