Grave, silenciosa e altamente prevalente, a hipertensão aumenta o risco não só de infarto e de acidente vascular cerebral (AVC), mas também dos dois principais tipos de demência: a vascular e a causada pela doença de Alzheimer.
Essa mensagem foi reforçada em uma meta-análise que avaliou 14 estudos de vários países (incluindo o Brasil) e acompanhou a progressão de mais de 31 mil pacientes. Publicada no periódico científico Neurology, da Academia Americana de Neurologia na quarta-feira, 14, a pesquisa mostrou que pessoas com pressão alta não tratada tinham um risco 36% maior de desenvolver Alzheimer em comparação com quem não convivia com o quadro, e 42% maior em relação a indivíduos que estavam tomando medicamentos para hipertensão.
“Nossa meta-análise, que incluiu pessoas de todo o mundo, descobriu que tomar medicamentos para pressão arterial estava associado à diminuição do risco de doença de Alzheimer ao longo da vida. Esses resultados sugerem que tratar a pressão alta conforme a pessoa envelhece continua a ser um fator crucial na redução do risco de Alzheimer”, disse Matthew Lennon, autor principal do estudo, da University of New South Wales, na Austrália, em comunicado à imprensa.
A hipertensão é um velho conhecido dos médicos entre os fatores de risco para demência — síndrome resultante de uma variedade de doenças e lesões que afetam o cérebro, que geralmente levam à deterioração da função cognitiva (capacidade de processar o pensamento). Segundo um relatório da revista The Lancet com os principais estudiosos da área, eliminar esse fator na meia-idade (18 aos 65 anos) poderia evitar cerca de 2% dos casos de demência no mundo.
Contudo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 50% das pessoas com hipertensão não sabem e não tratam a doença. Mesmo entre os diagnosticados, apenas um a cada cinco cuida realmente do problema.
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O que é a hipertensão?
Para que o sangue possa circular e levar oxigênio e nutrientes para todas as células do corpo, é preciso haver uma pressão. Neste caso, falamos da pressão arterial, aquela que o sangue exerce na parede das artérias.
De acordo com a American Heart Association (AHA), a pressão arterial é o resultado de duas forças. A primeira acontece quando o sangue é bombeado para fora do coração e para dentro das artérias, chamada de pressão sistólica. A segunda força ocorre quando o coração descansa entre os batimentos cardíacos, é a pressão diastólica. A pressão “ótima” ocorre quando a relação entre essas duas forças é de 120/80 (o famoso 12/8).
Segundo o cardiologista Carlos Alberto Machado, assessor científico da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), para o diagnóstico de hipertensão é preciso que o paciente tenha feito duas ou três medições, em diferentes situações, com intervalo de tempo, e os resultados sejam superiores a 140/90.
Embora a hipertensão se torne mais prevalente com o avançar da idade, a recomendação é fazer duas medições ao ano desde os três anos de idade. Para fazer a aferição mais adequada, o médico lista os seguintes cuidados:
- Usar um aparelho automático, calibrado e com selo do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), de preferência o de uso no braço, não o de punho;
- Estar deitado ou sentado, com as costas apoiadas na cadeira e os pés no chão, sem cruzar as pernas;
- Não pode estar de bexiga cheia ou com alguma dor;
- Não deve ter feito uma grande refeição antes da medição;
- Não pode falar durante a medida.
No cérebro
Embora muito grave, a hipertensão é silenciosa, ou seja, não provoca qualquer sintoma – principalmente no início do quadro –, mas vai sobrecarregando os órgãos que não foram feitos para aguentar uma pressão tão alta.
No cérebro, ela é fator de risco para os dois principais tipos de demência: a vascular, em que o declínio cognitivo ocorre após uma redução do fluxo sanguíneo, e a causada pelo Alzheimer, como reforçou a revisão recém-publicada.
- Demência vascular
Pode ocorrer após um AVC, por exemplo, quando os vasos que levam sangue ao cérebro entopem ou se rompem, ou em decorrência da chamada doença de pequenos vasos ou de pequenas artérias (microangiopatia), ambos relacionados à pressão alta.
“(A hipertensão) leva a microlesões cerebrais que, de forma cumulativa, podem causar uma dificuldade cognitiva no paciente”, explica o neurologista Raphael Spera, da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).
“Essa microangiopatia leva à perda de mielina (membrana que recobre os neurônios), e isso torna a comunicação entre neurônios mais lenta e a alterações cognitivas progressivas”, detalha o neurologista Paulo Bertolucci, professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
- Alzheimer
No caso do Alzheimer, a relação com a hipertensão ainda não é 100% compreendida. Um estudo apontou que, entre indivíduos com acúmulo de proteínas no cérebro associadas à doença (beta-amiloides, por exemplo), a manifestação da demência ocorreu entre aqueles que apresentavam também microangiopatia, esta relacionada à pressão alta.
Além disso, outra hipótese avalia que isso pode ocorrer porque a hipertensão prejudica a eliminação de produtos tóxicos para os neurônios e outras células. “A irrigação cerebral não só leva os nutrientes necessários, mas também faz a retirada dos produtos tóxicos do sangue venoso. Quando você tem essa irrigação ‘atrapalhada’ por doenças como a hipertensão, você tem o potencial de acelerar esse processo”, diz Spera.
Bertolucci acrescenta que a hipertensão também altera o fluxo de cálcio para dentro dos neurônios. “O neurônio recebe muito cálcio, não consegue lidar com isso e morre.”
Repercussões clássicas
De acordo com Machado, a hipertensão sem tratamento está por trás de 40% dos casos de infarto e insuficiência cardíaca e de 80% das ocorrências de AVC.
Isso ocorre porque, quando a pressão arterial fica alta por muito tempo, gera dilatações em determinados pontos das artérias (aneurismas). Se um aneurisma rompe, há risco de hemorragia.
Também, para consertar as rupturas, o corpo envia células para grudar nos vasos e, com o tempo, substâncias como colesterol e gorduras também podem se acumular, explica a AHA. O resultado é a formação de placas (aterosclerose) que podem bloquear o fluxo de sangue, levando a infarto ou AVC.
Somado a isso, ressalta Machado, o coração precisa fazer mais força quando a pessoa tem hipertensão. Para isso, ele aumenta a espessura de sua musculatura (hipertrofia miocárdica), o que no longo prazo pode levar à insuficiência cardíaca.
Mas não para por aí. Machado destaca que o rim, que tem como função filtrar o sangue, faz isso sob pressão de 12/8. “Se você pegar um cano de água, colocar uma peneirinha para filtrar as impurezas da água, e de repente aumentar a pressão no cano, pode estourar essa peneirinha. No rim, acontece a mesma coisa.” O quadro é chamado de insuficiência renal. Não à toa, 37% das pessoas que estão em diálise (processo artificial que imita o trabalho dos rins) são hipertensos não tratados, segundo ele.
Cuidados
Por se tratar de uma doença crônica, o tratamento para hipertensão é para a vida toda. Ela pode ser controlada com uso de medicações, mas a mudança de estilo de vida, com alimentação equilibrada e mais atividade física, é fundamental. Nesse sentido, as principais medidas indicadas por médicos e autoridades de saúde para o tratamento da doença são:
- Reduzir a ingestão de sal
- Evitar alimentos ultraprocessados
- Fazer atividade física regularmente
- Reduzir o consumo de álcool
- Controlar o peso
- Para de fumar
- Sono regular
Esses mesmos fatores podem ajudar a prevenir a doença, destacam os especialistas. “A hipertensão é uma doença multifatorial. Existe uma interação entre fatores genéticos e ambientais. A pessoa herda da família o risco de ter hipertensão e, a depender do estilo de vida, essa pressão vai aumentar ou não”, ensina Machado.