RIO DE JANEIRO - Em mais uma peça do quebra-cabeça que vem sendo montado por cientistas na tentativa de solucionar o vínculo entre zika e microcefalia, pesquisadores do Rio mostram que a infecção reduz o desenvolvimento do cérebro fetal em 40%, quando comparado com outro que não teve contato com o vírus. O estudo, que tem financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), foi publicado pela revista Science.
O trabalho, liderado pelo pesquisador Stevens Rehen, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, usou minicérebros. São estruturas de menos de dois milímetros, obtidas a partir de células-tronco, que reproduzem o cérebro de um feto de dois meses. Têm as camadas, os ventrículos e características anatômicas observadas num cérebro. A diferença é que não têm vascularização, então não conseguem crescer além dessa fase.
Em pesquisa anterior, a equipe de Rehen já havia demonstrado a destruição de células neuronais pelo zika. Desta vez, o minicérebro foi infectado pelo zika no 35º dia de desenvolvimento (equivalente ao feto no segundo mês de gestação) e teve a taxa de crescimento acompanhada pelo período de 11 dias.
“O que a gente observa é a redução de crescimento em torno de 40%. De certa forma, o resultado é equivalente ao que é observado in vivo. A partir desse resultado, nós temos um modelo para testar possibilidades de tratamento”, afirmou Rehen.
É nessa fase do desenvolvimento que começa a ser formado o córtex, área nobre do cérebro. “São camadas de cérebro que se formam durante o desenvolvimento . Quando se impede isso de acontecer, se formam alterações que temos visto nos bebês cujas mães tiveram zika, como microcefalia, lisencefalia (ausência de circunvoluções no cérebro).” Os pesquisadores também contaminaram o minicérebro com o vírus da dengue. “Ele infecta até mais do que o da zika, mas não causa estragos”, explicou o especialista.
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Reportagem acompanha o trabalho de pesquisadores em Sergipe, onde permanece um mistério: O Estado tem um grande número de casos de microcefalia, mas nenhum caso confirmado de infecção por zika vírus. Cientistas querem entender porquê
Na próxima etapa do trabalho, os pesquisadores querem entender como o zika entra nas células neuronais. Estudo do pesquisador Arnold Kriegstein, da Universidade da Califórnia, mostrou que células do cérebro em desenvolvimento têm o receptor AXL.
“A pesquisa sugere que seja através desse receptor que o zika entra nas células. Já havia evidências de que vários vírus, como o da Febre Oeste do Nilo e o da dengue, usam esse receptor. Écomo uma porta que é utilizada por outros vírus para acessar a célula. Ele mostrou que tem a porta. Ninguém colocou o vírus para abrir. Agora vamos testar o bloqueio desse receptor para ver se de fato o vírus não entra”, afirmou.
Rehen já encomendou o anticorpo para AXL e o inibidor desse receptor – os insumos são importados. Agora depende dos trâmites burocráticos para a pesquisa andar. São pelo menos 60 dias até o material chegar.