SÃO PAULO - Um grupo de pesquisadores brasileiros e norte-americanos realizou, pela primeira vez, uma avaliação dos impactos do acordo assinado em 2009 entre o Ministério Público Federal, produtores de gado da Amazônia e alguns dos principais frigoríficos do Brasil para evitar a comercialização de carne proveniente de áreas desmatadas no Pará.
O estudo, publicado nesta terça-feira, 12, na revista científica Conservation Letters, indica que esse tipo de iniciativa influencia positivamente - e de forma radical - o comportamento de produtores e frigoríficos. Mas os autores também identificaram desafios que precisam ser superados para que tais acordos, com foco no mercado, realmente cumpram seu objetivo: dissociar totalmente a produção de carne do desmatamento.
O estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade de Wisconsin-Madison, dos Estados Unidos, da Organização não-governamental (ONG) norte-americana Federação Nacional da Vida Selvagem e da ONG brasileira Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Segundo os autores, o acordo levou os produtores, em massa, a registrarem suas propriedades no Cadastro Ambiental Rural. Além disso, ele fez também com que os frigoríficos bloqueassem ativamente a compra de carne de propriedades desmatadas recentemente. Com isso, houve uma queda nas taxas de desmatamento entre os fornecedores.
"Nós mostramos que as pressões públicas e privadas sobre a cadeia de fornecimento pode mudar o jogo e ajudar a finalmente quebrar a ligação entre desmatamento e produção de carne", disse a autora principal do estudo, Holly Gibbs, da Universidade Wisconsin-Madison. "Essas intervenções com foco no mercado estão levando a mudanças rápidas na indústria da carne, mesmo em áreas muito remotas", afirmou ela.
Os pastos para pecuária ocupam 75% das áreas desmatadas na Amazônia e a expansão tem sido o principal motor da devastação da floresta. O Pará, onde foi realizado o estudo, tem o maior rebanho da Amazônia. Em 2009, sob pressão do Greenpeace e do Ministério Público Federal, produtores e frigoríficos assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), proibindo que produtores comercializassem a carne proveniente de áreas desmatadas e que os frigoríficos comprassem carne de quem não respeita uma série de normas ambientais e trabalhistas. As três maiores empresas da área - JBS, Marfrig e Minerva - também se comprometeram a instalar sistemas de monitoramento para rastrear o desmatamento nas propriedades de seus fornecedores.
A equipe de pesquisadores focou o estudo na JBS, líder mundial do setor, e mapeou a localização e a história de uso da terra de cada propriedade produtora de gado que vendeu para a empresa, antes e depois do acordo. O grupo também realizou entrevistas com produtores, a fim de ter uma perspectiva de campo sobre as mudanças que eles promoveram para cumprir os acordos. Foram usadas rigorosas análises estatísticas e espaciais para rastrear as mudanças no comportamento de produtores e frigoríficos.
As principais conclusões foram que os acordos incentivaram rapidamente os produtores a registrarem suas terras, como havia sido estabelecido pela legislação estadual em 2006. Antes do acordo, apenas 2% dos fornecedores da JBS haviam registrado suas propriedades. No entanto, 60% delas se registraram até cinco meses depois do acordo. Em 2013, praticamente todos os fornecedores já estavam registrados.
Segundo os autores, os fornecedores da JBS registraram suas propriedades dois a três anos antes das propriedades vizinhas que não vendem para a empresa. Nas entrevistas, os pesquisadores constataram que 85% dos produtores fizeram o registro com o propósito de continuar as vendas para a empresa.
Os pesquisadores também constataram que os frigoríficos bloquearam as fazendas com desmatamento, em contraste com as práticas comuns antes do acordo. Antes de 2009, 4 de cada 10 dos fornecedores da JBS haviam desmatado recentemente. Em 2013, esse número caiu para menos de 4 a cada 100.
Em resposta aos estímulos do mercado, os fornecedores que venderam gado à JBS depois do acordo reduziram dramaticamente o desmatamento. Eles devastaram 50% menos que as propriedades que foram bloqueadas pela JBS após o acordo.
Apesar dos progressos, muitos ajustes ainda precisam ser feitos de acordo com outro dos autores do estudo, Paulo Barreto, pesquisador sênior do Imazon. Segundo ele, um dos problemas é que os frigoríficos, por enquanto, monitoram apenas as fazendas de engorda, das quais eles compram diretamente o gado. "Nós identificamos que mecanismos como o estabelecido pela TAC da pecuária trazem resultados positivos, mas há várias lacunas que impedem que ele de fato seja capaz de zerar o desmatamento ligado à pecuária", afirmou Barreto.
De acordo com ele, um dos pontos frágeis, é que o acordo só inclui a parte final da cadeia, mas não monitora a proveniência inicial do gado. "O controle hoje é feito nas fazendas que vendem o boi gordo diretamente aos frigoríficos. Mas muitas dessas fazendas compram bezerros e novilhos de fornecedores que hoje não são monitorados. É preciso ampliar esse controle e o governo federal tem um papel chave nisso", disse.
Para contornar o monitoramento, alguns produtores que desmatam usam outro tipo de manobra, segundo Barreto: vendem o gado para frigoríficos que não fazem a checagem exigida pela TAC. Há também produtores que fazem a "lavagem" do gado de áreas desmatadas, passando o rebanho para fazendas que estão sob monitoramento. "Esse tipo de coisa existe, entre outros motivos, porque o Cadastro Ambiental Rural tem fragilidades que permitem fraude. Quando o desmatamento é verificado, os proprietários procuram excluí-los do polígono legalizado das suas terras", explicou.
Segundo Barreto, para que os acordos atinjam seu objetivo de "desmatamento zero" é preciso aprimorá-los em três pontos. "Em primeiro lugar, eles deveriam envolver todas as fazendas da cadeia de carne, incluindo as que são especializadas na reprodução. Além disso, é preciso que toda a indústria dos frigoríficos monitore seus fornecedores. Finalmente, o governo deveria aumentar a qualidade e a transparência da informação pública utilizada pelas empresas para seguir os acordos", declarou.
Segundo Marcio Nappo, diretor de Sustentabilidade da JBS, a "lavagem" existe, mas não é predominante. A manobra mais comum é mesmo a venda para frigoríficos não monitorados. "Não adianta só a JBS e mais dois ou três grandes grupos monitorarem toda a sua cadeia se mais de 50% da produção de gado no Brasil não tem cadastro nenhum. Na prática, não é um procedimento tão simples um proprietário com fazenda irregular pedir para passar o gado para o vizinho que tem condições regulares. Essa triangulação existe, mas não em larga escala, porque é muito mais fácil vender para um frigorífico concorrente que não segue as regras. E hoje, o vazamento do sistema é maior que a regra. Essa é a agenda que estamos trabalhando com o Greenpeace e com o Ministério Público", declarou Nappo.