Apesar de já bastante conhecida e denunciada, a poluição de plástico nos oceanos ainda carece de mensurações mais locais para identificar a origem e o tamanho do problema em cada cidade ou comunidade. Um trabalho inédito realizado ao longo do último ano em Santos, litoral paulista, conseguiu mapear as fontes do lixo observado nas praias e também sua composição e quantidade.
O número surpreende: por dia, cerca de 60 toneladas de resíduos - 12,5% do que é gerado diariamente na cidade - vão parar no mar. A maior parte disso, 85%, é de material plástico. É como se o lixo produzido por uma cidade de 65 mil habitantes fosse todo para o mar.
O resultado preliminar do trabalho, passado com exclusividade para o Estado, será divulgado nesta sexta-feira, 22, data que marca o Dia Mundial da Água. O levantamento aponta que há três fontes principais de contaminação: as ocupações irregulares em palafitas, o descarte irregular nas ruas que acaba sendo carreado por chuvas e correntezas para os canais de drenagem da cidade, além do próprio lixo jogado diretamente na orla e na faixa de areia.
Apesar de Santos ser uma cidade portuária, apenas cerca de 20% dos resíduos encontrados na praia são provenientes do porto ou da pesca. Cerca de 80% do lixo tem origem urbana, aponta o trabalho.
A análise sobre a composição do material também revela que o problema vai muito além dos canudinhos que vêm sendo banidos em várias partes do mundo. Eles também estão ali, engrossando uma lista de pelo menos 35 tipos de plástico que foram identificados. Nos mares do mundo todo, mais de 80 tipos de resíduos já foram encontrados.
"Em Santos, tudo vai parar no mar, de embalagens plásticas a utensílios domésticos. Encontramos brinquedos, vestuário, calçados, fraldas. O canudinho virou o grande vilão, como já ocorreu antes com a sacolinha plástica, mas certamente não é o único. Ao colocar a mão na massa, encontramos de tudo", afirma Carlos Silva Filho, diretor presidente da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), que coordenou o trabalho.
O estudo é resultado de uma cooperação entre Abrelpe, Associação Internacional de Resíduos Sólidos (ISWA) e Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura de Santos, com o apoio da Agência de Proteção Ambiental da Suécia.
Para fazer o diagnóstico, os pesquisadores analisaram a conformação da cidade e seu fluxo hidrodinâmico e fizeram monitoramentos em série na areia, no mangue, onde estão as ocupações irregulares, e nos canais que cortam a malha urbana e funcionam como sistema de drenagem.
De acordo com o secretário de Meio Ambiente de Santos, Marcos Libório, a cidade inteira conta com coleta de resíduos e todos os bairros também tem uma vez por semana coleta seletiva, mas ele aponta que o problema é que ainda ocorre descarte irregular nas ruas e que nas palafitas não tem como ser feito esse trabalho.
"Observamos que boa parte dos resíduos vem das moradias irregulares no mangue que ficam do outro lado da ilha de Santos. A gente até disponibiliza coletores na rua urbanizada mais próxima das palafitas, mas o cidadão precisa levar o lixo até ali, o que não tem acontecido", diz. Pelos cálculos da prefeitura, cerca de 25 mil pessoas moram nessa região.
"A gente sabia que era bastante lixo que chegava à praia porque temos de realizar varrições diárias, no começo e no fim do dia, para manter a praia limpa, mas não sabia que era tanto. O que a gente tem buscado agora é esse engajamento da comunidade", afirma o secretário.
Para ele, o problema são os descartes irregulares. "Santos tem rede de serviços disponível para o município todo para o descarte correto, mas população precisa aderir. Temos lei desde 2016 que obriga a separação de recicláveis. Isso já trouxe alguns resultados. Houve um aumento de 320% da coleta seletiva entre 2016 e 2018. Hoje chegou a 18% do total de resíduos, mas sabemos que ainda tem de melhorar."
Com base no estudo, a prefeitura iniciou um trabalho junto às comunidades no entorno do mangue de educação ambiental e estão sendo instaladas ecobarreiras flutuantes para eliminar o processo de acúmulo no mangue.
O objetivo da Abrelpe é levar essa metodologia para outras cidades da baixada santista, começando por Bertioga, onde está prevista a assinatura de uma nova cooperação com a Cetesb nesta sexta.
Estimativas nacionais
Estudos anteriores da Abrelpe estimam que em todo o Brasil, cerca de 2 milhões de toneladas de resíduos vão parar nos oceanos todos os anos. O volume equivale cobrir 7 mil campos de futebol ou encher 30 estádios do Maracanã da base até o topo.
Um outro levantamento divulgado pela WWF Internacional no começo deste mês que fez um raio X do impacto do plástico no ambiente, na economia e na sociedade trouxe um cenário ainda mais sombrio. Segundo o estudo, o Brasil é o 4º país do mundo que mais gera lixo plástico - 11,3 milhões de toneladas por ano (atrás de Estados Unidos, China e Índia). E só 1,2% disso é reciclado.