Após 5 anos da tragédia, Brasil tem quantas barragens iguais à de Brumadinho?


Rompimento em Minas Gerais em janeiro de 2019 deixou 270 vítimas; Vale quer eliminar todas suas barragens desse tipo até 2035

Por Paula Ferreira
Atualização:

Cinco anos depois do rompimento de uma barragem da Vale em Brumadinho, quando 270 pessoas morreram, apenas 22% das 74 estruturas semelhantes existentes no País foram desativadas. Uma série de legislações aprovadas a partir de 2019, após a tragédia, previa que todas as barragens do mesmo tipo fossem inutilizadas até 2022, o que não aconteceu.

Responsável pela tragédia em Brumadinho, a Vale quer eliminar todas suas barragens desse tipo até 2035. O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) afirma que o setor está se adequando às novas legislações para garantir a segurança às pessoas e ao meio ambiente. O Ibram representa as principais empresas do setor de mineração, responsáveis por 85% da produção mineral do Brasil.

O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão ceifou vidas e devastou mais de cem hectares de florestas nativas Foto: Douglas Magno/AFP

O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão ceifou vidas e devastou mais de cem hectares de florestas nativas. A lama tóxica contaminou rios, chegando ao Rio São Francisco, e atingiu a fauna da região. O despejo de cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração causou um dos maiores desastres ambientais da história do País.

O descomissionamento de barragens, como é chamado o processo de encerramento das operações, prevê a retirada de rejeitos, remoção de tubulações, entre outras medidas, levando em consideração aspectos sociais e ambientais.

As barragens a montante, como a que rompeu em Brumadinho, foram o principal alvo das legislações. Nesse tipo de estrutura, os diques de contenção se apoiam sobre o próprio rejeito depositado no local durante a mineração, o que faz com que sejam mais instáveis.

Um relatório da Agência Nacional de Mineração (ANM), publicado no mês passado, mostrou que ainda há 53 barragens aguardando descomissionamento. Mais da metade delas está em Minas Gerais.

Considerando as estruturas que ainda não passaram pelo processo, pelo menos 28 têm algum nível de alerta de risco. No mesmo documento há estimativa de prazos para finalização das obras de desativação. Os prazos são variados e chegam até 2034, cerca de 15 anos após a implementação das leis.

A Vale, responsável pela tragédia de Brumadinho, é dona de cerca de 13 das barragens com algum alerta de risco. Entre as três barragens nível 3 de risco, a empresa é dona de duas. A primeira, Forquilha III, ainda está em fase de projeto e só deve ser descomissionada em 2035. Já a Sul Superior tem previsão de finalizar as obras em 2029.

Ao Estadão, a empresa respondeu que a previsão é não ter nenhuma estrutura em condição crítica de segurança (nível de emergência 3) até 2025. A Vale disse ainda que se comprometeu com o Ministério Público de Minas Gerais a eliminar suas barragens a montante até 2035. De acordo com a empresa, todas as estruturas já estão inativas.

“Até o momento, 13 estruturas foram completamente descaracterizadas, o que equivale a mais de 40% do total. Desde 2019, foram investidos R$ 7 bilhões no Programa de Descaracterização. A previsão é não ter nenhuma estrutura em condição crítica de segurança (nível de emergência 3) até 2025″, disse a empresa.

Engenheiro e membro do grupo de pesquisa e extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruno Milanez explica que a complexidade do trabalho de descaracterização das barragens pode atrasar o processo, mas destaca que também é preciso garantir que as empresas cumpram com a determinação.

Bombeiro observa estação de trabalho na mina onde tragédia aconteceu em Brumadinho Foto: Douglas Magno/AFP

“Para além da dificuldade técnica, a pior questão é que a ANM não consegue impor algum prazo para as mineradoras, elas estão fazendo isso no prazo que acham necessário”, analisa Milanez. “Vemos que várias barragens ainda estão em nível de projeto básico ou conceitual. Imaginando que a primeira norma é de 2019, chama a atenção o fato de os projetos levarem mais de cinco anos para serem elaborados.”

Lei

Uma lei estadual sancionada em Minas Gerais em 2019, e apelidada de “Mar de lama nunca mais”, foi um marco na regulação da mineração. A lei proibiu a criação ou ampliação de novas barragens no método a montante e determinou o prazo para descomissionamento até fevereiro de 2022.

A ANM tinha uma resolução própria, de 2019, que estabelecia alguns prazos para o descomissionamento de acordo com o tamanho da barragem, com o último deles acabando em 2027. Depois, em 2020, uma lei federal aprovada seguindo linha semelhante à legislação mineira fixou a mesma data de fevereiro de 2022. Porém, essa norma concedeu poderes para que a ANM prorrogasse o prazo em caso de inviabilidade técnica para executar o projeto.

Diante disso, foi feita uma nova resolução na agência, alinhando a regulação à lei vigente. Com isso, o prazo pode ser prorrogado pela ANM desde que a justificativa técnica do pedido seja referendada por alguma autoridade licenciadora vinculada ao Sistema Nacional de Meio Ambiente.

Em fevereiro de 2022, um dia antes de expirar o prazo estabelecido pela lei mineira, o Ministério Público Estadual (MPMG) firmou um Termo de Compromisso com mineradoras que atuam no Estado para desativação de 45 barragens.

O acordo estabelece que as empresas executem “no menor tempo possível” as obras de descaracterização. Até lá, elas deverão pagar uma indenização anual por dano moral coletivo e estarão sujeitas a uma multa de R$ 100 mil por dia no caso de atraso do plano de desativação.

O coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do MPMG (Caoma), promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, explica que o termo não é uma anistia, e leva em consideração a complexidade do processo.

Segundo ele, é preciso ter cautela no descomissionamento das barragens sob o risco de gerar o colapso dessas estruturas durante o processo, por isso os prazo serão estabelecidos de acordo com análises técnicas.

“A gente chama essas estruturas de bombas-relógios. É como se o Estado tivesse 45 bombas-relógios sendo desativadas. Tem que ser rápido o suficiente para minimizar o risco da sociedade, mas tem que ser cauteloso o suficiente para que a descaracterização não incremente esse risco”, afirma.

Área de tragédia em mina da Vale em Brumadinho. Caso deixou 270 vítimas Foto: Douglas Magno/AFP

Ele explica que o termo assinado pelas empresas prevê que sejam contratadas auditorias independentes, certificadas pelo Poder Público, para analisar a situação das barragens e fixarem os prazos.

“Para o Ministério Público todo dia é dia 25 de janeiro de 2019. A gente vive em constante vigilância. Até que a última barragem seja descaracterizada totalmente não podemos afirmar que há segurança total. Temos escassez de estrutura técnica, de equipamento, de pessoal na ANM”, diz o promotor.

Acompanhamento

A ANM disse ao Estadão que criou uma coordenação específica para acompanhar a descaracterização de barragens. A agência disse ainda que as barragens com nível de emergência 3 são vistoriadas presencialmente ao menos uma vez a cada três meses, além de monitoradas de forma remota.

“Existem estruturas (que estão entre as 12 já descaracterizadas) que podem ser descaracterizadas de forma mais célere, pois são barragem com volume menor ou detém outra característica técnica que permite mais agilidade nesse processo. Outras são maiores, têm fator de segurança baixo e necessitam de intervenções por equipamentos remotos e, por esses e outros fatores, demoram um pouco mais”, argumenta a agência.

A Secretaria do Meio Ambiente de Minas Gerais lembra que a Lei 23.291, de 25 de fevereiro 2019, instituiu a Política Estadual de Segurança de Barragens (PESB) e determinou a descaracterização de barragens que utilizem o método de alteamento a montante em um prazo de três anos, contados a partir da publicação da lei. Ainda de acordo com a pasta, ao fim do prazo estabelecido, dez barragens haviam sido descaracterizadas junto à Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e outras 44 ainda estavam passando por obras.

Dessa forma, o Ministério Público de Minas Gerais, o governo de Minas, por meio da Feam, e o Ministério Público Federal (MPF), com interveniência da Agência Nacional de Mineração (ANM), estabeleceram e firmaram com as empresas responsáveis por 40 barragens um Termo de Compromisso que institui uma série de obrigações correlacionadas a segurança e transparência para continuidade das obras. Segundo a secretaria, os responsáveis pelas quatro barragens restantes não aderiram ao Termo de Compromisso e tiveram a situação encaminhada para o Judiciário.

O Termo de Compromisso obriga a compensação e o ressarcimento ao Estado em razão de danos socioambientais, socioeconômicos e morais causados pelo descumprimento do prazo. Nesse sentido, as empresas ficaram obrigadas a custear uma equipe auditora, independente, para acompanhar o todo o processo de descaracterização e apoiar nas manifestações técnicas do Estado.

A secretaria destaca que, na vigência do Termo de Compromisso, mais seis barragens foram descaracterizadas e outras três finalizaram suas obras, restando 31 barragens que ainda passam por descaracterização.

Destruição ambiental

Na época do desastre, o Ibama analisou a destruição e constatou que o rompimento da barragem destruiu cerca de 133,27 hectares de vegetação nativa da Mata Atlântica e 70,65 hectares de áreas de proteção permanente (APP).

Um artigo do pesquisador Marcus Vinicius Polignano demonstrou que a contaminação causada pelo rompimento da barragem colocou em risco a bacia do rio Paraopeba, que é responsável por abastecer cerca de 53% da região de Belo Horizonte. Na ocasião, a poluição despejada no rio ultrapassou a capacidade natural de assimilação e autodepuração não só do Paraopeba, mas também de seus afluentes.

“A gente tem que entender que o minério pode ter seu valor, pode ter seu preço, mas também a biodiversidade, os aquíferos, a história, os bens culturais têm valores que são mensuráveis. Você não pode sair se apropriando de territórios como se fossem nada a não ser minério”, avalia Polignano, que é diretor do Instituto Guaicuy, uma organização do terceiro setor que presta assessoria à população atingida nos desastres da mineração em Minas Gerais.

Somente no primeiro semestre de 2023, o setor teve um faturamento de R$ 120 bilhões, sendo responsável por cerca de 4% do PIB do país. Diretor de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Julio Nery afirma que o setor está se adequando às novas legislações para garantir a segurança às pessoas e ao meio ambiente. O Ibram representa as principais empresas do setor de mineração, responsáveis por 85% da produção mineral do Brasil.

“A legislação brasileira evoluiu muito de 2015 para cá, desde o primeiro desastre que aconteceu em Mariana, os controles exigidos hoje são muito maiores e o monitoramento das estruturas para rejeitos é constante”, justifica. “Todas as empresas são obrigadas a ter centro de monitoramento geotécnico, operado por especialistas 24 horas por dia, onde se lê toda instrumentação da barragem, ele sabe como está o comportamento dessa barragem. O Brasil tem uma das legislações mais avançadas do mundo nessa questão.”

Cinco anos depois do rompimento de uma barragem da Vale em Brumadinho, quando 270 pessoas morreram, apenas 22% das 74 estruturas semelhantes existentes no País foram desativadas. Uma série de legislações aprovadas a partir de 2019, após a tragédia, previa que todas as barragens do mesmo tipo fossem inutilizadas até 2022, o que não aconteceu.

Responsável pela tragédia em Brumadinho, a Vale quer eliminar todas suas barragens desse tipo até 2035. O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) afirma que o setor está se adequando às novas legislações para garantir a segurança às pessoas e ao meio ambiente. O Ibram representa as principais empresas do setor de mineração, responsáveis por 85% da produção mineral do Brasil.

O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão ceifou vidas e devastou mais de cem hectares de florestas nativas Foto: Douglas Magno/AFP

O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão ceifou vidas e devastou mais de cem hectares de florestas nativas. A lama tóxica contaminou rios, chegando ao Rio São Francisco, e atingiu a fauna da região. O despejo de cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração causou um dos maiores desastres ambientais da história do País.

O descomissionamento de barragens, como é chamado o processo de encerramento das operações, prevê a retirada de rejeitos, remoção de tubulações, entre outras medidas, levando em consideração aspectos sociais e ambientais.

As barragens a montante, como a que rompeu em Brumadinho, foram o principal alvo das legislações. Nesse tipo de estrutura, os diques de contenção se apoiam sobre o próprio rejeito depositado no local durante a mineração, o que faz com que sejam mais instáveis.

Um relatório da Agência Nacional de Mineração (ANM), publicado no mês passado, mostrou que ainda há 53 barragens aguardando descomissionamento. Mais da metade delas está em Minas Gerais.

Considerando as estruturas que ainda não passaram pelo processo, pelo menos 28 têm algum nível de alerta de risco. No mesmo documento há estimativa de prazos para finalização das obras de desativação. Os prazos são variados e chegam até 2034, cerca de 15 anos após a implementação das leis.

A Vale, responsável pela tragédia de Brumadinho, é dona de cerca de 13 das barragens com algum alerta de risco. Entre as três barragens nível 3 de risco, a empresa é dona de duas. A primeira, Forquilha III, ainda está em fase de projeto e só deve ser descomissionada em 2035. Já a Sul Superior tem previsão de finalizar as obras em 2029.

Ao Estadão, a empresa respondeu que a previsão é não ter nenhuma estrutura em condição crítica de segurança (nível de emergência 3) até 2025. A Vale disse ainda que se comprometeu com o Ministério Público de Minas Gerais a eliminar suas barragens a montante até 2035. De acordo com a empresa, todas as estruturas já estão inativas.

“Até o momento, 13 estruturas foram completamente descaracterizadas, o que equivale a mais de 40% do total. Desde 2019, foram investidos R$ 7 bilhões no Programa de Descaracterização. A previsão é não ter nenhuma estrutura em condição crítica de segurança (nível de emergência 3) até 2025″, disse a empresa.

Engenheiro e membro do grupo de pesquisa e extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruno Milanez explica que a complexidade do trabalho de descaracterização das barragens pode atrasar o processo, mas destaca que também é preciso garantir que as empresas cumpram com a determinação.

Bombeiro observa estação de trabalho na mina onde tragédia aconteceu em Brumadinho Foto: Douglas Magno/AFP

“Para além da dificuldade técnica, a pior questão é que a ANM não consegue impor algum prazo para as mineradoras, elas estão fazendo isso no prazo que acham necessário”, analisa Milanez. “Vemos que várias barragens ainda estão em nível de projeto básico ou conceitual. Imaginando que a primeira norma é de 2019, chama a atenção o fato de os projetos levarem mais de cinco anos para serem elaborados.”

Lei

Uma lei estadual sancionada em Minas Gerais em 2019, e apelidada de “Mar de lama nunca mais”, foi um marco na regulação da mineração. A lei proibiu a criação ou ampliação de novas barragens no método a montante e determinou o prazo para descomissionamento até fevereiro de 2022.

A ANM tinha uma resolução própria, de 2019, que estabelecia alguns prazos para o descomissionamento de acordo com o tamanho da barragem, com o último deles acabando em 2027. Depois, em 2020, uma lei federal aprovada seguindo linha semelhante à legislação mineira fixou a mesma data de fevereiro de 2022. Porém, essa norma concedeu poderes para que a ANM prorrogasse o prazo em caso de inviabilidade técnica para executar o projeto.

Diante disso, foi feita uma nova resolução na agência, alinhando a regulação à lei vigente. Com isso, o prazo pode ser prorrogado pela ANM desde que a justificativa técnica do pedido seja referendada por alguma autoridade licenciadora vinculada ao Sistema Nacional de Meio Ambiente.

Em fevereiro de 2022, um dia antes de expirar o prazo estabelecido pela lei mineira, o Ministério Público Estadual (MPMG) firmou um Termo de Compromisso com mineradoras que atuam no Estado para desativação de 45 barragens.

O acordo estabelece que as empresas executem “no menor tempo possível” as obras de descaracterização. Até lá, elas deverão pagar uma indenização anual por dano moral coletivo e estarão sujeitas a uma multa de R$ 100 mil por dia no caso de atraso do plano de desativação.

O coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do MPMG (Caoma), promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, explica que o termo não é uma anistia, e leva em consideração a complexidade do processo.

Segundo ele, é preciso ter cautela no descomissionamento das barragens sob o risco de gerar o colapso dessas estruturas durante o processo, por isso os prazo serão estabelecidos de acordo com análises técnicas.

“A gente chama essas estruturas de bombas-relógios. É como se o Estado tivesse 45 bombas-relógios sendo desativadas. Tem que ser rápido o suficiente para minimizar o risco da sociedade, mas tem que ser cauteloso o suficiente para que a descaracterização não incremente esse risco”, afirma.

Área de tragédia em mina da Vale em Brumadinho. Caso deixou 270 vítimas Foto: Douglas Magno/AFP

Ele explica que o termo assinado pelas empresas prevê que sejam contratadas auditorias independentes, certificadas pelo Poder Público, para analisar a situação das barragens e fixarem os prazos.

“Para o Ministério Público todo dia é dia 25 de janeiro de 2019. A gente vive em constante vigilância. Até que a última barragem seja descaracterizada totalmente não podemos afirmar que há segurança total. Temos escassez de estrutura técnica, de equipamento, de pessoal na ANM”, diz o promotor.

Acompanhamento

A ANM disse ao Estadão que criou uma coordenação específica para acompanhar a descaracterização de barragens. A agência disse ainda que as barragens com nível de emergência 3 são vistoriadas presencialmente ao menos uma vez a cada três meses, além de monitoradas de forma remota.

“Existem estruturas (que estão entre as 12 já descaracterizadas) que podem ser descaracterizadas de forma mais célere, pois são barragem com volume menor ou detém outra característica técnica que permite mais agilidade nesse processo. Outras são maiores, têm fator de segurança baixo e necessitam de intervenções por equipamentos remotos e, por esses e outros fatores, demoram um pouco mais”, argumenta a agência.

A Secretaria do Meio Ambiente de Minas Gerais lembra que a Lei 23.291, de 25 de fevereiro 2019, instituiu a Política Estadual de Segurança de Barragens (PESB) e determinou a descaracterização de barragens que utilizem o método de alteamento a montante em um prazo de três anos, contados a partir da publicação da lei. Ainda de acordo com a pasta, ao fim do prazo estabelecido, dez barragens haviam sido descaracterizadas junto à Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e outras 44 ainda estavam passando por obras.

Dessa forma, o Ministério Público de Minas Gerais, o governo de Minas, por meio da Feam, e o Ministério Público Federal (MPF), com interveniência da Agência Nacional de Mineração (ANM), estabeleceram e firmaram com as empresas responsáveis por 40 barragens um Termo de Compromisso que institui uma série de obrigações correlacionadas a segurança e transparência para continuidade das obras. Segundo a secretaria, os responsáveis pelas quatro barragens restantes não aderiram ao Termo de Compromisso e tiveram a situação encaminhada para o Judiciário.

O Termo de Compromisso obriga a compensação e o ressarcimento ao Estado em razão de danos socioambientais, socioeconômicos e morais causados pelo descumprimento do prazo. Nesse sentido, as empresas ficaram obrigadas a custear uma equipe auditora, independente, para acompanhar o todo o processo de descaracterização e apoiar nas manifestações técnicas do Estado.

A secretaria destaca que, na vigência do Termo de Compromisso, mais seis barragens foram descaracterizadas e outras três finalizaram suas obras, restando 31 barragens que ainda passam por descaracterização.

Destruição ambiental

Na época do desastre, o Ibama analisou a destruição e constatou que o rompimento da barragem destruiu cerca de 133,27 hectares de vegetação nativa da Mata Atlântica e 70,65 hectares de áreas de proteção permanente (APP).

Um artigo do pesquisador Marcus Vinicius Polignano demonstrou que a contaminação causada pelo rompimento da barragem colocou em risco a bacia do rio Paraopeba, que é responsável por abastecer cerca de 53% da região de Belo Horizonte. Na ocasião, a poluição despejada no rio ultrapassou a capacidade natural de assimilação e autodepuração não só do Paraopeba, mas também de seus afluentes.

“A gente tem que entender que o minério pode ter seu valor, pode ter seu preço, mas também a biodiversidade, os aquíferos, a história, os bens culturais têm valores que são mensuráveis. Você não pode sair se apropriando de territórios como se fossem nada a não ser minério”, avalia Polignano, que é diretor do Instituto Guaicuy, uma organização do terceiro setor que presta assessoria à população atingida nos desastres da mineração em Minas Gerais.

Somente no primeiro semestre de 2023, o setor teve um faturamento de R$ 120 bilhões, sendo responsável por cerca de 4% do PIB do país. Diretor de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Julio Nery afirma que o setor está se adequando às novas legislações para garantir a segurança às pessoas e ao meio ambiente. O Ibram representa as principais empresas do setor de mineração, responsáveis por 85% da produção mineral do Brasil.

“A legislação brasileira evoluiu muito de 2015 para cá, desde o primeiro desastre que aconteceu em Mariana, os controles exigidos hoje são muito maiores e o monitoramento das estruturas para rejeitos é constante”, justifica. “Todas as empresas são obrigadas a ter centro de monitoramento geotécnico, operado por especialistas 24 horas por dia, onde se lê toda instrumentação da barragem, ele sabe como está o comportamento dessa barragem. O Brasil tem uma das legislações mais avançadas do mundo nessa questão.”

Cinco anos depois do rompimento de uma barragem da Vale em Brumadinho, quando 270 pessoas morreram, apenas 22% das 74 estruturas semelhantes existentes no País foram desativadas. Uma série de legislações aprovadas a partir de 2019, após a tragédia, previa que todas as barragens do mesmo tipo fossem inutilizadas até 2022, o que não aconteceu.

Responsável pela tragédia em Brumadinho, a Vale quer eliminar todas suas barragens desse tipo até 2035. O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) afirma que o setor está se adequando às novas legislações para garantir a segurança às pessoas e ao meio ambiente. O Ibram representa as principais empresas do setor de mineração, responsáveis por 85% da produção mineral do Brasil.

O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão ceifou vidas e devastou mais de cem hectares de florestas nativas Foto: Douglas Magno/AFP

O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão ceifou vidas e devastou mais de cem hectares de florestas nativas. A lama tóxica contaminou rios, chegando ao Rio São Francisco, e atingiu a fauna da região. O despejo de cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração causou um dos maiores desastres ambientais da história do País.

O descomissionamento de barragens, como é chamado o processo de encerramento das operações, prevê a retirada de rejeitos, remoção de tubulações, entre outras medidas, levando em consideração aspectos sociais e ambientais.

As barragens a montante, como a que rompeu em Brumadinho, foram o principal alvo das legislações. Nesse tipo de estrutura, os diques de contenção se apoiam sobre o próprio rejeito depositado no local durante a mineração, o que faz com que sejam mais instáveis.

Um relatório da Agência Nacional de Mineração (ANM), publicado no mês passado, mostrou que ainda há 53 barragens aguardando descomissionamento. Mais da metade delas está em Minas Gerais.

Considerando as estruturas que ainda não passaram pelo processo, pelo menos 28 têm algum nível de alerta de risco. No mesmo documento há estimativa de prazos para finalização das obras de desativação. Os prazos são variados e chegam até 2034, cerca de 15 anos após a implementação das leis.

A Vale, responsável pela tragédia de Brumadinho, é dona de cerca de 13 das barragens com algum alerta de risco. Entre as três barragens nível 3 de risco, a empresa é dona de duas. A primeira, Forquilha III, ainda está em fase de projeto e só deve ser descomissionada em 2035. Já a Sul Superior tem previsão de finalizar as obras em 2029.

Ao Estadão, a empresa respondeu que a previsão é não ter nenhuma estrutura em condição crítica de segurança (nível de emergência 3) até 2025. A Vale disse ainda que se comprometeu com o Ministério Público de Minas Gerais a eliminar suas barragens a montante até 2035. De acordo com a empresa, todas as estruturas já estão inativas.

“Até o momento, 13 estruturas foram completamente descaracterizadas, o que equivale a mais de 40% do total. Desde 2019, foram investidos R$ 7 bilhões no Programa de Descaracterização. A previsão é não ter nenhuma estrutura em condição crítica de segurança (nível de emergência 3) até 2025″, disse a empresa.

Engenheiro e membro do grupo de pesquisa e extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruno Milanez explica que a complexidade do trabalho de descaracterização das barragens pode atrasar o processo, mas destaca que também é preciso garantir que as empresas cumpram com a determinação.

Bombeiro observa estação de trabalho na mina onde tragédia aconteceu em Brumadinho Foto: Douglas Magno/AFP

“Para além da dificuldade técnica, a pior questão é que a ANM não consegue impor algum prazo para as mineradoras, elas estão fazendo isso no prazo que acham necessário”, analisa Milanez. “Vemos que várias barragens ainda estão em nível de projeto básico ou conceitual. Imaginando que a primeira norma é de 2019, chama a atenção o fato de os projetos levarem mais de cinco anos para serem elaborados.”

Lei

Uma lei estadual sancionada em Minas Gerais em 2019, e apelidada de “Mar de lama nunca mais”, foi um marco na regulação da mineração. A lei proibiu a criação ou ampliação de novas barragens no método a montante e determinou o prazo para descomissionamento até fevereiro de 2022.

A ANM tinha uma resolução própria, de 2019, que estabelecia alguns prazos para o descomissionamento de acordo com o tamanho da barragem, com o último deles acabando em 2027. Depois, em 2020, uma lei federal aprovada seguindo linha semelhante à legislação mineira fixou a mesma data de fevereiro de 2022. Porém, essa norma concedeu poderes para que a ANM prorrogasse o prazo em caso de inviabilidade técnica para executar o projeto.

Diante disso, foi feita uma nova resolução na agência, alinhando a regulação à lei vigente. Com isso, o prazo pode ser prorrogado pela ANM desde que a justificativa técnica do pedido seja referendada por alguma autoridade licenciadora vinculada ao Sistema Nacional de Meio Ambiente.

Em fevereiro de 2022, um dia antes de expirar o prazo estabelecido pela lei mineira, o Ministério Público Estadual (MPMG) firmou um Termo de Compromisso com mineradoras que atuam no Estado para desativação de 45 barragens.

O acordo estabelece que as empresas executem “no menor tempo possível” as obras de descaracterização. Até lá, elas deverão pagar uma indenização anual por dano moral coletivo e estarão sujeitas a uma multa de R$ 100 mil por dia no caso de atraso do plano de desativação.

O coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do MPMG (Caoma), promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, explica que o termo não é uma anistia, e leva em consideração a complexidade do processo.

Segundo ele, é preciso ter cautela no descomissionamento das barragens sob o risco de gerar o colapso dessas estruturas durante o processo, por isso os prazo serão estabelecidos de acordo com análises técnicas.

“A gente chama essas estruturas de bombas-relógios. É como se o Estado tivesse 45 bombas-relógios sendo desativadas. Tem que ser rápido o suficiente para minimizar o risco da sociedade, mas tem que ser cauteloso o suficiente para que a descaracterização não incremente esse risco”, afirma.

Área de tragédia em mina da Vale em Brumadinho. Caso deixou 270 vítimas Foto: Douglas Magno/AFP

Ele explica que o termo assinado pelas empresas prevê que sejam contratadas auditorias independentes, certificadas pelo Poder Público, para analisar a situação das barragens e fixarem os prazos.

“Para o Ministério Público todo dia é dia 25 de janeiro de 2019. A gente vive em constante vigilância. Até que a última barragem seja descaracterizada totalmente não podemos afirmar que há segurança total. Temos escassez de estrutura técnica, de equipamento, de pessoal na ANM”, diz o promotor.

Acompanhamento

A ANM disse ao Estadão que criou uma coordenação específica para acompanhar a descaracterização de barragens. A agência disse ainda que as barragens com nível de emergência 3 são vistoriadas presencialmente ao menos uma vez a cada três meses, além de monitoradas de forma remota.

“Existem estruturas (que estão entre as 12 já descaracterizadas) que podem ser descaracterizadas de forma mais célere, pois são barragem com volume menor ou detém outra característica técnica que permite mais agilidade nesse processo. Outras são maiores, têm fator de segurança baixo e necessitam de intervenções por equipamentos remotos e, por esses e outros fatores, demoram um pouco mais”, argumenta a agência.

A Secretaria do Meio Ambiente de Minas Gerais lembra que a Lei 23.291, de 25 de fevereiro 2019, instituiu a Política Estadual de Segurança de Barragens (PESB) e determinou a descaracterização de barragens que utilizem o método de alteamento a montante em um prazo de três anos, contados a partir da publicação da lei. Ainda de acordo com a pasta, ao fim do prazo estabelecido, dez barragens haviam sido descaracterizadas junto à Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e outras 44 ainda estavam passando por obras.

Dessa forma, o Ministério Público de Minas Gerais, o governo de Minas, por meio da Feam, e o Ministério Público Federal (MPF), com interveniência da Agência Nacional de Mineração (ANM), estabeleceram e firmaram com as empresas responsáveis por 40 barragens um Termo de Compromisso que institui uma série de obrigações correlacionadas a segurança e transparência para continuidade das obras. Segundo a secretaria, os responsáveis pelas quatro barragens restantes não aderiram ao Termo de Compromisso e tiveram a situação encaminhada para o Judiciário.

O Termo de Compromisso obriga a compensação e o ressarcimento ao Estado em razão de danos socioambientais, socioeconômicos e morais causados pelo descumprimento do prazo. Nesse sentido, as empresas ficaram obrigadas a custear uma equipe auditora, independente, para acompanhar o todo o processo de descaracterização e apoiar nas manifestações técnicas do Estado.

A secretaria destaca que, na vigência do Termo de Compromisso, mais seis barragens foram descaracterizadas e outras três finalizaram suas obras, restando 31 barragens que ainda passam por descaracterização.

Destruição ambiental

Na época do desastre, o Ibama analisou a destruição e constatou que o rompimento da barragem destruiu cerca de 133,27 hectares de vegetação nativa da Mata Atlântica e 70,65 hectares de áreas de proteção permanente (APP).

Um artigo do pesquisador Marcus Vinicius Polignano demonstrou que a contaminação causada pelo rompimento da barragem colocou em risco a bacia do rio Paraopeba, que é responsável por abastecer cerca de 53% da região de Belo Horizonte. Na ocasião, a poluição despejada no rio ultrapassou a capacidade natural de assimilação e autodepuração não só do Paraopeba, mas também de seus afluentes.

“A gente tem que entender que o minério pode ter seu valor, pode ter seu preço, mas também a biodiversidade, os aquíferos, a história, os bens culturais têm valores que são mensuráveis. Você não pode sair se apropriando de territórios como se fossem nada a não ser minério”, avalia Polignano, que é diretor do Instituto Guaicuy, uma organização do terceiro setor que presta assessoria à população atingida nos desastres da mineração em Minas Gerais.

Somente no primeiro semestre de 2023, o setor teve um faturamento de R$ 120 bilhões, sendo responsável por cerca de 4% do PIB do país. Diretor de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Julio Nery afirma que o setor está se adequando às novas legislações para garantir a segurança às pessoas e ao meio ambiente. O Ibram representa as principais empresas do setor de mineração, responsáveis por 85% da produção mineral do Brasil.

“A legislação brasileira evoluiu muito de 2015 para cá, desde o primeiro desastre que aconteceu em Mariana, os controles exigidos hoje são muito maiores e o monitoramento das estruturas para rejeitos é constante”, justifica. “Todas as empresas são obrigadas a ter centro de monitoramento geotécnico, operado por especialistas 24 horas por dia, onde se lê toda instrumentação da barragem, ele sabe como está o comportamento dessa barragem. O Brasil tem uma das legislações mais avançadas do mundo nessa questão.”

Cinco anos depois do rompimento de uma barragem da Vale em Brumadinho, quando 270 pessoas morreram, apenas 22% das 74 estruturas semelhantes existentes no País foram desativadas. Uma série de legislações aprovadas a partir de 2019, após a tragédia, previa que todas as barragens do mesmo tipo fossem inutilizadas até 2022, o que não aconteceu.

Responsável pela tragédia em Brumadinho, a Vale quer eliminar todas suas barragens desse tipo até 2035. O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) afirma que o setor está se adequando às novas legislações para garantir a segurança às pessoas e ao meio ambiente. O Ibram representa as principais empresas do setor de mineração, responsáveis por 85% da produção mineral do Brasil.

O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão ceifou vidas e devastou mais de cem hectares de florestas nativas Foto: Douglas Magno/AFP

O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão ceifou vidas e devastou mais de cem hectares de florestas nativas. A lama tóxica contaminou rios, chegando ao Rio São Francisco, e atingiu a fauna da região. O despejo de cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração causou um dos maiores desastres ambientais da história do País.

O descomissionamento de barragens, como é chamado o processo de encerramento das operações, prevê a retirada de rejeitos, remoção de tubulações, entre outras medidas, levando em consideração aspectos sociais e ambientais.

As barragens a montante, como a que rompeu em Brumadinho, foram o principal alvo das legislações. Nesse tipo de estrutura, os diques de contenção se apoiam sobre o próprio rejeito depositado no local durante a mineração, o que faz com que sejam mais instáveis.

Um relatório da Agência Nacional de Mineração (ANM), publicado no mês passado, mostrou que ainda há 53 barragens aguardando descomissionamento. Mais da metade delas está em Minas Gerais.

Considerando as estruturas que ainda não passaram pelo processo, pelo menos 28 têm algum nível de alerta de risco. No mesmo documento há estimativa de prazos para finalização das obras de desativação. Os prazos são variados e chegam até 2034, cerca de 15 anos após a implementação das leis.

A Vale, responsável pela tragédia de Brumadinho, é dona de cerca de 13 das barragens com algum alerta de risco. Entre as três barragens nível 3 de risco, a empresa é dona de duas. A primeira, Forquilha III, ainda está em fase de projeto e só deve ser descomissionada em 2035. Já a Sul Superior tem previsão de finalizar as obras em 2029.

Ao Estadão, a empresa respondeu que a previsão é não ter nenhuma estrutura em condição crítica de segurança (nível de emergência 3) até 2025. A Vale disse ainda que se comprometeu com o Ministério Público de Minas Gerais a eliminar suas barragens a montante até 2035. De acordo com a empresa, todas as estruturas já estão inativas.

“Até o momento, 13 estruturas foram completamente descaracterizadas, o que equivale a mais de 40% do total. Desde 2019, foram investidos R$ 7 bilhões no Programa de Descaracterização. A previsão é não ter nenhuma estrutura em condição crítica de segurança (nível de emergência 3) até 2025″, disse a empresa.

Engenheiro e membro do grupo de pesquisa e extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruno Milanez explica que a complexidade do trabalho de descaracterização das barragens pode atrasar o processo, mas destaca que também é preciso garantir que as empresas cumpram com a determinação.

Bombeiro observa estação de trabalho na mina onde tragédia aconteceu em Brumadinho Foto: Douglas Magno/AFP

“Para além da dificuldade técnica, a pior questão é que a ANM não consegue impor algum prazo para as mineradoras, elas estão fazendo isso no prazo que acham necessário”, analisa Milanez. “Vemos que várias barragens ainda estão em nível de projeto básico ou conceitual. Imaginando que a primeira norma é de 2019, chama a atenção o fato de os projetos levarem mais de cinco anos para serem elaborados.”

Lei

Uma lei estadual sancionada em Minas Gerais em 2019, e apelidada de “Mar de lama nunca mais”, foi um marco na regulação da mineração. A lei proibiu a criação ou ampliação de novas barragens no método a montante e determinou o prazo para descomissionamento até fevereiro de 2022.

A ANM tinha uma resolução própria, de 2019, que estabelecia alguns prazos para o descomissionamento de acordo com o tamanho da barragem, com o último deles acabando em 2027. Depois, em 2020, uma lei federal aprovada seguindo linha semelhante à legislação mineira fixou a mesma data de fevereiro de 2022. Porém, essa norma concedeu poderes para que a ANM prorrogasse o prazo em caso de inviabilidade técnica para executar o projeto.

Diante disso, foi feita uma nova resolução na agência, alinhando a regulação à lei vigente. Com isso, o prazo pode ser prorrogado pela ANM desde que a justificativa técnica do pedido seja referendada por alguma autoridade licenciadora vinculada ao Sistema Nacional de Meio Ambiente.

Em fevereiro de 2022, um dia antes de expirar o prazo estabelecido pela lei mineira, o Ministério Público Estadual (MPMG) firmou um Termo de Compromisso com mineradoras que atuam no Estado para desativação de 45 barragens.

O acordo estabelece que as empresas executem “no menor tempo possível” as obras de descaracterização. Até lá, elas deverão pagar uma indenização anual por dano moral coletivo e estarão sujeitas a uma multa de R$ 100 mil por dia no caso de atraso do plano de desativação.

O coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do MPMG (Caoma), promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, explica que o termo não é uma anistia, e leva em consideração a complexidade do processo.

Segundo ele, é preciso ter cautela no descomissionamento das barragens sob o risco de gerar o colapso dessas estruturas durante o processo, por isso os prazo serão estabelecidos de acordo com análises técnicas.

“A gente chama essas estruturas de bombas-relógios. É como se o Estado tivesse 45 bombas-relógios sendo desativadas. Tem que ser rápido o suficiente para minimizar o risco da sociedade, mas tem que ser cauteloso o suficiente para que a descaracterização não incremente esse risco”, afirma.

Área de tragédia em mina da Vale em Brumadinho. Caso deixou 270 vítimas Foto: Douglas Magno/AFP

Ele explica que o termo assinado pelas empresas prevê que sejam contratadas auditorias independentes, certificadas pelo Poder Público, para analisar a situação das barragens e fixarem os prazos.

“Para o Ministério Público todo dia é dia 25 de janeiro de 2019. A gente vive em constante vigilância. Até que a última barragem seja descaracterizada totalmente não podemos afirmar que há segurança total. Temos escassez de estrutura técnica, de equipamento, de pessoal na ANM”, diz o promotor.

Acompanhamento

A ANM disse ao Estadão que criou uma coordenação específica para acompanhar a descaracterização de barragens. A agência disse ainda que as barragens com nível de emergência 3 são vistoriadas presencialmente ao menos uma vez a cada três meses, além de monitoradas de forma remota.

“Existem estruturas (que estão entre as 12 já descaracterizadas) que podem ser descaracterizadas de forma mais célere, pois são barragem com volume menor ou detém outra característica técnica que permite mais agilidade nesse processo. Outras são maiores, têm fator de segurança baixo e necessitam de intervenções por equipamentos remotos e, por esses e outros fatores, demoram um pouco mais”, argumenta a agência.

A Secretaria do Meio Ambiente de Minas Gerais lembra que a Lei 23.291, de 25 de fevereiro 2019, instituiu a Política Estadual de Segurança de Barragens (PESB) e determinou a descaracterização de barragens que utilizem o método de alteamento a montante em um prazo de três anos, contados a partir da publicação da lei. Ainda de acordo com a pasta, ao fim do prazo estabelecido, dez barragens haviam sido descaracterizadas junto à Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e outras 44 ainda estavam passando por obras.

Dessa forma, o Ministério Público de Minas Gerais, o governo de Minas, por meio da Feam, e o Ministério Público Federal (MPF), com interveniência da Agência Nacional de Mineração (ANM), estabeleceram e firmaram com as empresas responsáveis por 40 barragens um Termo de Compromisso que institui uma série de obrigações correlacionadas a segurança e transparência para continuidade das obras. Segundo a secretaria, os responsáveis pelas quatro barragens restantes não aderiram ao Termo de Compromisso e tiveram a situação encaminhada para o Judiciário.

O Termo de Compromisso obriga a compensação e o ressarcimento ao Estado em razão de danos socioambientais, socioeconômicos e morais causados pelo descumprimento do prazo. Nesse sentido, as empresas ficaram obrigadas a custear uma equipe auditora, independente, para acompanhar o todo o processo de descaracterização e apoiar nas manifestações técnicas do Estado.

A secretaria destaca que, na vigência do Termo de Compromisso, mais seis barragens foram descaracterizadas e outras três finalizaram suas obras, restando 31 barragens que ainda passam por descaracterização.

Destruição ambiental

Na época do desastre, o Ibama analisou a destruição e constatou que o rompimento da barragem destruiu cerca de 133,27 hectares de vegetação nativa da Mata Atlântica e 70,65 hectares de áreas de proteção permanente (APP).

Um artigo do pesquisador Marcus Vinicius Polignano demonstrou que a contaminação causada pelo rompimento da barragem colocou em risco a bacia do rio Paraopeba, que é responsável por abastecer cerca de 53% da região de Belo Horizonte. Na ocasião, a poluição despejada no rio ultrapassou a capacidade natural de assimilação e autodepuração não só do Paraopeba, mas também de seus afluentes.

“A gente tem que entender que o minério pode ter seu valor, pode ter seu preço, mas também a biodiversidade, os aquíferos, a história, os bens culturais têm valores que são mensuráveis. Você não pode sair se apropriando de territórios como se fossem nada a não ser minério”, avalia Polignano, que é diretor do Instituto Guaicuy, uma organização do terceiro setor que presta assessoria à população atingida nos desastres da mineração em Minas Gerais.

Somente no primeiro semestre de 2023, o setor teve um faturamento de R$ 120 bilhões, sendo responsável por cerca de 4% do PIB do país. Diretor de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Julio Nery afirma que o setor está se adequando às novas legislações para garantir a segurança às pessoas e ao meio ambiente. O Ibram representa as principais empresas do setor de mineração, responsáveis por 85% da produção mineral do Brasil.

“A legislação brasileira evoluiu muito de 2015 para cá, desde o primeiro desastre que aconteceu em Mariana, os controles exigidos hoje são muito maiores e o monitoramento das estruturas para rejeitos é constante”, justifica. “Todas as empresas são obrigadas a ter centro de monitoramento geotécnico, operado por especialistas 24 horas por dia, onde se lê toda instrumentação da barragem, ele sabe como está o comportamento dessa barragem. O Brasil tem uma das legislações mais avançadas do mundo nessa questão.”

Cinco anos depois do rompimento de uma barragem da Vale em Brumadinho, quando 270 pessoas morreram, apenas 22% das 74 estruturas semelhantes existentes no País foram desativadas. Uma série de legislações aprovadas a partir de 2019, após a tragédia, previa que todas as barragens do mesmo tipo fossem inutilizadas até 2022, o que não aconteceu.

Responsável pela tragédia em Brumadinho, a Vale quer eliminar todas suas barragens desse tipo até 2035. O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) afirma que o setor está se adequando às novas legislações para garantir a segurança às pessoas e ao meio ambiente. O Ibram representa as principais empresas do setor de mineração, responsáveis por 85% da produção mineral do Brasil.

O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão ceifou vidas e devastou mais de cem hectares de florestas nativas Foto: Douglas Magno/AFP

O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão ceifou vidas e devastou mais de cem hectares de florestas nativas. A lama tóxica contaminou rios, chegando ao Rio São Francisco, e atingiu a fauna da região. O despejo de cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração causou um dos maiores desastres ambientais da história do País.

O descomissionamento de barragens, como é chamado o processo de encerramento das operações, prevê a retirada de rejeitos, remoção de tubulações, entre outras medidas, levando em consideração aspectos sociais e ambientais.

As barragens a montante, como a que rompeu em Brumadinho, foram o principal alvo das legislações. Nesse tipo de estrutura, os diques de contenção se apoiam sobre o próprio rejeito depositado no local durante a mineração, o que faz com que sejam mais instáveis.

Um relatório da Agência Nacional de Mineração (ANM), publicado no mês passado, mostrou que ainda há 53 barragens aguardando descomissionamento. Mais da metade delas está em Minas Gerais.

Considerando as estruturas que ainda não passaram pelo processo, pelo menos 28 têm algum nível de alerta de risco. No mesmo documento há estimativa de prazos para finalização das obras de desativação. Os prazos são variados e chegam até 2034, cerca de 15 anos após a implementação das leis.

A Vale, responsável pela tragédia de Brumadinho, é dona de cerca de 13 das barragens com algum alerta de risco. Entre as três barragens nível 3 de risco, a empresa é dona de duas. A primeira, Forquilha III, ainda está em fase de projeto e só deve ser descomissionada em 2035. Já a Sul Superior tem previsão de finalizar as obras em 2029.

Ao Estadão, a empresa respondeu que a previsão é não ter nenhuma estrutura em condição crítica de segurança (nível de emergência 3) até 2025. A Vale disse ainda que se comprometeu com o Ministério Público de Minas Gerais a eliminar suas barragens a montante até 2035. De acordo com a empresa, todas as estruturas já estão inativas.

“Até o momento, 13 estruturas foram completamente descaracterizadas, o que equivale a mais de 40% do total. Desde 2019, foram investidos R$ 7 bilhões no Programa de Descaracterização. A previsão é não ter nenhuma estrutura em condição crítica de segurança (nível de emergência 3) até 2025″, disse a empresa.

Engenheiro e membro do grupo de pesquisa e extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruno Milanez explica que a complexidade do trabalho de descaracterização das barragens pode atrasar o processo, mas destaca que também é preciso garantir que as empresas cumpram com a determinação.

Bombeiro observa estação de trabalho na mina onde tragédia aconteceu em Brumadinho Foto: Douglas Magno/AFP

“Para além da dificuldade técnica, a pior questão é que a ANM não consegue impor algum prazo para as mineradoras, elas estão fazendo isso no prazo que acham necessário”, analisa Milanez. “Vemos que várias barragens ainda estão em nível de projeto básico ou conceitual. Imaginando que a primeira norma é de 2019, chama a atenção o fato de os projetos levarem mais de cinco anos para serem elaborados.”

Lei

Uma lei estadual sancionada em Minas Gerais em 2019, e apelidada de “Mar de lama nunca mais”, foi um marco na regulação da mineração. A lei proibiu a criação ou ampliação de novas barragens no método a montante e determinou o prazo para descomissionamento até fevereiro de 2022.

A ANM tinha uma resolução própria, de 2019, que estabelecia alguns prazos para o descomissionamento de acordo com o tamanho da barragem, com o último deles acabando em 2027. Depois, em 2020, uma lei federal aprovada seguindo linha semelhante à legislação mineira fixou a mesma data de fevereiro de 2022. Porém, essa norma concedeu poderes para que a ANM prorrogasse o prazo em caso de inviabilidade técnica para executar o projeto.

Diante disso, foi feita uma nova resolução na agência, alinhando a regulação à lei vigente. Com isso, o prazo pode ser prorrogado pela ANM desde que a justificativa técnica do pedido seja referendada por alguma autoridade licenciadora vinculada ao Sistema Nacional de Meio Ambiente.

Em fevereiro de 2022, um dia antes de expirar o prazo estabelecido pela lei mineira, o Ministério Público Estadual (MPMG) firmou um Termo de Compromisso com mineradoras que atuam no Estado para desativação de 45 barragens.

O acordo estabelece que as empresas executem “no menor tempo possível” as obras de descaracterização. Até lá, elas deverão pagar uma indenização anual por dano moral coletivo e estarão sujeitas a uma multa de R$ 100 mil por dia no caso de atraso do plano de desativação.

O coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do MPMG (Caoma), promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, explica que o termo não é uma anistia, e leva em consideração a complexidade do processo.

Segundo ele, é preciso ter cautela no descomissionamento das barragens sob o risco de gerar o colapso dessas estruturas durante o processo, por isso os prazo serão estabelecidos de acordo com análises técnicas.

“A gente chama essas estruturas de bombas-relógios. É como se o Estado tivesse 45 bombas-relógios sendo desativadas. Tem que ser rápido o suficiente para minimizar o risco da sociedade, mas tem que ser cauteloso o suficiente para que a descaracterização não incremente esse risco”, afirma.

Área de tragédia em mina da Vale em Brumadinho. Caso deixou 270 vítimas Foto: Douglas Magno/AFP

Ele explica que o termo assinado pelas empresas prevê que sejam contratadas auditorias independentes, certificadas pelo Poder Público, para analisar a situação das barragens e fixarem os prazos.

“Para o Ministério Público todo dia é dia 25 de janeiro de 2019. A gente vive em constante vigilância. Até que a última barragem seja descaracterizada totalmente não podemos afirmar que há segurança total. Temos escassez de estrutura técnica, de equipamento, de pessoal na ANM”, diz o promotor.

Acompanhamento

A ANM disse ao Estadão que criou uma coordenação específica para acompanhar a descaracterização de barragens. A agência disse ainda que as barragens com nível de emergência 3 são vistoriadas presencialmente ao menos uma vez a cada três meses, além de monitoradas de forma remota.

“Existem estruturas (que estão entre as 12 já descaracterizadas) que podem ser descaracterizadas de forma mais célere, pois são barragem com volume menor ou detém outra característica técnica que permite mais agilidade nesse processo. Outras são maiores, têm fator de segurança baixo e necessitam de intervenções por equipamentos remotos e, por esses e outros fatores, demoram um pouco mais”, argumenta a agência.

A Secretaria do Meio Ambiente de Minas Gerais lembra que a Lei 23.291, de 25 de fevereiro 2019, instituiu a Política Estadual de Segurança de Barragens (PESB) e determinou a descaracterização de barragens que utilizem o método de alteamento a montante em um prazo de três anos, contados a partir da publicação da lei. Ainda de acordo com a pasta, ao fim do prazo estabelecido, dez barragens haviam sido descaracterizadas junto à Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e outras 44 ainda estavam passando por obras.

Dessa forma, o Ministério Público de Minas Gerais, o governo de Minas, por meio da Feam, e o Ministério Público Federal (MPF), com interveniência da Agência Nacional de Mineração (ANM), estabeleceram e firmaram com as empresas responsáveis por 40 barragens um Termo de Compromisso que institui uma série de obrigações correlacionadas a segurança e transparência para continuidade das obras. Segundo a secretaria, os responsáveis pelas quatro barragens restantes não aderiram ao Termo de Compromisso e tiveram a situação encaminhada para o Judiciário.

O Termo de Compromisso obriga a compensação e o ressarcimento ao Estado em razão de danos socioambientais, socioeconômicos e morais causados pelo descumprimento do prazo. Nesse sentido, as empresas ficaram obrigadas a custear uma equipe auditora, independente, para acompanhar o todo o processo de descaracterização e apoiar nas manifestações técnicas do Estado.

A secretaria destaca que, na vigência do Termo de Compromisso, mais seis barragens foram descaracterizadas e outras três finalizaram suas obras, restando 31 barragens que ainda passam por descaracterização.

Destruição ambiental

Na época do desastre, o Ibama analisou a destruição e constatou que o rompimento da barragem destruiu cerca de 133,27 hectares de vegetação nativa da Mata Atlântica e 70,65 hectares de áreas de proteção permanente (APP).

Um artigo do pesquisador Marcus Vinicius Polignano demonstrou que a contaminação causada pelo rompimento da barragem colocou em risco a bacia do rio Paraopeba, que é responsável por abastecer cerca de 53% da região de Belo Horizonte. Na ocasião, a poluição despejada no rio ultrapassou a capacidade natural de assimilação e autodepuração não só do Paraopeba, mas também de seus afluentes.

“A gente tem que entender que o minério pode ter seu valor, pode ter seu preço, mas também a biodiversidade, os aquíferos, a história, os bens culturais têm valores que são mensuráveis. Você não pode sair se apropriando de territórios como se fossem nada a não ser minério”, avalia Polignano, que é diretor do Instituto Guaicuy, uma organização do terceiro setor que presta assessoria à população atingida nos desastres da mineração em Minas Gerais.

Somente no primeiro semestre de 2023, o setor teve um faturamento de R$ 120 bilhões, sendo responsável por cerca de 4% do PIB do país. Diretor de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Julio Nery afirma que o setor está se adequando às novas legislações para garantir a segurança às pessoas e ao meio ambiente. O Ibram representa as principais empresas do setor de mineração, responsáveis por 85% da produção mineral do Brasil.

“A legislação brasileira evoluiu muito de 2015 para cá, desde o primeiro desastre que aconteceu em Mariana, os controles exigidos hoje são muito maiores e o monitoramento das estruturas para rejeitos é constante”, justifica. “Todas as empresas são obrigadas a ter centro de monitoramento geotécnico, operado por especialistas 24 horas por dia, onde se lê toda instrumentação da barragem, ele sabe como está o comportamento dessa barragem. O Brasil tem uma das legislações mais avançadas do mundo nessa questão.”

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