Arquitetos franco-brasileiros projetaram prédio para as Olimpíadas de Paris; saiba como é


Triptyque ficou responsável por construção da vila olímpica utilizada por delegação dos Estados Unidos; confira entrevista

Por Priscila Mengue
Atualização:

Uma antiga área industrial de 54 hectares a norte de Paris passou por uma extensa transformação até se tornar a vila que receberá mais de 14 mil atletas e acompanhantes nos Jogos Olímpicos de 2024, em julho e agosto, além de mais 8 mil paratletas em setembro.

Com o slogan “construa menos, melhor e mais útil”, esta edição busca ser uma vitrine das “cidades compactas”. Após as Olimpíadas e Paralimpíadas, o vilarejo se tornará um bairro multiuso, para futuros 6 mil moradores e 6 mil trabalhadores de diferentes perfis e classes sociais.

Criada na confluência de localidades vizinhas a Paris, a vila olímpica foi anunciada como um modelo de planejamento urbano mais sustentável diante das mudanças climáticas. É a dita “cidade de 15 minutos”, que a capital francesa defende há anos, na qual o que o necessário e básico (trabalho, moradia, lazer, comércios e serviços) está a um “quarto de hora” ou menos.

Em meio aos tantos profissionais envolvidos no planejamento e construção dessa “minicidade”, está o escritório de arquitetura franco-brasileiro Triptyque. Com sedes na capital francesa e em São Paulo, foi responsável pela elaboração de um dos prédios do vilarejo, que receberá atletas da delegação dos Estados Unidos e, futuramente, será transformado em habitação para a população de baixa renda.

Projeto do escritório franco-brasileiro utilizou revestimento em madeira Foto: Salem Mostefaoui/Divulgação/Triptyque

O Estadão entrevistou Guillaume Sibaud, um dos sócios do escritório. Em São Paulo, o Triptyque projetou diversos prédios, como o Harmonia 1250, na zona oeste, e esteve entre os envolvidos em grandes empreendimentos que deram uma nova cara a espaços já existentes, como a Cidade Matarazzo e o antigo Red Bull Station, ambos na região central.

Na vila olímpica, o desenvolvimento envolveu reuniões em conjunto com outros escritórios e a companhia responsável pelo vilarejo (a Solideo). O espaço foi pensado para fazer melhor aproveitamento das características naturais do entorno, assim como adotou materiais não tão comuns no Brasil, como a madeira industrializada.

Na entrevista, Sibaud defende um planejamento urbano mais integrado e a adoção de técnicas que reduzam a pegada de carbono. Também, opinou sobre a utilização de ar-condicionado portátil por uma parte das delegações durante os jogos.

Confira alguns trechos da entrevista abaixo e, na sequência, saiba mais detalhes sobre o projeto da vila após as Olimpíadas.

Como descreve esse projeto?

É no norte de Paris, em uma área muito carente, um território industrial. No entorno da La Cité du Cinéma, (de estúdios) do Luc Besson (cineasta conhecido pelos filmes O Profissional, O Quinto Elemento, Joana D’Arc e outros). Cada bloco de prédios teve um escritório diferente após um processo de seleção, de entrevista. Vai deixar um bairro operacional bem integrado e, por isso, foi uma escolha certeira.

Como foi trabalhar no desenvolvimento da vila olímpica?

O nosso prédio vai acolher mais ou menos 450 atletas em unidades que vão, depois, virar moradias sociais. É em formato de U, com dois (predinhos) menores. (A vila olímpica) Foi uma obra grande, um bairro pioneiro em termos de objetivos ligados à sustentabilidade, no uso de materiais. Cada prédio tinha uma “cota carbono”. O nosso prédio foi escolhido para a seleção americana. É bacana pensar que prédios dos americanos foram feitos por franco-brasileiros.

Projeto da Triptyque envolve quartos para 450 atletas e outros membros da delegação Foto: Salem Mostefaoui/Divulgação/Triptyque

Como o prédio foi pensado para ser mais sustentável?

É um prédio de concreto de baixo carbono, com um envelope de painel de madeira, para o isolamento térmico e revestimento. Todos os apartamentos têm acesso a uma luz natural muito boa. Tem telhado verde (com jardins), mas não é a parte mais importante. A parte mais importante é a inteligência da configuração em relação à rotação solar e ventilação. São 11 pavimentos, com comércio no térreo. A ideia é de uma cidade compacta e para diversas populações.

Seria possível um empreendimento desse tipo no Brasil? Quais seriam as dificuldades?

A dificuldade principal é de mobilizar uma série de atores em prol de uma ação urbanística. Não precisa ser nessa escala. Primeiro, precisa pensar em um plano urbano, nos terrenos, nas construções, ter olhar holístico para a interação entre interesses privado e público, o que gera essa qualidade de moradia e bairro. Deveria se intensificar, no meu ponto de vista. Quebrar alguns paradigmas, integrar moradias sociais à incorporação (misturando apartamentos de diferentes rendas). Não vejo muito empecilho. Deveria ser possível. Precisa investir mais no projeto. O tempo do projeto é um pouco mais longo, porque precisa primeiro fazer os estudos urbanos, integrar a malha de transporte, depois viabilizar terrenos. Para incorporar (terrenos), não é necessariamente mais caro. O calendário com investimento de natureza pública, como no viário, em infraestrutura de transporte, isso sim é.

O que acha da decisão de algumas delegações de levarem aparelhos de ar-condicionado para a vila olímpica?

O que define a arquitetura (desse projeto, diante da demanda local) é muito mais a necessidade de ter bom aproveitamento térmico durante o inverno do que durante o verão. As ondas de calor são limitadas no tempo. A gente prefere trabalhar em medidas passivas, como ventilação cruzada, assumindo que haverá alguns dias de calor. (O calor) Vai ser mais crítico durante as Olimpíadas, mas são 15 dias para um prédio que pode ficar por muitos anos. Se a decisão de algumas delegações é de levar ar-condicionado móvel, como é o caso do Brasil, é perfeitamente entendível dos dois lados. Para quem produziu o vilarejo, não era muito coerente. Mas entendi que há delegações que têm esse costume. Não é uma coisa tão universal (usar ar-condicionado com frequência). Na Europa, se tem um costume baixo de ar condicionado. As pessoas costumam se virar sem.

Tocha dos Jogos Olímpicos de 2024, de Paris Foto: Kirill Kudryavtsev/AFP - 21/07/2024

Na vila olímpica e em outros projetos, vocês têm utilizado “wood frame” (painéis de madeira industrializada), que tem ganhado mais espaço na Europa nos últimos anos. Poderia ser assim no Brasil?

É um setor industrial que precisa se desenvolver muito no Brasil. Na França, se desenvolveu de modo bastante recente, mas em um movimento de aceleração grande e rápido. Podemos falar também de pedra, terra natural, materiais de isolamento térmico com lã e trigo. Os materiais naturais estão se desenvolvendo muito em função da redução de carbono. A nova norma (francesa, de redução paulatina na emissão de poluentes na cadeia construtiva) não só considera as performances térmica e energética: considera os materiais com os quais são feitos. Enquanto não se chegar a essa consciência sobre o que cada elemento de construção traz, de carbono e poluição, enquanto não tornar isso uma norma a se respeitar, vai ser difícil evoluir o mercado. Precisa ter incentivo a isso, o que de fato ocorreu na França. Obrigou todo mundo a se adequar. Não é um mínimo, é um máximo, um crédito de carbono.

Saiba como ficará a vila de atletas após os Jogos Olímpicos de Paris

A vila abrange áreas em três comunas nas imediações de Paris: Saint-Denis, Saint-Ouen e L’Île-Saint-Denis, no departamento Seine-Saint-Denis. Segundo a organização, após os jogos, passará por algumas intervenções extras. Ao fim, terá cerca de:

  • 2,8 mil apartamentos (2 mil para famílias e 800 para estudantes);
  • um hotel;
  • um parque de três hectares de extensão;
  • sete hectares de praças e jardins;
  • 120 mil m² de escritórios e serviços;
  • 3,2 mil m² de comércios locais;
  • 9 mil árvores;
  • duas escolas, duas creches e um ginásio.

Na divulgação do projeto, a organização tem destacado que a primeira vila olímpica da história também foi na região de Paris, há 100 anos. A ideia é que a atual contemple 6 mil moradias e 6 mil empregos, dos quais 2,5 mil em escritórios do Ministério do Interior.

“Foi concebido para se tornar um bairro urbano autêntico, animado e sustentável, preparado para enfrentar os desafios do século 21, particularmente no que diz respeito ao fornecimento de energia e adaptação às mudanças climáticas”, diz a descrição da organização.

Dentre os pontos destacados, estão:

  • utilização massiva de materiais de construção naturais;
  • redução de 50% da pegada de carbono ao longo do ciclo de vida dos edifícios (em comparação a construções nos padrões mais comuns do mercado);
  • uso de tecnologia geotérmica e solar para aquecimento e resfriamento;
  • tratamento de águas residuais para reutilização;
  • sensores para monitoramento da qualidade de ar.

Uma antiga área industrial de 54 hectares a norte de Paris passou por uma extensa transformação até se tornar a vila que receberá mais de 14 mil atletas e acompanhantes nos Jogos Olímpicos de 2024, em julho e agosto, além de mais 8 mil paratletas em setembro.

Com o slogan “construa menos, melhor e mais útil”, esta edição busca ser uma vitrine das “cidades compactas”. Após as Olimpíadas e Paralimpíadas, o vilarejo se tornará um bairro multiuso, para futuros 6 mil moradores e 6 mil trabalhadores de diferentes perfis e classes sociais.

Criada na confluência de localidades vizinhas a Paris, a vila olímpica foi anunciada como um modelo de planejamento urbano mais sustentável diante das mudanças climáticas. É a dita “cidade de 15 minutos”, que a capital francesa defende há anos, na qual o que o necessário e básico (trabalho, moradia, lazer, comércios e serviços) está a um “quarto de hora” ou menos.

Em meio aos tantos profissionais envolvidos no planejamento e construção dessa “minicidade”, está o escritório de arquitetura franco-brasileiro Triptyque. Com sedes na capital francesa e em São Paulo, foi responsável pela elaboração de um dos prédios do vilarejo, que receberá atletas da delegação dos Estados Unidos e, futuramente, será transformado em habitação para a população de baixa renda.

Projeto do escritório franco-brasileiro utilizou revestimento em madeira Foto: Salem Mostefaoui/Divulgação/Triptyque

O Estadão entrevistou Guillaume Sibaud, um dos sócios do escritório. Em São Paulo, o Triptyque projetou diversos prédios, como o Harmonia 1250, na zona oeste, e esteve entre os envolvidos em grandes empreendimentos que deram uma nova cara a espaços já existentes, como a Cidade Matarazzo e o antigo Red Bull Station, ambos na região central.

Na vila olímpica, o desenvolvimento envolveu reuniões em conjunto com outros escritórios e a companhia responsável pelo vilarejo (a Solideo). O espaço foi pensado para fazer melhor aproveitamento das características naturais do entorno, assim como adotou materiais não tão comuns no Brasil, como a madeira industrializada.

Na entrevista, Sibaud defende um planejamento urbano mais integrado e a adoção de técnicas que reduzam a pegada de carbono. Também, opinou sobre a utilização de ar-condicionado portátil por uma parte das delegações durante os jogos.

Confira alguns trechos da entrevista abaixo e, na sequência, saiba mais detalhes sobre o projeto da vila após as Olimpíadas.

Como descreve esse projeto?

É no norte de Paris, em uma área muito carente, um território industrial. No entorno da La Cité du Cinéma, (de estúdios) do Luc Besson (cineasta conhecido pelos filmes O Profissional, O Quinto Elemento, Joana D’Arc e outros). Cada bloco de prédios teve um escritório diferente após um processo de seleção, de entrevista. Vai deixar um bairro operacional bem integrado e, por isso, foi uma escolha certeira.

Como foi trabalhar no desenvolvimento da vila olímpica?

O nosso prédio vai acolher mais ou menos 450 atletas em unidades que vão, depois, virar moradias sociais. É em formato de U, com dois (predinhos) menores. (A vila olímpica) Foi uma obra grande, um bairro pioneiro em termos de objetivos ligados à sustentabilidade, no uso de materiais. Cada prédio tinha uma “cota carbono”. O nosso prédio foi escolhido para a seleção americana. É bacana pensar que prédios dos americanos foram feitos por franco-brasileiros.

Projeto da Triptyque envolve quartos para 450 atletas e outros membros da delegação Foto: Salem Mostefaoui/Divulgação/Triptyque

Como o prédio foi pensado para ser mais sustentável?

É um prédio de concreto de baixo carbono, com um envelope de painel de madeira, para o isolamento térmico e revestimento. Todos os apartamentos têm acesso a uma luz natural muito boa. Tem telhado verde (com jardins), mas não é a parte mais importante. A parte mais importante é a inteligência da configuração em relação à rotação solar e ventilação. São 11 pavimentos, com comércio no térreo. A ideia é de uma cidade compacta e para diversas populações.

Seria possível um empreendimento desse tipo no Brasil? Quais seriam as dificuldades?

A dificuldade principal é de mobilizar uma série de atores em prol de uma ação urbanística. Não precisa ser nessa escala. Primeiro, precisa pensar em um plano urbano, nos terrenos, nas construções, ter olhar holístico para a interação entre interesses privado e público, o que gera essa qualidade de moradia e bairro. Deveria se intensificar, no meu ponto de vista. Quebrar alguns paradigmas, integrar moradias sociais à incorporação (misturando apartamentos de diferentes rendas). Não vejo muito empecilho. Deveria ser possível. Precisa investir mais no projeto. O tempo do projeto é um pouco mais longo, porque precisa primeiro fazer os estudos urbanos, integrar a malha de transporte, depois viabilizar terrenos. Para incorporar (terrenos), não é necessariamente mais caro. O calendário com investimento de natureza pública, como no viário, em infraestrutura de transporte, isso sim é.

O que acha da decisão de algumas delegações de levarem aparelhos de ar-condicionado para a vila olímpica?

O que define a arquitetura (desse projeto, diante da demanda local) é muito mais a necessidade de ter bom aproveitamento térmico durante o inverno do que durante o verão. As ondas de calor são limitadas no tempo. A gente prefere trabalhar em medidas passivas, como ventilação cruzada, assumindo que haverá alguns dias de calor. (O calor) Vai ser mais crítico durante as Olimpíadas, mas são 15 dias para um prédio que pode ficar por muitos anos. Se a decisão de algumas delegações é de levar ar-condicionado móvel, como é o caso do Brasil, é perfeitamente entendível dos dois lados. Para quem produziu o vilarejo, não era muito coerente. Mas entendi que há delegações que têm esse costume. Não é uma coisa tão universal (usar ar-condicionado com frequência). Na Europa, se tem um costume baixo de ar condicionado. As pessoas costumam se virar sem.

Tocha dos Jogos Olímpicos de 2024, de Paris Foto: Kirill Kudryavtsev/AFP - 21/07/2024

Na vila olímpica e em outros projetos, vocês têm utilizado “wood frame” (painéis de madeira industrializada), que tem ganhado mais espaço na Europa nos últimos anos. Poderia ser assim no Brasil?

É um setor industrial que precisa se desenvolver muito no Brasil. Na França, se desenvolveu de modo bastante recente, mas em um movimento de aceleração grande e rápido. Podemos falar também de pedra, terra natural, materiais de isolamento térmico com lã e trigo. Os materiais naturais estão se desenvolvendo muito em função da redução de carbono. A nova norma (francesa, de redução paulatina na emissão de poluentes na cadeia construtiva) não só considera as performances térmica e energética: considera os materiais com os quais são feitos. Enquanto não se chegar a essa consciência sobre o que cada elemento de construção traz, de carbono e poluição, enquanto não tornar isso uma norma a se respeitar, vai ser difícil evoluir o mercado. Precisa ter incentivo a isso, o que de fato ocorreu na França. Obrigou todo mundo a se adequar. Não é um mínimo, é um máximo, um crédito de carbono.

Saiba como ficará a vila de atletas após os Jogos Olímpicos de Paris

A vila abrange áreas em três comunas nas imediações de Paris: Saint-Denis, Saint-Ouen e L’Île-Saint-Denis, no departamento Seine-Saint-Denis. Segundo a organização, após os jogos, passará por algumas intervenções extras. Ao fim, terá cerca de:

  • 2,8 mil apartamentos (2 mil para famílias e 800 para estudantes);
  • um hotel;
  • um parque de três hectares de extensão;
  • sete hectares de praças e jardins;
  • 120 mil m² de escritórios e serviços;
  • 3,2 mil m² de comércios locais;
  • 9 mil árvores;
  • duas escolas, duas creches e um ginásio.

Na divulgação do projeto, a organização tem destacado que a primeira vila olímpica da história também foi na região de Paris, há 100 anos. A ideia é que a atual contemple 6 mil moradias e 6 mil empregos, dos quais 2,5 mil em escritórios do Ministério do Interior.

“Foi concebido para se tornar um bairro urbano autêntico, animado e sustentável, preparado para enfrentar os desafios do século 21, particularmente no que diz respeito ao fornecimento de energia e adaptação às mudanças climáticas”, diz a descrição da organização.

Dentre os pontos destacados, estão:

  • utilização massiva de materiais de construção naturais;
  • redução de 50% da pegada de carbono ao longo do ciclo de vida dos edifícios (em comparação a construções nos padrões mais comuns do mercado);
  • uso de tecnologia geotérmica e solar para aquecimento e resfriamento;
  • tratamento de águas residuais para reutilização;
  • sensores para monitoramento da qualidade de ar.

Uma antiga área industrial de 54 hectares a norte de Paris passou por uma extensa transformação até se tornar a vila que receberá mais de 14 mil atletas e acompanhantes nos Jogos Olímpicos de 2024, em julho e agosto, além de mais 8 mil paratletas em setembro.

Com o slogan “construa menos, melhor e mais útil”, esta edição busca ser uma vitrine das “cidades compactas”. Após as Olimpíadas e Paralimpíadas, o vilarejo se tornará um bairro multiuso, para futuros 6 mil moradores e 6 mil trabalhadores de diferentes perfis e classes sociais.

Criada na confluência de localidades vizinhas a Paris, a vila olímpica foi anunciada como um modelo de planejamento urbano mais sustentável diante das mudanças climáticas. É a dita “cidade de 15 minutos”, que a capital francesa defende há anos, na qual o que o necessário e básico (trabalho, moradia, lazer, comércios e serviços) está a um “quarto de hora” ou menos.

Em meio aos tantos profissionais envolvidos no planejamento e construção dessa “minicidade”, está o escritório de arquitetura franco-brasileiro Triptyque. Com sedes na capital francesa e em São Paulo, foi responsável pela elaboração de um dos prédios do vilarejo, que receberá atletas da delegação dos Estados Unidos e, futuramente, será transformado em habitação para a população de baixa renda.

Projeto do escritório franco-brasileiro utilizou revestimento em madeira Foto: Salem Mostefaoui/Divulgação/Triptyque

O Estadão entrevistou Guillaume Sibaud, um dos sócios do escritório. Em São Paulo, o Triptyque projetou diversos prédios, como o Harmonia 1250, na zona oeste, e esteve entre os envolvidos em grandes empreendimentos que deram uma nova cara a espaços já existentes, como a Cidade Matarazzo e o antigo Red Bull Station, ambos na região central.

Na vila olímpica, o desenvolvimento envolveu reuniões em conjunto com outros escritórios e a companhia responsável pelo vilarejo (a Solideo). O espaço foi pensado para fazer melhor aproveitamento das características naturais do entorno, assim como adotou materiais não tão comuns no Brasil, como a madeira industrializada.

Na entrevista, Sibaud defende um planejamento urbano mais integrado e a adoção de técnicas que reduzam a pegada de carbono. Também, opinou sobre a utilização de ar-condicionado portátil por uma parte das delegações durante os jogos.

Confira alguns trechos da entrevista abaixo e, na sequência, saiba mais detalhes sobre o projeto da vila após as Olimpíadas.

Como descreve esse projeto?

É no norte de Paris, em uma área muito carente, um território industrial. No entorno da La Cité du Cinéma, (de estúdios) do Luc Besson (cineasta conhecido pelos filmes O Profissional, O Quinto Elemento, Joana D’Arc e outros). Cada bloco de prédios teve um escritório diferente após um processo de seleção, de entrevista. Vai deixar um bairro operacional bem integrado e, por isso, foi uma escolha certeira.

Como foi trabalhar no desenvolvimento da vila olímpica?

O nosso prédio vai acolher mais ou menos 450 atletas em unidades que vão, depois, virar moradias sociais. É em formato de U, com dois (predinhos) menores. (A vila olímpica) Foi uma obra grande, um bairro pioneiro em termos de objetivos ligados à sustentabilidade, no uso de materiais. Cada prédio tinha uma “cota carbono”. O nosso prédio foi escolhido para a seleção americana. É bacana pensar que prédios dos americanos foram feitos por franco-brasileiros.

Projeto da Triptyque envolve quartos para 450 atletas e outros membros da delegação Foto: Salem Mostefaoui/Divulgação/Triptyque

Como o prédio foi pensado para ser mais sustentável?

É um prédio de concreto de baixo carbono, com um envelope de painel de madeira, para o isolamento térmico e revestimento. Todos os apartamentos têm acesso a uma luz natural muito boa. Tem telhado verde (com jardins), mas não é a parte mais importante. A parte mais importante é a inteligência da configuração em relação à rotação solar e ventilação. São 11 pavimentos, com comércio no térreo. A ideia é de uma cidade compacta e para diversas populações.

Seria possível um empreendimento desse tipo no Brasil? Quais seriam as dificuldades?

A dificuldade principal é de mobilizar uma série de atores em prol de uma ação urbanística. Não precisa ser nessa escala. Primeiro, precisa pensar em um plano urbano, nos terrenos, nas construções, ter olhar holístico para a interação entre interesses privado e público, o que gera essa qualidade de moradia e bairro. Deveria se intensificar, no meu ponto de vista. Quebrar alguns paradigmas, integrar moradias sociais à incorporação (misturando apartamentos de diferentes rendas). Não vejo muito empecilho. Deveria ser possível. Precisa investir mais no projeto. O tempo do projeto é um pouco mais longo, porque precisa primeiro fazer os estudos urbanos, integrar a malha de transporte, depois viabilizar terrenos. Para incorporar (terrenos), não é necessariamente mais caro. O calendário com investimento de natureza pública, como no viário, em infraestrutura de transporte, isso sim é.

O que acha da decisão de algumas delegações de levarem aparelhos de ar-condicionado para a vila olímpica?

O que define a arquitetura (desse projeto, diante da demanda local) é muito mais a necessidade de ter bom aproveitamento térmico durante o inverno do que durante o verão. As ondas de calor são limitadas no tempo. A gente prefere trabalhar em medidas passivas, como ventilação cruzada, assumindo que haverá alguns dias de calor. (O calor) Vai ser mais crítico durante as Olimpíadas, mas são 15 dias para um prédio que pode ficar por muitos anos. Se a decisão de algumas delegações é de levar ar-condicionado móvel, como é o caso do Brasil, é perfeitamente entendível dos dois lados. Para quem produziu o vilarejo, não era muito coerente. Mas entendi que há delegações que têm esse costume. Não é uma coisa tão universal (usar ar-condicionado com frequência). Na Europa, se tem um costume baixo de ar condicionado. As pessoas costumam se virar sem.

Tocha dos Jogos Olímpicos de 2024, de Paris Foto: Kirill Kudryavtsev/AFP - 21/07/2024

Na vila olímpica e em outros projetos, vocês têm utilizado “wood frame” (painéis de madeira industrializada), que tem ganhado mais espaço na Europa nos últimos anos. Poderia ser assim no Brasil?

É um setor industrial que precisa se desenvolver muito no Brasil. Na França, se desenvolveu de modo bastante recente, mas em um movimento de aceleração grande e rápido. Podemos falar também de pedra, terra natural, materiais de isolamento térmico com lã e trigo. Os materiais naturais estão se desenvolvendo muito em função da redução de carbono. A nova norma (francesa, de redução paulatina na emissão de poluentes na cadeia construtiva) não só considera as performances térmica e energética: considera os materiais com os quais são feitos. Enquanto não se chegar a essa consciência sobre o que cada elemento de construção traz, de carbono e poluição, enquanto não tornar isso uma norma a se respeitar, vai ser difícil evoluir o mercado. Precisa ter incentivo a isso, o que de fato ocorreu na França. Obrigou todo mundo a se adequar. Não é um mínimo, é um máximo, um crédito de carbono.

Saiba como ficará a vila de atletas após os Jogos Olímpicos de Paris

A vila abrange áreas em três comunas nas imediações de Paris: Saint-Denis, Saint-Ouen e L’Île-Saint-Denis, no departamento Seine-Saint-Denis. Segundo a organização, após os jogos, passará por algumas intervenções extras. Ao fim, terá cerca de:

  • 2,8 mil apartamentos (2 mil para famílias e 800 para estudantes);
  • um hotel;
  • um parque de três hectares de extensão;
  • sete hectares de praças e jardins;
  • 120 mil m² de escritórios e serviços;
  • 3,2 mil m² de comércios locais;
  • 9 mil árvores;
  • duas escolas, duas creches e um ginásio.

Na divulgação do projeto, a organização tem destacado que a primeira vila olímpica da história também foi na região de Paris, há 100 anos. A ideia é que a atual contemple 6 mil moradias e 6 mil empregos, dos quais 2,5 mil em escritórios do Ministério do Interior.

“Foi concebido para se tornar um bairro urbano autêntico, animado e sustentável, preparado para enfrentar os desafios do século 21, particularmente no que diz respeito ao fornecimento de energia e adaptação às mudanças climáticas”, diz a descrição da organização.

Dentre os pontos destacados, estão:

  • utilização massiva de materiais de construção naturais;
  • redução de 50% da pegada de carbono ao longo do ciclo de vida dos edifícios (em comparação a construções nos padrões mais comuns do mercado);
  • uso de tecnologia geotérmica e solar para aquecimento e resfriamento;
  • tratamento de águas residuais para reutilização;
  • sensores para monitoramento da qualidade de ar.

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