Bioluminescência abre novos caminhos na pesquisa científica


Processo biológico pelo qual animais emitem luz pode ajudar a melhorar cultivo de alimentos, detectar poluição e iluminar ruas.

Por Paul Rincon

A bioluminescência, ou o processo biológico pelo qual animais, como o vaga-lume e a água-viva, emitem luz a partir de suas células, já provocou revoluções importantes na ciência, especialmente na área da saúde. As proteínas da bioluminescência foram usadas como ferramentas na descoberta de novos medicamentos e têm sido aplicadas amplamente na pesquisa biomédica, na qual são usadas para estudar os processos biológicos das células vivas. Mas, agora, muitos cientistas estão tentando aplicar os conceitos dessa "luz natural" em atividades como a melhoria do cultivo de alimentos, a detecção da poluição ou até mesmo a iluminação pública. Uma das ideias, por exemplo, é desenvolver árvores que emitam luz e, dessa forma, possam ser usadas para iluminar as ruas de uma cidade. Darwin Charles Darwin, o pai da Teoria da Evolução, foi um dos primeiros cientistas modernos a documentar o processo. Na noite de janeiro de 1832, próximo à costa de Tenerife, na Espanha, o jovem Darwin vagava pelo convés do navio HMS Beagle. Enquanto olhava distraído para o mar, ele foi surpreendido por um brilho sobrenatural vindo de dentro do oceano. "O mar estava iluminado por inúmeros pontinhos que, no rastro do navio, deixavam uma cor levemente leitosa, quase uniforme", escreveu Darwin. "Quando a água era colocada em uma garrafa, soltava umas faíscas por alguns minutos, antes de se encolher", acrescentou. Darwin estava quase certo ao descrever a luz emitida pelos minúsculos organismos marinhos chamados dinoflagelados. A análise do pai da Teoria da Evolução sobre o fenômeno foi trazida à tona anos depois pelo professor Anthony Campbell, que analisou as notas manuscritas de Darwin guardadas na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Depois de Darwin, demorou mais de um século até que um experimento prático fosse feito para estudar a bioluminescência. Campbell, da Universidade de Cardiff, no País de Gales, realizou uma pesquisa pioneira durante os anos 70 e 80, levando à descoberta de que criaturas vivas produzem luz usando enzimas especiais, chamadas luciferases. Essas enzimas participam de uma reação química nas células, que são responsáveis pela emissão de luz. "Quando eu comecei a pesquisar bioluminescência 40 anos atrás, na escola de medicina de Cardiff, muitas pessoas me olharam estranho e disseram: "Que diabos esse sujeito está fazendo ao trabalhar com animais marinhos? Ele veio de Cambridge para fazer pesquisa médica", conta Campbell. Mercado amplo Mas o cientista estava prestes a explicar o potencial daquele fenômeno. Tendo descoberto as enzimas envolvidas na bioluminescência, ele percebeu que combinando luciferases com outras moléculas, era possível aproveitar a emissão de luz para mensurar processos biológicos. Isso pavimentaria o caminho para uma revolução na pesquisa médica e no diagnóstico clínico. Campbell identificou, por exemplo, que, ao unir a enzima da luminescência a um anticorpo - ou seja, a molécula produzida pelo sistema imunológico humano para autoproteção -, podia diagnosticar uma doença. Isso permitiu aos médicos dispensar os marcadores radioativos que até então eram usados nesses testes. "Esse mercado é agora avaliado em 20 bilhões de libras (R$ 65 bilhões). Qualquer um que vá a um hospital e se submeta a um exame de sangue que meça proteínas virais, proteínas do câncer, hormônios, vitaminas, proteínas de bactérias, drogas, com certeza, estará usando essa técnica", afirmou Campbell à BBC. "Um departamento universitário que não recorra a tais técnicas, não pode ser considerado atualmente de ponta." Problemas de contaminação Outras aplicações do processo ainda estão sendo pesquisadas. Na Universidade de Lausanne, na Suíça, o professor Jan Van der Meer desenvolveu um teste para detectar a presença de arsênio na água potável, usando para isso uma bactéria geneticamente modificada. A contaminação por arsênio nos lençóis freáticos é um problema grave em algumas partes do mundo, especialmente em Bangladesh, na Índia, no Laos e no Vietnã. Os micróbios de Van der Meer foram concebidos para emitir luz quando tivessem contato com componentes em que o arsênio estivesse presente. O experimento consistiu em injetar água potencialmente contaminada em frascos, ativando a bactéria geneticamente modificada dormente. O ponto em que as bactérias emitem luz foi então medido para determinar uma indicação das concentrações da substância mortal na água. O trabalho de Van der Meer está sendo agora comercializado pela empresa alemã Arsoluz. Segundo ele, os kits baseados na bactéria podem ser usados para amostras múltiplas, requerem menos materiais do que outros kits tradicionais e são mais fáceis de preparar. Mas obstáculos regulatórios ainda impedem o uso desse tipo de exame nesses países. Diz Van der Meer: "No fim das contas, trata-se de razões mercadológicas (...) coisas que vão além do seu trabalho como cientista." As chamadas proteínas arco-íris (um subproduto do trabalho com a bioluminescência), que mudam de cor em resposta a componentes específicos, também são uma opção para detectar toxinas, ou potentes agentes de terrorismo, como o antraz. Aplicações práticas Há inúmeras aplicações para a bioluminescência: uma companhia americana recorreu ao processo para produzir bebidas que brilham para venda em casas noturnas. Outros pesquisadores chegaram até a modificar as plantas para que possam emitir luz. Assim, elas podem indicam quando precisam de água ou nutrientes, um sinal de doença ou uma infestação. No entanto, a controvérsia em torno dos alimentos transgênicos até agora fez com que essas ideias não alçassem voos mais altos. Há alguns anos, uma equipe de estudantes de graduação da Universidade de Cambridge pesquisou a ideia das árvores luminescentes que atuam como "luminárias" naturais. Esforços anteriores de criar em laboratório plantas que emitem luz se concentraram em usar o gene luciferase derivado de vaga-lumes. Mas essas plantas só podiam produzir luz quando alimentadas com uma substância química cara chamada luciferina. O método usado pela equipe de Cambridge, entretanto, baseou-se em agrupamentos de bactérias que produzem seus próprios compostos de bioluminescência e que, por isso, é mais barato, porque permite às plantas se alimentarem de nutrientes normais. Plantas e árvores Em 2010, uma outra equipe de pesquisadores publicou um estudo em que dizem ter demonstrado que tais métodos podem ser usados para criar plantas que emitem luz sem a necessidade de suplementos químicos. O grupo, formado por cientistas israelenses e americanos, inseriu genes emissores de luz de uma bactéria nos cloroplastos das plantas - as estruturas em suas células responsáveis pela conversão da energia solar em luz. Sanderson, que agora trabalha no Instituto Sanger, perto de Cambridge, disse que o experimento foi uma escolha acertada, pois os cloroplastos são essencialmente bactérias que foram incorporadas às células das plantas e, portanto, podem ser facilmente ativar o gene da bioluminescência sem a necessidade de outras alterações. Mas os pesquisadores precisarão ainda encontrar formas de aumentar a emissão de luz de tais organismos de laboratório para que árvores geneticamente modificadas possam iluminar aglomerações urbanas. Campbell diz que o potencial das proteínas luminescentes na descoberta de novas drogas e na pesquisa médica ainda não foi totalmente aproveitado e, por isso, ele está atualmente colaborando com um projeto para usar a substância luciferase na investigação sobre a doença de Alzheimer. As criaturas bioluminescentes também podem fornecer meios para estudar as mudanças climáticas nos oceanos. Alguns animais obtêm os compostos químicos responsáveis pela emissão de luz de outros organismos dos quais eles se alimentam. Assim, o estudo das interações entre essas espécies podem ajudar os cientistas a detectar alterações nas faunas marinhas. Apesar do impacto no diagnóstico clínico e na pesquisa, Campbell desta que ele só recebeu uma única doação financeira por sua pesquisa sobre a bioluminescência. "No entanto, trata-se de um tema que já permitiu grandes descobertas na biologia e na medicina, além de ter criado um mercado de bilhões de dólares." BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

A bioluminescência, ou o processo biológico pelo qual animais, como o vaga-lume e a água-viva, emitem luz a partir de suas células, já provocou revoluções importantes na ciência, especialmente na área da saúde. As proteínas da bioluminescência foram usadas como ferramentas na descoberta de novos medicamentos e têm sido aplicadas amplamente na pesquisa biomédica, na qual são usadas para estudar os processos biológicos das células vivas. Mas, agora, muitos cientistas estão tentando aplicar os conceitos dessa "luz natural" em atividades como a melhoria do cultivo de alimentos, a detecção da poluição ou até mesmo a iluminação pública. Uma das ideias, por exemplo, é desenvolver árvores que emitam luz e, dessa forma, possam ser usadas para iluminar as ruas de uma cidade. Darwin Charles Darwin, o pai da Teoria da Evolução, foi um dos primeiros cientistas modernos a documentar o processo. Na noite de janeiro de 1832, próximo à costa de Tenerife, na Espanha, o jovem Darwin vagava pelo convés do navio HMS Beagle. Enquanto olhava distraído para o mar, ele foi surpreendido por um brilho sobrenatural vindo de dentro do oceano. "O mar estava iluminado por inúmeros pontinhos que, no rastro do navio, deixavam uma cor levemente leitosa, quase uniforme", escreveu Darwin. "Quando a água era colocada em uma garrafa, soltava umas faíscas por alguns minutos, antes de se encolher", acrescentou. Darwin estava quase certo ao descrever a luz emitida pelos minúsculos organismos marinhos chamados dinoflagelados. A análise do pai da Teoria da Evolução sobre o fenômeno foi trazida à tona anos depois pelo professor Anthony Campbell, que analisou as notas manuscritas de Darwin guardadas na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Depois de Darwin, demorou mais de um século até que um experimento prático fosse feito para estudar a bioluminescência. Campbell, da Universidade de Cardiff, no País de Gales, realizou uma pesquisa pioneira durante os anos 70 e 80, levando à descoberta de que criaturas vivas produzem luz usando enzimas especiais, chamadas luciferases. Essas enzimas participam de uma reação química nas células, que são responsáveis pela emissão de luz. "Quando eu comecei a pesquisar bioluminescência 40 anos atrás, na escola de medicina de Cardiff, muitas pessoas me olharam estranho e disseram: "Que diabos esse sujeito está fazendo ao trabalhar com animais marinhos? Ele veio de Cambridge para fazer pesquisa médica", conta Campbell. Mercado amplo Mas o cientista estava prestes a explicar o potencial daquele fenômeno. Tendo descoberto as enzimas envolvidas na bioluminescência, ele percebeu que combinando luciferases com outras moléculas, era possível aproveitar a emissão de luz para mensurar processos biológicos. Isso pavimentaria o caminho para uma revolução na pesquisa médica e no diagnóstico clínico. Campbell identificou, por exemplo, que, ao unir a enzima da luminescência a um anticorpo - ou seja, a molécula produzida pelo sistema imunológico humano para autoproteção -, podia diagnosticar uma doença. Isso permitiu aos médicos dispensar os marcadores radioativos que até então eram usados nesses testes. "Esse mercado é agora avaliado em 20 bilhões de libras (R$ 65 bilhões). Qualquer um que vá a um hospital e se submeta a um exame de sangue que meça proteínas virais, proteínas do câncer, hormônios, vitaminas, proteínas de bactérias, drogas, com certeza, estará usando essa técnica", afirmou Campbell à BBC. "Um departamento universitário que não recorra a tais técnicas, não pode ser considerado atualmente de ponta." Problemas de contaminação Outras aplicações do processo ainda estão sendo pesquisadas. Na Universidade de Lausanne, na Suíça, o professor Jan Van der Meer desenvolveu um teste para detectar a presença de arsênio na água potável, usando para isso uma bactéria geneticamente modificada. A contaminação por arsênio nos lençóis freáticos é um problema grave em algumas partes do mundo, especialmente em Bangladesh, na Índia, no Laos e no Vietnã. Os micróbios de Van der Meer foram concebidos para emitir luz quando tivessem contato com componentes em que o arsênio estivesse presente. O experimento consistiu em injetar água potencialmente contaminada em frascos, ativando a bactéria geneticamente modificada dormente. O ponto em que as bactérias emitem luz foi então medido para determinar uma indicação das concentrações da substância mortal na água. O trabalho de Van der Meer está sendo agora comercializado pela empresa alemã Arsoluz. Segundo ele, os kits baseados na bactéria podem ser usados para amostras múltiplas, requerem menos materiais do que outros kits tradicionais e são mais fáceis de preparar. Mas obstáculos regulatórios ainda impedem o uso desse tipo de exame nesses países. Diz Van der Meer: "No fim das contas, trata-se de razões mercadológicas (...) coisas que vão além do seu trabalho como cientista." As chamadas proteínas arco-íris (um subproduto do trabalho com a bioluminescência), que mudam de cor em resposta a componentes específicos, também são uma opção para detectar toxinas, ou potentes agentes de terrorismo, como o antraz. Aplicações práticas Há inúmeras aplicações para a bioluminescência: uma companhia americana recorreu ao processo para produzir bebidas que brilham para venda em casas noturnas. Outros pesquisadores chegaram até a modificar as plantas para que possam emitir luz. Assim, elas podem indicam quando precisam de água ou nutrientes, um sinal de doença ou uma infestação. No entanto, a controvérsia em torno dos alimentos transgênicos até agora fez com que essas ideias não alçassem voos mais altos. Há alguns anos, uma equipe de estudantes de graduação da Universidade de Cambridge pesquisou a ideia das árvores luminescentes que atuam como "luminárias" naturais. Esforços anteriores de criar em laboratório plantas que emitem luz se concentraram em usar o gene luciferase derivado de vaga-lumes. Mas essas plantas só podiam produzir luz quando alimentadas com uma substância química cara chamada luciferina. O método usado pela equipe de Cambridge, entretanto, baseou-se em agrupamentos de bactérias que produzem seus próprios compostos de bioluminescência e que, por isso, é mais barato, porque permite às plantas se alimentarem de nutrientes normais. Plantas e árvores Em 2010, uma outra equipe de pesquisadores publicou um estudo em que dizem ter demonstrado que tais métodos podem ser usados para criar plantas que emitem luz sem a necessidade de suplementos químicos. O grupo, formado por cientistas israelenses e americanos, inseriu genes emissores de luz de uma bactéria nos cloroplastos das plantas - as estruturas em suas células responsáveis pela conversão da energia solar em luz. Sanderson, que agora trabalha no Instituto Sanger, perto de Cambridge, disse que o experimento foi uma escolha acertada, pois os cloroplastos são essencialmente bactérias que foram incorporadas às células das plantas e, portanto, podem ser facilmente ativar o gene da bioluminescência sem a necessidade de outras alterações. Mas os pesquisadores precisarão ainda encontrar formas de aumentar a emissão de luz de tais organismos de laboratório para que árvores geneticamente modificadas possam iluminar aglomerações urbanas. Campbell diz que o potencial das proteínas luminescentes na descoberta de novas drogas e na pesquisa médica ainda não foi totalmente aproveitado e, por isso, ele está atualmente colaborando com um projeto para usar a substância luciferase na investigação sobre a doença de Alzheimer. As criaturas bioluminescentes também podem fornecer meios para estudar as mudanças climáticas nos oceanos. Alguns animais obtêm os compostos químicos responsáveis pela emissão de luz de outros organismos dos quais eles se alimentam. Assim, o estudo das interações entre essas espécies podem ajudar os cientistas a detectar alterações nas faunas marinhas. Apesar do impacto no diagnóstico clínico e na pesquisa, Campbell desta que ele só recebeu uma única doação financeira por sua pesquisa sobre a bioluminescência. "No entanto, trata-se de um tema que já permitiu grandes descobertas na biologia e na medicina, além de ter criado um mercado de bilhões de dólares." BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

A bioluminescência, ou o processo biológico pelo qual animais, como o vaga-lume e a água-viva, emitem luz a partir de suas células, já provocou revoluções importantes na ciência, especialmente na área da saúde. As proteínas da bioluminescência foram usadas como ferramentas na descoberta de novos medicamentos e têm sido aplicadas amplamente na pesquisa biomédica, na qual são usadas para estudar os processos biológicos das células vivas. Mas, agora, muitos cientistas estão tentando aplicar os conceitos dessa "luz natural" em atividades como a melhoria do cultivo de alimentos, a detecção da poluição ou até mesmo a iluminação pública. Uma das ideias, por exemplo, é desenvolver árvores que emitam luz e, dessa forma, possam ser usadas para iluminar as ruas de uma cidade. Darwin Charles Darwin, o pai da Teoria da Evolução, foi um dos primeiros cientistas modernos a documentar o processo. Na noite de janeiro de 1832, próximo à costa de Tenerife, na Espanha, o jovem Darwin vagava pelo convés do navio HMS Beagle. Enquanto olhava distraído para o mar, ele foi surpreendido por um brilho sobrenatural vindo de dentro do oceano. "O mar estava iluminado por inúmeros pontinhos que, no rastro do navio, deixavam uma cor levemente leitosa, quase uniforme", escreveu Darwin. "Quando a água era colocada em uma garrafa, soltava umas faíscas por alguns minutos, antes de se encolher", acrescentou. Darwin estava quase certo ao descrever a luz emitida pelos minúsculos organismos marinhos chamados dinoflagelados. A análise do pai da Teoria da Evolução sobre o fenômeno foi trazida à tona anos depois pelo professor Anthony Campbell, que analisou as notas manuscritas de Darwin guardadas na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Depois de Darwin, demorou mais de um século até que um experimento prático fosse feito para estudar a bioluminescência. Campbell, da Universidade de Cardiff, no País de Gales, realizou uma pesquisa pioneira durante os anos 70 e 80, levando à descoberta de que criaturas vivas produzem luz usando enzimas especiais, chamadas luciferases. Essas enzimas participam de uma reação química nas células, que são responsáveis pela emissão de luz. "Quando eu comecei a pesquisar bioluminescência 40 anos atrás, na escola de medicina de Cardiff, muitas pessoas me olharam estranho e disseram: "Que diabos esse sujeito está fazendo ao trabalhar com animais marinhos? Ele veio de Cambridge para fazer pesquisa médica", conta Campbell. Mercado amplo Mas o cientista estava prestes a explicar o potencial daquele fenômeno. Tendo descoberto as enzimas envolvidas na bioluminescência, ele percebeu que combinando luciferases com outras moléculas, era possível aproveitar a emissão de luz para mensurar processos biológicos. Isso pavimentaria o caminho para uma revolução na pesquisa médica e no diagnóstico clínico. Campbell identificou, por exemplo, que, ao unir a enzima da luminescência a um anticorpo - ou seja, a molécula produzida pelo sistema imunológico humano para autoproteção -, podia diagnosticar uma doença. Isso permitiu aos médicos dispensar os marcadores radioativos que até então eram usados nesses testes. "Esse mercado é agora avaliado em 20 bilhões de libras (R$ 65 bilhões). Qualquer um que vá a um hospital e se submeta a um exame de sangue que meça proteínas virais, proteínas do câncer, hormônios, vitaminas, proteínas de bactérias, drogas, com certeza, estará usando essa técnica", afirmou Campbell à BBC. "Um departamento universitário que não recorra a tais técnicas, não pode ser considerado atualmente de ponta." Problemas de contaminação Outras aplicações do processo ainda estão sendo pesquisadas. Na Universidade de Lausanne, na Suíça, o professor Jan Van der Meer desenvolveu um teste para detectar a presença de arsênio na água potável, usando para isso uma bactéria geneticamente modificada. A contaminação por arsênio nos lençóis freáticos é um problema grave em algumas partes do mundo, especialmente em Bangladesh, na Índia, no Laos e no Vietnã. Os micróbios de Van der Meer foram concebidos para emitir luz quando tivessem contato com componentes em que o arsênio estivesse presente. O experimento consistiu em injetar água potencialmente contaminada em frascos, ativando a bactéria geneticamente modificada dormente. O ponto em que as bactérias emitem luz foi então medido para determinar uma indicação das concentrações da substância mortal na água. O trabalho de Van der Meer está sendo agora comercializado pela empresa alemã Arsoluz. Segundo ele, os kits baseados na bactéria podem ser usados para amostras múltiplas, requerem menos materiais do que outros kits tradicionais e são mais fáceis de preparar. Mas obstáculos regulatórios ainda impedem o uso desse tipo de exame nesses países. Diz Van der Meer: "No fim das contas, trata-se de razões mercadológicas (...) coisas que vão além do seu trabalho como cientista." As chamadas proteínas arco-íris (um subproduto do trabalho com a bioluminescência), que mudam de cor em resposta a componentes específicos, também são uma opção para detectar toxinas, ou potentes agentes de terrorismo, como o antraz. Aplicações práticas Há inúmeras aplicações para a bioluminescência: uma companhia americana recorreu ao processo para produzir bebidas que brilham para venda em casas noturnas. Outros pesquisadores chegaram até a modificar as plantas para que possam emitir luz. Assim, elas podem indicam quando precisam de água ou nutrientes, um sinal de doença ou uma infestação. No entanto, a controvérsia em torno dos alimentos transgênicos até agora fez com que essas ideias não alçassem voos mais altos. Há alguns anos, uma equipe de estudantes de graduação da Universidade de Cambridge pesquisou a ideia das árvores luminescentes que atuam como "luminárias" naturais. Esforços anteriores de criar em laboratório plantas que emitem luz se concentraram em usar o gene luciferase derivado de vaga-lumes. Mas essas plantas só podiam produzir luz quando alimentadas com uma substância química cara chamada luciferina. O método usado pela equipe de Cambridge, entretanto, baseou-se em agrupamentos de bactérias que produzem seus próprios compostos de bioluminescência e que, por isso, é mais barato, porque permite às plantas se alimentarem de nutrientes normais. Plantas e árvores Em 2010, uma outra equipe de pesquisadores publicou um estudo em que dizem ter demonstrado que tais métodos podem ser usados para criar plantas que emitem luz sem a necessidade de suplementos químicos. O grupo, formado por cientistas israelenses e americanos, inseriu genes emissores de luz de uma bactéria nos cloroplastos das plantas - as estruturas em suas células responsáveis pela conversão da energia solar em luz. Sanderson, que agora trabalha no Instituto Sanger, perto de Cambridge, disse que o experimento foi uma escolha acertada, pois os cloroplastos são essencialmente bactérias que foram incorporadas às células das plantas e, portanto, podem ser facilmente ativar o gene da bioluminescência sem a necessidade de outras alterações. Mas os pesquisadores precisarão ainda encontrar formas de aumentar a emissão de luz de tais organismos de laboratório para que árvores geneticamente modificadas possam iluminar aglomerações urbanas. Campbell diz que o potencial das proteínas luminescentes na descoberta de novas drogas e na pesquisa médica ainda não foi totalmente aproveitado e, por isso, ele está atualmente colaborando com um projeto para usar a substância luciferase na investigação sobre a doença de Alzheimer. As criaturas bioluminescentes também podem fornecer meios para estudar as mudanças climáticas nos oceanos. Alguns animais obtêm os compostos químicos responsáveis pela emissão de luz de outros organismos dos quais eles se alimentam. Assim, o estudo das interações entre essas espécies podem ajudar os cientistas a detectar alterações nas faunas marinhas. Apesar do impacto no diagnóstico clínico e na pesquisa, Campbell desta que ele só recebeu uma única doação financeira por sua pesquisa sobre a bioluminescência. "No entanto, trata-se de um tema que já permitiu grandes descobertas na biologia e na medicina, além de ter criado um mercado de bilhões de dólares." BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

A bioluminescência, ou o processo biológico pelo qual animais, como o vaga-lume e a água-viva, emitem luz a partir de suas células, já provocou revoluções importantes na ciência, especialmente na área da saúde. As proteínas da bioluminescência foram usadas como ferramentas na descoberta de novos medicamentos e têm sido aplicadas amplamente na pesquisa biomédica, na qual são usadas para estudar os processos biológicos das células vivas. Mas, agora, muitos cientistas estão tentando aplicar os conceitos dessa "luz natural" em atividades como a melhoria do cultivo de alimentos, a detecção da poluição ou até mesmo a iluminação pública. Uma das ideias, por exemplo, é desenvolver árvores que emitam luz e, dessa forma, possam ser usadas para iluminar as ruas de uma cidade. Darwin Charles Darwin, o pai da Teoria da Evolução, foi um dos primeiros cientistas modernos a documentar o processo. Na noite de janeiro de 1832, próximo à costa de Tenerife, na Espanha, o jovem Darwin vagava pelo convés do navio HMS Beagle. Enquanto olhava distraído para o mar, ele foi surpreendido por um brilho sobrenatural vindo de dentro do oceano. "O mar estava iluminado por inúmeros pontinhos que, no rastro do navio, deixavam uma cor levemente leitosa, quase uniforme", escreveu Darwin. "Quando a água era colocada em uma garrafa, soltava umas faíscas por alguns minutos, antes de se encolher", acrescentou. Darwin estava quase certo ao descrever a luz emitida pelos minúsculos organismos marinhos chamados dinoflagelados. A análise do pai da Teoria da Evolução sobre o fenômeno foi trazida à tona anos depois pelo professor Anthony Campbell, que analisou as notas manuscritas de Darwin guardadas na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Depois de Darwin, demorou mais de um século até que um experimento prático fosse feito para estudar a bioluminescência. Campbell, da Universidade de Cardiff, no País de Gales, realizou uma pesquisa pioneira durante os anos 70 e 80, levando à descoberta de que criaturas vivas produzem luz usando enzimas especiais, chamadas luciferases. Essas enzimas participam de uma reação química nas células, que são responsáveis pela emissão de luz. "Quando eu comecei a pesquisar bioluminescência 40 anos atrás, na escola de medicina de Cardiff, muitas pessoas me olharam estranho e disseram: "Que diabos esse sujeito está fazendo ao trabalhar com animais marinhos? Ele veio de Cambridge para fazer pesquisa médica", conta Campbell. Mercado amplo Mas o cientista estava prestes a explicar o potencial daquele fenômeno. Tendo descoberto as enzimas envolvidas na bioluminescência, ele percebeu que combinando luciferases com outras moléculas, era possível aproveitar a emissão de luz para mensurar processos biológicos. Isso pavimentaria o caminho para uma revolução na pesquisa médica e no diagnóstico clínico. Campbell identificou, por exemplo, que, ao unir a enzima da luminescência a um anticorpo - ou seja, a molécula produzida pelo sistema imunológico humano para autoproteção -, podia diagnosticar uma doença. Isso permitiu aos médicos dispensar os marcadores radioativos que até então eram usados nesses testes. "Esse mercado é agora avaliado em 20 bilhões de libras (R$ 65 bilhões). Qualquer um que vá a um hospital e se submeta a um exame de sangue que meça proteínas virais, proteínas do câncer, hormônios, vitaminas, proteínas de bactérias, drogas, com certeza, estará usando essa técnica", afirmou Campbell à BBC. "Um departamento universitário que não recorra a tais técnicas, não pode ser considerado atualmente de ponta." Problemas de contaminação Outras aplicações do processo ainda estão sendo pesquisadas. Na Universidade de Lausanne, na Suíça, o professor Jan Van der Meer desenvolveu um teste para detectar a presença de arsênio na água potável, usando para isso uma bactéria geneticamente modificada. A contaminação por arsênio nos lençóis freáticos é um problema grave em algumas partes do mundo, especialmente em Bangladesh, na Índia, no Laos e no Vietnã. Os micróbios de Van der Meer foram concebidos para emitir luz quando tivessem contato com componentes em que o arsênio estivesse presente. O experimento consistiu em injetar água potencialmente contaminada em frascos, ativando a bactéria geneticamente modificada dormente. O ponto em que as bactérias emitem luz foi então medido para determinar uma indicação das concentrações da substância mortal na água. O trabalho de Van der Meer está sendo agora comercializado pela empresa alemã Arsoluz. Segundo ele, os kits baseados na bactéria podem ser usados para amostras múltiplas, requerem menos materiais do que outros kits tradicionais e são mais fáceis de preparar. Mas obstáculos regulatórios ainda impedem o uso desse tipo de exame nesses países. Diz Van der Meer: "No fim das contas, trata-se de razões mercadológicas (...) coisas que vão além do seu trabalho como cientista." As chamadas proteínas arco-íris (um subproduto do trabalho com a bioluminescência), que mudam de cor em resposta a componentes específicos, também são uma opção para detectar toxinas, ou potentes agentes de terrorismo, como o antraz. Aplicações práticas Há inúmeras aplicações para a bioluminescência: uma companhia americana recorreu ao processo para produzir bebidas que brilham para venda em casas noturnas. Outros pesquisadores chegaram até a modificar as plantas para que possam emitir luz. Assim, elas podem indicam quando precisam de água ou nutrientes, um sinal de doença ou uma infestação. No entanto, a controvérsia em torno dos alimentos transgênicos até agora fez com que essas ideias não alçassem voos mais altos. Há alguns anos, uma equipe de estudantes de graduação da Universidade de Cambridge pesquisou a ideia das árvores luminescentes que atuam como "luminárias" naturais. Esforços anteriores de criar em laboratório plantas que emitem luz se concentraram em usar o gene luciferase derivado de vaga-lumes. Mas essas plantas só podiam produzir luz quando alimentadas com uma substância química cara chamada luciferina. O método usado pela equipe de Cambridge, entretanto, baseou-se em agrupamentos de bactérias que produzem seus próprios compostos de bioluminescência e que, por isso, é mais barato, porque permite às plantas se alimentarem de nutrientes normais. Plantas e árvores Em 2010, uma outra equipe de pesquisadores publicou um estudo em que dizem ter demonstrado que tais métodos podem ser usados para criar plantas que emitem luz sem a necessidade de suplementos químicos. O grupo, formado por cientistas israelenses e americanos, inseriu genes emissores de luz de uma bactéria nos cloroplastos das plantas - as estruturas em suas células responsáveis pela conversão da energia solar em luz. Sanderson, que agora trabalha no Instituto Sanger, perto de Cambridge, disse que o experimento foi uma escolha acertada, pois os cloroplastos são essencialmente bactérias que foram incorporadas às células das plantas e, portanto, podem ser facilmente ativar o gene da bioluminescência sem a necessidade de outras alterações. Mas os pesquisadores precisarão ainda encontrar formas de aumentar a emissão de luz de tais organismos de laboratório para que árvores geneticamente modificadas possam iluminar aglomerações urbanas. Campbell diz que o potencial das proteínas luminescentes na descoberta de novas drogas e na pesquisa médica ainda não foi totalmente aproveitado e, por isso, ele está atualmente colaborando com um projeto para usar a substância luciferase na investigação sobre a doença de Alzheimer. As criaturas bioluminescentes também podem fornecer meios para estudar as mudanças climáticas nos oceanos. Alguns animais obtêm os compostos químicos responsáveis pela emissão de luz de outros organismos dos quais eles se alimentam. Assim, o estudo das interações entre essas espécies podem ajudar os cientistas a detectar alterações nas faunas marinhas. Apesar do impacto no diagnóstico clínico e na pesquisa, Campbell desta que ele só recebeu uma única doação financeira por sua pesquisa sobre a bioluminescência. "No entanto, trata-se de um tema que já permitiu grandes descobertas na biologia e na medicina, além de ter criado um mercado de bilhões de dólares." BBC Brasil - Todos os direitos reservados. 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