BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro voltou a criticar o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) pela divulgação dos dados que mostram alta de desmatamento na Amazônia. Bolsonaro, que na sexta-feira, 19, chegou a dizer que os números são mentirosos e acusou o diretor do órgão, Ricardo Galvão, de estar “a serviço de alguma ONG”, afirmou neste domingo que desmatamento tem que ser combatido e não “fazer campanha contra o Brasil”. Para ele, divulgar dados alarmantes “prejudica” o País.
“No mínimo, se o dado fosse alarmante, ele (Galvão) deveria, por questão de responsabilidade, respeito e patriotismo procurar o chefe imediato, no caso o ministro e (dizer): olha ministro, temos uns dados aqui, a gente divulgar, porque devemos divulgar, o senhor se prepare porque vai ter alguma uma crítica. Assim que deve ser feito e não de forma rasa como ele faz, que coloca o Brasil em situação complicada. [...]Um dado desse aí, da maneira de divulgar, prejudica a gente”, disse Bolsonaro.
Ele conversou com a imprensa na chegada a um restaurante, em Brasília, após participar de culto religioso em igreja da cidade, acompanhado da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
De acordo com números divulgados pelo Inpe no início deste mês, o desmatamento na Amazônia Legal brasileira atingiu 920,4 km² em junho, um aumento de 88% em comparação com o mesmo mês no ano passado. Este mês de julho, que ainda não acabou, já apresenta os maiores valores de desmatamento para um mês desde 2015. Até sábado, a perda registrada era de 1.260 km², contra 596,6 km² em julho do ano passado, uma alta de 111%.
Neste sábado, Galvão rebateu as críticas de Bolsonaro em entrevista ao Estado. Ele disse que o presidente teve uma atitude “pusilânime e covarde” e que suas declarações parecem “conversa de botequim”. E lenbrou que os dados do Inpe são referendados internacionalmente e oferecem a taxa oficialmente de desmatamento do País desde 1989.
“O sr. Jair Bolsonaro precisa entender que um presidente da República não pode falar em público, principalmente em uma entrevista coletiva para a imprensa, como se estivesse em uma conversa de botequim. Ele fez comentários impróprios e sem nenhum embasamento e fez ataques inaceitáveis não somente a mim, mas a pessoas que trabalham pela ciência desse País. Ele disse estar convicto de que os dados do Inpe são mentirosos. Mais do que ofensivo a mim, isso foi muito ofensivo à instituição”, afirmou o diretor do Inpe.
E complementou: “Ele tomou uma atitude pusilânime, covarde, de fazer uma declaração em público talvez esperando que peça demissão, mas eu não vou fazer isso. Eu espero que ele me chame a Brasília para eu explicar o dado e que ele tenha coragem de repetir, olhando frente a frente, nos meus olhos. Eu sou um senhor de 71 anos, membro da Academia Brasileira de Ciências, não vou aceitar uma ofensa desse tipo. Ele que tenha coragem de, frente a frente, justificar o que ele está fazendo.”
O presidente minimizou as declarações e o desafio feito por Galvão de repetir as críticas frente a frente. “Ele tem mandato, eu não vou falar com ele. Quem vai falar com ele é o Marcos Pontes (ministro de Ciência e Tecnologia) e talvez também o Ricardo Salles (ministro de Meio Ambiente). O que nós não queremos é uma propaganda negativa para o Brasil. Não queremos fugir da verdade. Aqueles dados pareceram muito com os do ano passado e deram um salto. Então, eu fiquei preocupado com aqueles números, obviamente, mas também fiquei achando que eles poderiam não estar condizentes com a verdade, então, ele vai conversar com esses dois ministros e toca o barco”, declarou Bolsonaro.
Os gráficos divulgados abertamente no site do Inpe mostram que os números deste ano são bem diferentes do ano passado. “O resultado deste mês de julho sim nos surpreendeu, mas lembre-se que o desmatamento da Amazônia é sempre mais intenso na época seca. Agora, naturalmente, o que aconteceu com declarações do presidente Bolsonaro, ainda na campanha e depois que assumiu, passaram uma mensagem de que não vai mais ter punição. Aí as pessoas estão reagindo com base nessa mensagem que ele claramente passou”, afirmou Galvão.
O pesquisador também disse ao Estado que vem tentando desde o início do mês apresentá-los ao governo. “Há três semanas mandei um ofício para o Ministério da Ciência e Tecnologia falando que polêmicas não ajudavam em nada o Brasil, inclusive com relação à repercussão internacional, e propus ao ministro Marcos Pontes abrir um canal de comunicação com o ministro Ricardo Salles, com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, com o general Augusto Heleno (ministro do Gabinete de Segurança Institucional), para explicar o que fazemos, oferecer ferramentas para entenderem melhor os nossos dados e tentar arrefecer esse clima de disputa que havia”, disse.
Segundo ele, não houve resposta. Os ministérios da Ciência e do Meio Ambiente foram procurados no sábado para comentar as declarações de Galvão, mas também não se manifestaram.
Apoio da comunidade científica
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulgou neste domingo uma carta em defesa do Inpe, que foi encaminhada ao presidente Bolsonaro. A entidade aponta que houve "críticas sem fundamento a uma instituição científica, que atua há cerca de 60 anos e com amplo reconhecimento no País e no exterior" e disse que são "ofensivas, inaceitáveis e lesivas ao conhecimento científico".
O documento, elaborado durante a reunião anual da SBPC, também saiu na defesa de Ricardo Galvão. "É um cientista reconhecido internacionalmente, que há décadas contribui para a ciência, tecnologia e inovação do Brasil", ressalta a carta.
"Em ciência, os dados podem ser questionados, porém sempre com argumentos científicos sólidos, e não por motivações de caráter ideológico, político ou de qualquer outra natureza. Desmerecer instituições científicas da qualificação do Inpe gera uma imagem negativa do País e da ciência que é aqui realizada. Reafirmamos nossa confiança na qualidade do monitoramento do desmatamento da Amazônia realizado pelo Inpe (...) e manifestamos nossa preocupação com as ações recentes que colocam em risco um patrimônio científico estratégico para o desenvolvimento do Brasil e para a soberania nacional", escrevem os cientistas.