Admiradas por sua beleza e delicadeza, as borboletas também cumprem um papel chave no equilíbrio dos ecossistemas. Mas esses insetos têm sido cada vez mais ameaçados pela atividade humana. A borboleta-monarca migratória, subespécie icônica da América do Norte, foi incluída na Lista Vermelha de espécies ameaçadas de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) no fim do mês passado.
De acordo com a UICN, a borboleta-monarca teve um declínio populacional entre 23% e 72% nos últimos 10 anos. Ela é conhecida por seu ciclo migratório anual para hibernação, quando milhões de borboletas saem do Canadá e norte dos Estados Unidos e viajam mais de 4 mil quilômetros para passar o inverno em áreas da Califórnia e do México. A subespécie é a única que faz migrações nessa escala.
Embora também haja um tipo de borboleta-monarca no Brasil, a subespécie incluída na Lista Vermelha é apenas a migratória (Danaus plexippus plexippus), específica da América do Norte e do norte da América do Sul.
Isso porque o que está em risco, nesse caso, é o próprio fenômeno migratório das borboletas-monarca. Os motivos para isso incluem a redução do habitat natural nas regiões de migração, em razão do desmatamento em áreas sem proteção ambiental; e as mudanças climáticas, que estão tornando os locais em que as borboletas costumam hibernar mais quentes, desequilibrando o processo metabólico.
“Essas espécies passam o inverno descansando. Se a estação estiver mais quente, elas vão ficar ativas, no sol, gastando energia”, diz André Freitas, professor do Departamento de Biologia Animal da Unicamp e especialista em lepidópteros (ordem de insetos que abarca borboletas e mariposas).
Segundo Freitas, ainda não se sabe até que ponto a sobrevivência da borboleta está ligada à ocorrência dessa migração anual. De qualquer forma, o desmatamento e a perda de habitat ameaçam a continuidade de um processo excepcional, ainda não inteiramente compreendido pelos cientistas. “Se você acabar com um fenômeno único, do ponto de vista de biodiversidade e conhecimento de processos históricos e biológicos do planeta, é uma perda irreversível”, alerta Freitas.
Com 157 mil espécies conhecidas, a ordem Lepidoptera é o segundo maior grupo de animais do mundo em número de espécies.
Método
O relato da IUCN é relevante porque perceber declínios populacionais de animais invertebrados é um desafio – contar insetos é muito mais difícil do que contar mamíferos, e mesmo uma espécie ameaçada pode ter milhões de exemplares. “É impossível saber quantas borboletas existem. Então eles fazem censos com partes da população total”, explica Augusto Rosa, biólogo que estuda espécies de borboletas ameaçadas de extinção.
Rosa observa que, no Brasil, ainda não é possível usar esse método para avaliar o declínio populacional de insetos. Isso se deve ao baixo número de cientistas que pesquisam o tema, e também à alta diversidade da espécie no país – mais de 4.000 contra cerca de 750 nos EUA e 400 na Europa, segundo o pesquisador.
Ainda assim, é possível estimar o risco de ameaça por outros meios. No Brasil, os pesquisadores avaliam o perigo de extinção de borboletas com base na perda de habitat. Para isso, Rosa destaca a importância da população participar desse rastreamento por meio do envio de fotos de borboletas ameaçadas. Assim, os pesquisadores conseguem avaliar se uma espécie está presente em determinado território.
Rosa elaborou o Guia básico das borboletas ameaçadas de extinção do Brasil para orientar a população sobre a identificação de borboletas e gerar novos dados de ocorrência de espécies ameaçadas a partir de fotos enviadas por voluntários. Quem observar uma borboleta que se encaixe na descrição do guia pode enviar um e-mail para augustohbrosa@hotmail.com.
No Brasil, 6 espécies de borboletas foram incluídas em julho deste ano na lista de espécies ameaçadas de extinção do Ministério do Meio Ambiente. Com a atualização, o número de borboletas ameaçadas subiu de 58 para 63. Os principais fatores que colocam esses insetos em risco, segundo Rosa, são a expansão da agropecuária (devido aos agrotóxicos e perda de habitat) e incêndios.
A diminuição da população de borboletas é um problema por vários motivos. Além da polinização, serviço ambiental essencial para a reprodução de plantas, Freitas destaca o desequilíbrio na cadeia alimentar e, portanto, dos ecossistemas. “Para cada pessoa, existem cerca de 10 lagartas”, compara o pesquisador. “As lagartas são a base de quase todas as cadeias alimentares do planeta. Se uma borboleta some, vai ter um desequilíbrio de várias espécies que comem lagartas e isso pode afetar outros serviços, como o realizado por aves”.
Além disso, Freitas destaca o aspecto ético de uma espécie desaparecer devido à ação humana: “Extinto é para sempre. Não volta mais”.