O governador reeleito do Pará, Helder Barbalho (MDB), convidou o presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para ir à Conferência das Partes sobre o Clima, a COP-27. Lula aceitou – mais tarde seria convidado também pelas Nações Unidas e pelo presidente Abdul Khalil El-Sisi, do Egito, país-sede.
“A presença de Lula fará com que a Amazônia se torne ainda mais relevante na reunião”, disse Barbalho ao Estadão. “Quando (o presidente americano) Joe Biden e (o primeiro-ministro alemão) Olaf Scholz dizem que querem trabalhar com o Brasil na preservação da floresta, eles sinalizam que o que insere o Brasil na agenda mundial é a Amazônia. Façamos disso uma oportunidade.”
As palavras do governador emedebista ecoam as de Annalena Baerbock, ministra do Exterior da Alemanha, a maior economia europeia. Ela disse ter esperança que “o desmatamento desenfreado da Amazônia tenha um fim” e que “o Brasil volte a ser um promotor em nossa luta conjunta contra a crise climática”. Nos últimos anos, a escalada nas taxas de destruição do bioma fez o governo Jair Bolsonaro ser alvo de críticas no Brasil e no exterior.
Barbalho convidou Lula para a COP-27 em nome do Consórcio Amazônia, que reúne os nove governadores da região. Por iniciativa do Consórcio, a Amazônia brasileira será o único ente subnacional a ter um pavilhão na Zona Azul – ordinariamente, os pavilhões costumam representar países.
Na COP-26, em Glasgow, o Brasil era a única nação a ter dois pavilhões, o oficial, organizado pelo governo, e o da sociedade civil, reunindo empresários, cientistas, ambientalistas e representantes do agronegócio. Neste ano serão três.
“O Brasil precisa voltar a ser um protagonista nas discussões sobre a crise climática. Afinal, temos a maior floresta tropical do planeta”, diz a economista Ana Toni, diretora do Instituto Clima e Sociedade e organizadora do pavilhão da sociedade civil.Os dois pavilhões, o do Consórcio dos governadores e o da sociedade civil, trabalham para que a Amazônia esteja em evidência na COP 27 – o terceiro, do governo federal, não fará referência específica à região, concentrando-se no tema das energias renováveis.
Nos anos 1980, logo após a redemocratização, o Brasil era tido como o vilão internacional do clima, por causa do desmatamento na Amazônia. Nossa imagem começou a mudar a partir do governo Fernando Collor, quando o Brasil recebeu a Rio 92.
Os índices de desmatamento, no entanto, continuavam altos – atingiram picos durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e no início do período Lula, chegando perto de 30 mil quilômetros quadrados por ano.
Só começaram a cair consistentemente, reduzindo-se à metade desse valor, a partir de 2005, durante a gestão de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente. Marina rompeu com Lula antes do fim do segundo mandato com o petista, mas decidiu retomar o apoio ao antigo aliado nesta nova corrida presidencial. Em 2019, a gestão Bolsonaro iniciou o desmonte das instituições de comando e controle do Ministério do Meio Ambiente, como o Ibama e o ICMBio – e o desmatamento voltou a subir.
“Um dos nossos primeiros objetivos deve ser restaurar os órgãos de fiscalização, fragilizados durante o governo atual”, diz Barbalho. A agenda da Amazônia, no entanto, vai muito além da preservação ambiental. Intensificou-se nos últimos anos a pesquisa científica sobre a região, abrangendo várias áreas.
“Trabalhamos em cinco eixos: negócios e iniciativa privada, desenvolvimento econômico e social, governança, fortalecimento de instituições públicas e cultura”, afirma Renata Piazzon, diretora do Instituto Arapyaú.
O Arapyaú irá lançar na Cúpula do Clima um documento com propostas para os primeiros cem dias de governo, elaborado por uma rede que engloba, entre outros, o Observatório do Clima, o Instituto Clima e Sociedade e o projeto Amazônia 2030. Essa rede forma a Concertação Pela Amazônia.
O Amazônia 2030, uma reunião de cientistas de renome internacional, realizou estudos em várias áreas. Promoverá na COP-27, entre outras coisas, um seminário sobre como dinamizar a economia da Amazônia por meio de reflorestamento e promoção da agricultura em áreas já desmatadas.
‘Brasil não precisa mais cortar nenhuma árvore’
“O Brasil não precisa mais cortar nenhuma árvore para ter espaço para agricultura na Amazônia, visto que já desmatamos o equivalente a duas vezes e meia o Estado do Paraná”, disse ao Estadão, no mês passado, o cientista Paulo Barreto, um dos maiores especialistas mundiais na economia da região. “É preciso acabar com a grilagem, um crime que equivale à pirataria em áreas florestais.”
Algumas propostas criadas pela Concertação Pela Amazônia já vêm sendo implementadas, em parcerias entre governos e iniciativa privada. Uma delas é a inclusão de uma matéria sobre a Amazônia na grade curricular básica dos Estados da região. Há otimismo em relação a recursos, incluindo internacionais, para a execução de projetos assim.
No dia seguinte à eleição de Lula, a Noruega resolveu retomar o financiamento do Fundo Amazônia, que havia sido suspenso em 2019. O governo da Alemanha, o outro financiador do Fundo, anunciou que voltaria a contribuir nesta quarta-feira.
Nesta quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento que derruba decretos da gestão Bolsonaro que, na prática, inviabilizaram a execução do programa. A decisão dos ministros também obriga o governo federal a reativar o programa dentro de 60 dias.
Piazzon conta que o documento da Concertação Pela Amazônia começou a ser idealizado em março de 2020, em um jantar na casa do empresário Guilherme Leal, em São Paulo, do qual participaram vários protagonistas da sociedade civil brasileira preocupados com a questão ambiental – entre outras referências importantes da economia, como Armínio Fraga, João Roberto Marinho, João Moreira Salles, Pedro Passos e Teresa e Cândido Bracher.
Pouco a pouco outros nomes de peso foram se juntando ao grupo, como Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente nas gestões de Lula e Dilma Rousseff, e hoje integrante do conselho da COP, que reúne alguns dos maiores especialistas mundiais na área. Antes de embarcar para o evento, Izabella fará uma apresentação ao grupo de Guilherme Leal sobre os principais temas a serem discutidos na conferência e também sobre oportunidades que podem ser aproveitadas pelo Brasil.
A defesa do meio ambiente em geral, e da Amazônia em particular, está aos poucos se tornando consenso na classe política brasileira, da direita à esquerda. Temas ambientais apareceram com força nos programas eleitorais de Simone Tebet (MDB) e de Lula. Os trechos sobre Amazônia dos dois programas têm muito em comum – afinal, foram elaborados por integrantes do grupo criado no jantar na casa de Guilherme Leal.
Quais são os novos horizontes?
“Nós não apresentamos as propostas para os cem dias a nenhum candidato, no entanto”, diz Piazzon. “Estávamos esperando a definição da eleição.” Há, obviamente, enorme divergência entre os empresários e cientistas envolvidos com o meio ambiente e o governo Bolsonaro.Se o presidente em exercício tivesse sido reeleito, as ideias da Concertação Pela Amazônia seriam oferecidas prioritariamente a entes subnacionais – governos e prefeituras.
No Brasil e no mundo, de Tebet a Lula, de Joe Biden a Annalena Baerbock, de Helder Barbalho a Guilherme Leal, fortalece-se a convicção de que a Amazônia e o meio ambiente são as grandes chances de o Brasil ter algum protagonismo na agenda internacional. O esforço coletivo para levar a Amazônia ao centro dos debates da COP-27, aliado à mudança de poder no Brasil, fornecem uma ocasião propícia para transformar essa vocação em realidade.
Gestões Lula no ambiente tiveram queda de desmate, mas obra polêmica
Quando Lula assumiu a Presidência da República pela primeira vez, em 2003, o desmatamento na Amazônia era de 21,6 mil quilômetros quadrados, conforme o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Quando saiu do cargo no início de 2011, dois mandatos depois, esse índice havia baixado para 7 mil km quadrados. Se essa é a principal medida de sua gestão no meio ambiente – personificada na figura da ex-ministra Marina Silva –, houve também embate com as questões de desenvolvimento e infraestrutura.
Os dois primeiros anos de governo foram marcados pela implementação de políticas ambientais de fiscalização e fortalecimento da participação da sociedade civil, via Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Daquele ponto em diante, as taxas de desmate começaram a cair, resultado da implementação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, lançado em 2004. A mesma lógica, adaptada às características locais, foi replicada no Cerrado. Ambos contribuíram, em grande parte, para o Brasil chegar aos menores índices de desmate.
No entanto, o embate entre duas visões de desenvolvimento se chocaram dentro do governo. A construção da Usina de Belo Monte, em Altamira, na Bacia do Rio Xingu, produziu impactos ambientais e sociais. A obra, no coração da Amazônia, levou à mobilização da sociedade civil contrária à usina. Defensora do projeto, a então futura presidente Dilma Rousseff levou a melhor.
Desgastada, a então ministra do Meio Ambiente Marina Silva acabou deixando o governo em 2008. Agora, o petista precisará lidar com um planeta ainda mais vigilante sobre tudo que afeta a floresta./ COLABOROU EMÍLIO SANT’ANNA