Ansiedade climática? Como incêndios no Havaí, onda de calor na Europa e ciclones nos afetam


Você não está sozinho, ciência comprova efeitos psicológicos das mudanças climáticas; ecoansiedade já é palavra reconhecida por Dicionário de Oxford

Por Emilio Sant'Anna
Atualização:

O planeta teve em julho o mês mais quente que já se tem registro, o que leva o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, a dizer que chegamos à era da “ebulição global”. Desde junho, o Brasil teve mortes em ciclones, a Europa viu ondas de calor e agora o Havaí é engolido por uma onda de incêndios, que deixou 80 vítimas. A sensação é de que o problema está mais perto de nós.

E se voltarmos mais alguns meses, o carnaval deste ano, foram 65 mortes em São Sebastião e Ubatuba, causadas pelo maior volume de chuva registrado no Brasil. Se isso causa em você apreensão e algum nível de ansiedade, saiba que não está sozinho.

Essa reação é tão comum e explicável que já foi medida por diferentes pesquisas e sua definição -estabelecida pela Associação Americana de Psicologia- foi incorporada pelo tradicionalíssimo Dicionário de Oxford e é citada pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) como uma nova palavra: ecoansiedade.

Segundo o compêndio da Academia Brasileira de Letras, trata-se do “estado de inquietação e angústia desencadeado pela expectativa de graves consequências das mudanças climáticas e pela percepção de impotência diante dos danos irreversíveis ao meio ambiente”.

Grécia é um dos países que têm enfrentado incêndios e ondas de calor Foto: Petros Giannakouris/AP

A cientista em mudanças climáticas Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, por exemplo, sabe o que isso significa. Mais do que qualquer um. Ela ficou abalada e teve que lidar com a depressão quando sua pesquisa constatou que algumas áreas da Floresta Amazônica já emitem mais dióxido de carbono do que absorvem.

“A Amazônia é como um ser gigantesco, uma divindade enorme. Imaginava que aquela grandeza toda fosse capaz de achar uma saída para o dano que lhe estamos fazendo. Quando vi que não, isso me baqueou”, disse ela ao Estadão, em 2021.

Chuva recorde no Brasil deixou São Sebastião, no litoral norte, devastada Foto: Felipe Rau/Estadão

Alguém pode inferir que a cientista pode ter sido “bombardeada” por longo tempo informações pouco otimistas, que ela mesmo comprovou em suas pesquisas. O fato, no entanto, é que não é preciso ser especialista em mudanças climáticas para se assustar.

Pesquisa da mesma Associação Americana de Psicologia aponta que mais de dois terços dos adultos nos Estados Unidos (68%) dizem que sentem pelo menos um pouco de ecoansiedade. Esses efeitos têm impacto maior nos adultos mais jovens; quase metade das pessoas de 18 a 34 anos (47%) diz que o estresse que sentem sobre as mudanças climáticas afeta suas vidas diárias. A pesquisa foi realizada online com 2.017 adultos americanos com 18 anos ou mais.

Não faltam motivos. Viver em um planeta que precisa limitar o aquecimento global a 1,5º acima dos níveis pré-industriais se quiser se manter habitável e que vê seus líderes globais descumprirem promessas cumpridos tirar qualquer um do sério.

Aumento do nível do mar, derretimento de geleiras, emissões em alta, desmate de florestas tropicais, como a Amazônia, perda de biodiversidade e o surgimento de novas doenças - até pandemia. A lista de possíveis efeitos é longa e traça um mapa para nos conduzir para um ponto sem retorno.

Se isso mete medo em adultos e adultos jovens, como mostra a pesquisa da Associação Americana de Psicologia , que tipo de reação podemos esperar dos mais novos?

Elas estão plenamente aptas para entender as informações das implicações das mudanças climáticas em suas vidas e seus futuros. Apesar disso, essas crianças têm pouco ou nenhum poder para limitar esses danos, o que as tornam ainda mais vulneráveis à ansiedade climática.

Estudo publicado na revista científica The Lancet Planetary Health ouviu 10 mil adolescentes e jovens (de 16 a 25 anos) em dez países: Austrália, Brasil, Finlândia, França, Índia, Nigéria, Filipinas, Portugal, Reino Unido e Estados Unidos. Foram coletados dados sobre os pensamentos e os sentimentos dos participantes sobre as mudanças climáticas e as respostas dos governos.

Segundo os autores, a maior e mais internacional pesquisa sobre ansiedade climática em crianças e jovens apontou resultados nada animadores. Do total de entrevistados, 59% se disseram “muito” ou “extremamente” preocupados, 84% estavam pelo menos “moderadamente preocupados”.

Grécia testemunha onda de incêndios Foto: Angelos Tzortzinis / AFP

Mais de 50% dos jovens relataram cada uma das seguintes emoções: tristeza, ansiedade, raiva, impotência, desamparo e culpa. Mais de 45% dos entrevistados disseram que seus sentimentos sobre as mudanças climáticas afetaram negativamente sua vida diária e funcionamento.

A pesquisa avalia que a angústia com as mudanças climáticas está associada à percepção dos jovens de que não têm futuro, de que a humanidade está condenada e de que os governos não respondem adequadamente. Além disso, se sentem traídos e abandonados por parte dos governos e dos adultos.

“A mudança climática e a inação do governo são estressores crônicos que podem ter implicações negativas consideráveis, duradouras e incrementais para a saúde mental de crianças e jovens”, afirmam os pesquisadores.

Para o psicanalista Flávio Ferraz é preciso separar o que é a reação a um fator de estresse e perigo do que seria a reações ligadas às mudanças climáticas. Ele diz que falar em outras reações mais agudas que a ansiedade (há pesquisas que apontam a crise climática e fazem correlações com casos de violência, por exemplo) é um exagero.

“Ansiedade, ansiedade climática, sensação de medo, tristeza, pavor diante das mudanças climáticas é o mais verossímil”, afirma ele, membro dos Departamentos de Psicanálise e de Psicossomática do Instituto Sedes Sapientiae.

Vida pós-tragédia

O quadro, porém, é ainda pior para os que já sofreram as consequências que ainda são apenas medo para a maioria. Ou seja, aqueles que passaram por eventos climáticos extremos. Como o Estadão mostrou, em fevereiro, as lembranças do temporal de Petrópolis, que deixou 241 mortos em 2022, se transformaram em medo e, por vezes, pânico na rotina das crianças. Foi chuva mais forte que já atingiu a cidade (530 mm em 24 horas, mais do que o dobro da média histórica para o mês),

Daiana Fernandes vive com os filhos a poucos metros do Morro da Oficina, principal ponto de desabamento da tragédia de 2022, em Petrópolis Foto: PEDRO KIRILOS/ESTADÃO, 

Entre os mortos, 44 eram crianças. A mais nova: um bebê de 17 dias. Para outras tantas que escaparam, restou o trauma com marcas na fase mais importante da formação humana: a primeira infância (entre 0 e 6 anos).

Esse é o período em que o cérebro se forma e uma explosão de sinapses dá os contornos do que será o futuro adulto. É também o período em que a criança necessita de ambiente seguro e acolhedor, com a presença dos pais, para que essa formação se complete.

“Quando chove meu filho começa a chorar. Se ele vê uma barreira, acha que vai cair e me diz: ‘Sai daí, mamãe, vai cair tudo’. Se ele vê uma árvore balançando então…é tenso”, afirma Daiana Costa, de 32 anos, mãe de Enzo, de três.

Nos EUA, um estudo da Universidade da Califórnia-San Diego avaliou as consequências para os sobreviventes do incêndio florestal mais mortal da Califórnia, o de Camp Fire, em 2018, e encontrou resultados compatíveis com os de soldados veteranos de guerra. A pesquisa demonstrou que eventos extremos relacionados ao clima, como incêndios florestais, podem causar sequelas graves como doenças mentais.

Além disso, apontou que a exposição a eventos estressantes pré-existentes, traços de personalidade resilientes, e fatores como o estilo de vida podem desempenhar papel importante na prevalência de psicopatologia após os desastres.

Incêndio em Camp Fire, na Califórnia, nos Estados Unidos  Foto: Foto: Noah Berger / AP

Se ainda resta adúvida sobre o tamanho do problema que a ecoansiedade, ou apenas quadros de ansiedade causados pelo medo das consequências das mudanças climáticas, pode causar, especialmente para as futuras gerações, uma constatação pode dirimir.

Relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), divulgado em 2022, aponta que 40 milhões de meninos e meninas no Brasil estão expostos a mais de um risco climático ou ambiental. Ou seja, 60% dos jovens no País. Quantos, como Enzo, irão manifestar algum sintoma psicológico durante a vida?

O planeta teve em julho o mês mais quente que já se tem registro, o que leva o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, a dizer que chegamos à era da “ebulição global”. Desde junho, o Brasil teve mortes em ciclones, a Europa viu ondas de calor e agora o Havaí é engolido por uma onda de incêndios, que deixou 80 vítimas. A sensação é de que o problema está mais perto de nós.

E se voltarmos mais alguns meses, o carnaval deste ano, foram 65 mortes em São Sebastião e Ubatuba, causadas pelo maior volume de chuva registrado no Brasil. Se isso causa em você apreensão e algum nível de ansiedade, saiba que não está sozinho.

Essa reação é tão comum e explicável que já foi medida por diferentes pesquisas e sua definição -estabelecida pela Associação Americana de Psicologia- foi incorporada pelo tradicionalíssimo Dicionário de Oxford e é citada pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) como uma nova palavra: ecoansiedade.

Segundo o compêndio da Academia Brasileira de Letras, trata-se do “estado de inquietação e angústia desencadeado pela expectativa de graves consequências das mudanças climáticas e pela percepção de impotência diante dos danos irreversíveis ao meio ambiente”.

Grécia é um dos países que têm enfrentado incêndios e ondas de calor Foto: Petros Giannakouris/AP

A cientista em mudanças climáticas Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, por exemplo, sabe o que isso significa. Mais do que qualquer um. Ela ficou abalada e teve que lidar com a depressão quando sua pesquisa constatou que algumas áreas da Floresta Amazônica já emitem mais dióxido de carbono do que absorvem.

“A Amazônia é como um ser gigantesco, uma divindade enorme. Imaginava que aquela grandeza toda fosse capaz de achar uma saída para o dano que lhe estamos fazendo. Quando vi que não, isso me baqueou”, disse ela ao Estadão, em 2021.

Chuva recorde no Brasil deixou São Sebastião, no litoral norte, devastada Foto: Felipe Rau/Estadão

Alguém pode inferir que a cientista pode ter sido “bombardeada” por longo tempo informações pouco otimistas, que ela mesmo comprovou em suas pesquisas. O fato, no entanto, é que não é preciso ser especialista em mudanças climáticas para se assustar.

Pesquisa da mesma Associação Americana de Psicologia aponta que mais de dois terços dos adultos nos Estados Unidos (68%) dizem que sentem pelo menos um pouco de ecoansiedade. Esses efeitos têm impacto maior nos adultos mais jovens; quase metade das pessoas de 18 a 34 anos (47%) diz que o estresse que sentem sobre as mudanças climáticas afeta suas vidas diárias. A pesquisa foi realizada online com 2.017 adultos americanos com 18 anos ou mais.

Não faltam motivos. Viver em um planeta que precisa limitar o aquecimento global a 1,5º acima dos níveis pré-industriais se quiser se manter habitável e que vê seus líderes globais descumprirem promessas cumpridos tirar qualquer um do sério.

Aumento do nível do mar, derretimento de geleiras, emissões em alta, desmate de florestas tropicais, como a Amazônia, perda de biodiversidade e o surgimento de novas doenças - até pandemia. A lista de possíveis efeitos é longa e traça um mapa para nos conduzir para um ponto sem retorno.

Se isso mete medo em adultos e adultos jovens, como mostra a pesquisa da Associação Americana de Psicologia , que tipo de reação podemos esperar dos mais novos?

Elas estão plenamente aptas para entender as informações das implicações das mudanças climáticas em suas vidas e seus futuros. Apesar disso, essas crianças têm pouco ou nenhum poder para limitar esses danos, o que as tornam ainda mais vulneráveis à ansiedade climática.

Estudo publicado na revista científica The Lancet Planetary Health ouviu 10 mil adolescentes e jovens (de 16 a 25 anos) em dez países: Austrália, Brasil, Finlândia, França, Índia, Nigéria, Filipinas, Portugal, Reino Unido e Estados Unidos. Foram coletados dados sobre os pensamentos e os sentimentos dos participantes sobre as mudanças climáticas e as respostas dos governos.

Segundo os autores, a maior e mais internacional pesquisa sobre ansiedade climática em crianças e jovens apontou resultados nada animadores. Do total de entrevistados, 59% se disseram “muito” ou “extremamente” preocupados, 84% estavam pelo menos “moderadamente preocupados”.

Grécia testemunha onda de incêndios Foto: Angelos Tzortzinis / AFP

Mais de 50% dos jovens relataram cada uma das seguintes emoções: tristeza, ansiedade, raiva, impotência, desamparo e culpa. Mais de 45% dos entrevistados disseram que seus sentimentos sobre as mudanças climáticas afetaram negativamente sua vida diária e funcionamento.

A pesquisa avalia que a angústia com as mudanças climáticas está associada à percepção dos jovens de que não têm futuro, de que a humanidade está condenada e de que os governos não respondem adequadamente. Além disso, se sentem traídos e abandonados por parte dos governos e dos adultos.

“A mudança climática e a inação do governo são estressores crônicos que podem ter implicações negativas consideráveis, duradouras e incrementais para a saúde mental de crianças e jovens”, afirmam os pesquisadores.

Para o psicanalista Flávio Ferraz é preciso separar o que é a reação a um fator de estresse e perigo do que seria a reações ligadas às mudanças climáticas. Ele diz que falar em outras reações mais agudas que a ansiedade (há pesquisas que apontam a crise climática e fazem correlações com casos de violência, por exemplo) é um exagero.

“Ansiedade, ansiedade climática, sensação de medo, tristeza, pavor diante das mudanças climáticas é o mais verossímil”, afirma ele, membro dos Departamentos de Psicanálise e de Psicossomática do Instituto Sedes Sapientiae.

Vida pós-tragédia

O quadro, porém, é ainda pior para os que já sofreram as consequências que ainda são apenas medo para a maioria. Ou seja, aqueles que passaram por eventos climáticos extremos. Como o Estadão mostrou, em fevereiro, as lembranças do temporal de Petrópolis, que deixou 241 mortos em 2022, se transformaram em medo e, por vezes, pânico na rotina das crianças. Foi chuva mais forte que já atingiu a cidade (530 mm em 24 horas, mais do que o dobro da média histórica para o mês),

Daiana Fernandes vive com os filhos a poucos metros do Morro da Oficina, principal ponto de desabamento da tragédia de 2022, em Petrópolis Foto: PEDRO KIRILOS/ESTADÃO, 

Entre os mortos, 44 eram crianças. A mais nova: um bebê de 17 dias. Para outras tantas que escaparam, restou o trauma com marcas na fase mais importante da formação humana: a primeira infância (entre 0 e 6 anos).

Esse é o período em que o cérebro se forma e uma explosão de sinapses dá os contornos do que será o futuro adulto. É também o período em que a criança necessita de ambiente seguro e acolhedor, com a presença dos pais, para que essa formação se complete.

“Quando chove meu filho começa a chorar. Se ele vê uma barreira, acha que vai cair e me diz: ‘Sai daí, mamãe, vai cair tudo’. Se ele vê uma árvore balançando então…é tenso”, afirma Daiana Costa, de 32 anos, mãe de Enzo, de três.

Nos EUA, um estudo da Universidade da Califórnia-San Diego avaliou as consequências para os sobreviventes do incêndio florestal mais mortal da Califórnia, o de Camp Fire, em 2018, e encontrou resultados compatíveis com os de soldados veteranos de guerra. A pesquisa demonstrou que eventos extremos relacionados ao clima, como incêndios florestais, podem causar sequelas graves como doenças mentais.

Além disso, apontou que a exposição a eventos estressantes pré-existentes, traços de personalidade resilientes, e fatores como o estilo de vida podem desempenhar papel importante na prevalência de psicopatologia após os desastres.

Incêndio em Camp Fire, na Califórnia, nos Estados Unidos  Foto: Foto: Noah Berger / AP

Se ainda resta adúvida sobre o tamanho do problema que a ecoansiedade, ou apenas quadros de ansiedade causados pelo medo das consequências das mudanças climáticas, pode causar, especialmente para as futuras gerações, uma constatação pode dirimir.

Relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), divulgado em 2022, aponta que 40 milhões de meninos e meninas no Brasil estão expostos a mais de um risco climático ou ambiental. Ou seja, 60% dos jovens no País. Quantos, como Enzo, irão manifestar algum sintoma psicológico durante a vida?

O planeta teve em julho o mês mais quente que já se tem registro, o que leva o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, a dizer que chegamos à era da “ebulição global”. Desde junho, o Brasil teve mortes em ciclones, a Europa viu ondas de calor e agora o Havaí é engolido por uma onda de incêndios, que deixou 80 vítimas. A sensação é de que o problema está mais perto de nós.

E se voltarmos mais alguns meses, o carnaval deste ano, foram 65 mortes em São Sebastião e Ubatuba, causadas pelo maior volume de chuva registrado no Brasil. Se isso causa em você apreensão e algum nível de ansiedade, saiba que não está sozinho.

Essa reação é tão comum e explicável que já foi medida por diferentes pesquisas e sua definição -estabelecida pela Associação Americana de Psicologia- foi incorporada pelo tradicionalíssimo Dicionário de Oxford e é citada pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) como uma nova palavra: ecoansiedade.

Segundo o compêndio da Academia Brasileira de Letras, trata-se do “estado de inquietação e angústia desencadeado pela expectativa de graves consequências das mudanças climáticas e pela percepção de impotência diante dos danos irreversíveis ao meio ambiente”.

Grécia é um dos países que têm enfrentado incêndios e ondas de calor Foto: Petros Giannakouris/AP

A cientista em mudanças climáticas Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, por exemplo, sabe o que isso significa. Mais do que qualquer um. Ela ficou abalada e teve que lidar com a depressão quando sua pesquisa constatou que algumas áreas da Floresta Amazônica já emitem mais dióxido de carbono do que absorvem.

“A Amazônia é como um ser gigantesco, uma divindade enorme. Imaginava que aquela grandeza toda fosse capaz de achar uma saída para o dano que lhe estamos fazendo. Quando vi que não, isso me baqueou”, disse ela ao Estadão, em 2021.

Chuva recorde no Brasil deixou São Sebastião, no litoral norte, devastada Foto: Felipe Rau/Estadão

Alguém pode inferir que a cientista pode ter sido “bombardeada” por longo tempo informações pouco otimistas, que ela mesmo comprovou em suas pesquisas. O fato, no entanto, é que não é preciso ser especialista em mudanças climáticas para se assustar.

Pesquisa da mesma Associação Americana de Psicologia aponta que mais de dois terços dos adultos nos Estados Unidos (68%) dizem que sentem pelo menos um pouco de ecoansiedade. Esses efeitos têm impacto maior nos adultos mais jovens; quase metade das pessoas de 18 a 34 anos (47%) diz que o estresse que sentem sobre as mudanças climáticas afeta suas vidas diárias. A pesquisa foi realizada online com 2.017 adultos americanos com 18 anos ou mais.

Não faltam motivos. Viver em um planeta que precisa limitar o aquecimento global a 1,5º acima dos níveis pré-industriais se quiser se manter habitável e que vê seus líderes globais descumprirem promessas cumpridos tirar qualquer um do sério.

Aumento do nível do mar, derretimento de geleiras, emissões em alta, desmate de florestas tropicais, como a Amazônia, perda de biodiversidade e o surgimento de novas doenças - até pandemia. A lista de possíveis efeitos é longa e traça um mapa para nos conduzir para um ponto sem retorno.

Se isso mete medo em adultos e adultos jovens, como mostra a pesquisa da Associação Americana de Psicologia , que tipo de reação podemos esperar dos mais novos?

Elas estão plenamente aptas para entender as informações das implicações das mudanças climáticas em suas vidas e seus futuros. Apesar disso, essas crianças têm pouco ou nenhum poder para limitar esses danos, o que as tornam ainda mais vulneráveis à ansiedade climática.

Estudo publicado na revista científica The Lancet Planetary Health ouviu 10 mil adolescentes e jovens (de 16 a 25 anos) em dez países: Austrália, Brasil, Finlândia, França, Índia, Nigéria, Filipinas, Portugal, Reino Unido e Estados Unidos. Foram coletados dados sobre os pensamentos e os sentimentos dos participantes sobre as mudanças climáticas e as respostas dos governos.

Segundo os autores, a maior e mais internacional pesquisa sobre ansiedade climática em crianças e jovens apontou resultados nada animadores. Do total de entrevistados, 59% se disseram “muito” ou “extremamente” preocupados, 84% estavam pelo menos “moderadamente preocupados”.

Grécia testemunha onda de incêndios Foto: Angelos Tzortzinis / AFP

Mais de 50% dos jovens relataram cada uma das seguintes emoções: tristeza, ansiedade, raiva, impotência, desamparo e culpa. Mais de 45% dos entrevistados disseram que seus sentimentos sobre as mudanças climáticas afetaram negativamente sua vida diária e funcionamento.

A pesquisa avalia que a angústia com as mudanças climáticas está associada à percepção dos jovens de que não têm futuro, de que a humanidade está condenada e de que os governos não respondem adequadamente. Além disso, se sentem traídos e abandonados por parte dos governos e dos adultos.

“A mudança climática e a inação do governo são estressores crônicos que podem ter implicações negativas consideráveis, duradouras e incrementais para a saúde mental de crianças e jovens”, afirmam os pesquisadores.

Para o psicanalista Flávio Ferraz é preciso separar o que é a reação a um fator de estresse e perigo do que seria a reações ligadas às mudanças climáticas. Ele diz que falar em outras reações mais agudas que a ansiedade (há pesquisas que apontam a crise climática e fazem correlações com casos de violência, por exemplo) é um exagero.

“Ansiedade, ansiedade climática, sensação de medo, tristeza, pavor diante das mudanças climáticas é o mais verossímil”, afirma ele, membro dos Departamentos de Psicanálise e de Psicossomática do Instituto Sedes Sapientiae.

Vida pós-tragédia

O quadro, porém, é ainda pior para os que já sofreram as consequências que ainda são apenas medo para a maioria. Ou seja, aqueles que passaram por eventos climáticos extremos. Como o Estadão mostrou, em fevereiro, as lembranças do temporal de Petrópolis, que deixou 241 mortos em 2022, se transformaram em medo e, por vezes, pânico na rotina das crianças. Foi chuva mais forte que já atingiu a cidade (530 mm em 24 horas, mais do que o dobro da média histórica para o mês),

Daiana Fernandes vive com os filhos a poucos metros do Morro da Oficina, principal ponto de desabamento da tragédia de 2022, em Petrópolis Foto: PEDRO KIRILOS/ESTADÃO, 

Entre os mortos, 44 eram crianças. A mais nova: um bebê de 17 dias. Para outras tantas que escaparam, restou o trauma com marcas na fase mais importante da formação humana: a primeira infância (entre 0 e 6 anos).

Esse é o período em que o cérebro se forma e uma explosão de sinapses dá os contornos do que será o futuro adulto. É também o período em que a criança necessita de ambiente seguro e acolhedor, com a presença dos pais, para que essa formação se complete.

“Quando chove meu filho começa a chorar. Se ele vê uma barreira, acha que vai cair e me diz: ‘Sai daí, mamãe, vai cair tudo’. Se ele vê uma árvore balançando então…é tenso”, afirma Daiana Costa, de 32 anos, mãe de Enzo, de três.

Nos EUA, um estudo da Universidade da Califórnia-San Diego avaliou as consequências para os sobreviventes do incêndio florestal mais mortal da Califórnia, o de Camp Fire, em 2018, e encontrou resultados compatíveis com os de soldados veteranos de guerra. A pesquisa demonstrou que eventos extremos relacionados ao clima, como incêndios florestais, podem causar sequelas graves como doenças mentais.

Além disso, apontou que a exposição a eventos estressantes pré-existentes, traços de personalidade resilientes, e fatores como o estilo de vida podem desempenhar papel importante na prevalência de psicopatologia após os desastres.

Incêndio em Camp Fire, na Califórnia, nos Estados Unidos  Foto: Foto: Noah Berger / AP

Se ainda resta adúvida sobre o tamanho do problema que a ecoansiedade, ou apenas quadros de ansiedade causados pelo medo das consequências das mudanças climáticas, pode causar, especialmente para as futuras gerações, uma constatação pode dirimir.

Relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), divulgado em 2022, aponta que 40 milhões de meninos e meninas no Brasil estão expostos a mais de um risco climático ou ambiental. Ou seja, 60% dos jovens no País. Quantos, como Enzo, irão manifestar algum sintoma psicológico durante a vida?

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