Cientistas brasileiros desenvolveram um plástico orgânico a partir de babosa e batata doce que se decompõe em até 120 dias na natureza e ainda se transforma em adubo para o solo. Plásticos convencionais demoram de 200 anos a até 5 mil anos para se deteriorarem, o que faz desse material utilizado massivamente no mundo um dos principais vilões da crise climática.
A humanidade produz mais de 430 milhões de toneladas de plástico derivados de petróleo - não biodegradáveis - por ano. Desse total, dois terços são descartáveis, segundo relatório de 2023 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
Como o material pode levar centenas de anos para se decompor, ao ser descartado na natureza, sufoca a fauna marinha, deteriora o solo, envenena as águas subterrâneas e afeta a saúde humana.
“Nesse contexto, o desenvolvimento de novas tecnologias, materiais e produtos totalmente ou parcialmente biodegradáveis obtidos a partir de matérias-primas renováveis é um atraente campo de pesquisa que concilia o suprimento do mercado consumidor e a preservação ambiental”, afirmam os autores do estudo “Produção de Plástico Biodegradável a Partir de Aloe vera (L.) Burm. f. (Babosa) e Ipomoea batatas (L.) (Batata-Doce) cultivadas organicamente no SIPA (Sistema Integrado de Produção Agroecológica)”.
O trabalho foi a tese de doutorado em Agrobiologia do pesquisador José Thomaz de Carvalho, orientado pelo professor Leonardo Duarte da Silva, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
“Existem outros plásticos biodegradáveis que vêm sendo desenvolvidos, a partir de amidos, celuloses e quitinases, substituindo resinas petroquímicas, que são fontes não renováveis, trazendo maneiras de não deteriorar o meio ambiente e prejudicar os seres vivos. O que acreditamos ser o diferencial do nosso bioplástico é o fato de todos os ingredientes terem sido produzidos em ambiente agroecológico controlado, sem adição de quaisquer produtos químicos no processo”, explica Leonardo, que é professor do Instituto de Tecnologia do Departamento e Engenharia da UFRRJ.
Segundo ele, a técnica utilizada pela equipe para criar o bioplástico é “extremamente simples e conhecida há muito tempo”.
Trata-se do uso de polímeros naturais, tecnologia orgânica milenar que agora conquista novo status na jornada contra o aquecimento global. Eles são provenientes de organismos vegetais e animais, como a borracha, produzida através da extração do látex da seringueira; o amido, extraído a partir das raízes de diversos vegetais; a seda, produzida pelo bicho da seda; as proteínas e os polissacarídeos como, por exemplo, a celulose encontrada no algodão.
Pela facilidade de produção e por suas propriedades já conhecidas, os pesquisadores decidiram utilizar o extrato de Aloe Vera, uma planta tradicionalmente conhecida por suas propriedades cicatrizantes que gera uma resina que, combinada a um amido - no caso, da batata doce -, deu origem ao plástico de origem vegetal fino como um filme.
“Nos testes tivemos um resultado bastante satisfatório, significa que estamos no caminho certo. O bioplástico mostrou consistência, não degradando automaticamente, porém numa velocidade satisfatória para os objetivos propostos. Não sabemos onde o produto vai chegar, se será utilizado como sacola plástica, com gaze para ferimentos ou de outra maneira na área médica. Agora precisamos seguir com os estudos com foco na aplicabilidade”, disse ao Estadão orientador do estudo.
Silva acrescenta que, em 60 dias, o plástico orgânico perdeu 60% de sua massa e, em 120 dias, esse índice chegou a 90%.
O agora doutor em Agrobiologia José Thomaz de Carvalho adianta que pretende seguir com os estudos. “Desejo prosseguir na área de saúde. Incluindo um antibiótico para determinados tratamentos. Estou em contato com um biomédico. Mas não formalize nada e não podemos fazer afirmações ainda. São hipóteses”, disse ele ao Estadão.
No relatório de 2023, a diretora-executiva do Pnuma, Inger Andersen, pondera que os plásticos desempenham um papel positivo na sociedade de várias maneiras. No entanto, diz ela, “há um outro lado da moeda: a forma como produzimos, usamos e descartamos os plásticos polui os ecossistemas, ameaça a saúde humana e animal e desestabiliza o clima.”
O Pnuma defende que o mundo precisa reduzir pela metade do uso de plásticos descartáveis e adotar massivamente um novo comportamento que inclua a “reutilização, reciclagem e novas alternativas a esse material para diminuir a poluição crescente”.
Entenda como o experimento foi feito
Em um béquer, os cientistas adicionaram 250 ml do gel da Aloe vera, 50 gramas do amido obtido a partir da batata-doce, 25 ml de ácido acético e 25 ml de glicerina bidestilada.
“Homogeneizou-se lentamente para evitar a formação de bolhas de ar. A mistura foi aquecida por aproximadamente 10 minutos a 250 ºC sob agitação com um bastão de vidro. Após aquecimento, o fluido formado foi adicionado a placas de vidro (30 cm x 30 cm) para a secagem em temperatura ambiente até formação do filme polimérico”, relataram os pesquisadores, na publicação.
Na prática, o amido “gelatiniza” a uma faixa ampla de temperaturas (57 ºC a 90 °C), tem uma solubilidade de 68% a 90%, se expande rapidamente, exibe um perfil de viscosidade elevado e alta claridade de pasta em comparação aos amidos de cereais, porém o amido de batata-doce retrograda rapidamente.
De acordo com a tese de doutorado, o bioplástico obtido foi analisado quanto às características de solubilidade, permeabilidade ao vapor de água, biodegradabilidade, espessura e tração. “Os resultados sugerem que as recomendações de biodegradabilidade foram atendidas e o elevado potencial de aplicação do plástico biodegradável no mercado de embalagens e de produtos de origem natural”.
A primeira parte do experimento ocorreu no Laboratório de Química na Universidade de Vassouras, no Rio de Janeiro. Na segunda fase, a formulação do bioplástico foi realizada no laboratório do Instituto de Química da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Segundo o professor Leonardo, o menor período de decomposição do bioplástico em relação ao plástico convencional se deve ao fato de que aqueles não apresentam o petróleo ou outros hidrocarbonetos em sua composição, tornando o processo de produção e descarte menos agressivos ao meio ambiente.
O projeto foi desenvolvido dentro do Programa de Pós Graduação em Ciência, Tecnologia e Inovação em Agropecuária, da UFRRJ em parceria com a Universidade Nacional de Rio Cuarto, na Argentina. O trabalho também teve a participação de Alexandre Lioi Nascentes (UFRRJ), David Vilas Boas de Campos (Embrapa), Felipe da Costa Brasil (UVA) e de Rozileni Piont Kovsky Caletti (UFRRJ).