Clima quente: 7 gráficos que mostram como deixamos o planeta fora do controle


Antes de atingir seu pico, El Niño já encontra um clima em ebulição; recordes de temperatura e desastres naturais ocorrem em sequência na medida em que a Terra se aquece

Por Emilio Sant'Anna
Atualização:

É uma espécie de tempestade perfeita, no pior sentido do termo. O El Niño deste ano encontrou um planeta cada vez mais quente e assolado pelos efeitos das mudanças climáticas. Nesse cenário, a chegada do fenômeno climático - que aquece as águas superficiais do Oceano Pacífico, com repercussões em todos os continentes - é como jogar gasolina no fogo. Não à toa, a temperatura global bate recordes sucessivos em 2023 e o clima do planeta se torna imprevisível.

“Os eventos extremos serão cada vez piores e mais intensos”, diz a pesquisadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Luciana Gatti. ”Está aumentando a frequência do El Niño e eles também estão ficando mais quentes.”

O último mês foi o agosto mais quente já medido pela pela Agência Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA), em 174 anos. Em julho, a temperatura global bateu o recorde por três dias seguidos e uma onda de incêndios se espalhou pelo mundo.

No Canadá, a fumaça da queimada florestal pôde ser vista do espaço. Nos Estados Unidos, a ilha havaiana de Maui teve o incêndio mais mortal do último século. Ao todo, 101 pessoas morreram. Na Europa, Itália, Espanha e Grécia sofreram com as chamas descontroladas. O território grego registrou o maior incêndio da União Europeia, com ao menos 21 vítimas.

Incêndio deixa rastro de destruição na Ilha Maui, no Havaí Foto: Hawaii Department of Land and Natural Resources via AP

O problema não se restringe à terra firme. Desde abril, a superfície do mar tem visto novas marcas máximas em relação à média padrão. Por enquanto, os oito primeiros meses de 2023 fazem deste o ano com a maior anomalia climática nos oceanos desde meados do século 19. E ainda nem chegamos ao pico do El Niño, o que pode acontecer em novembro ou só em 2024 - o que já nos garante que o próximo ano terá mais gasolina sendo despejada no fogo.

O El Niño é conhecido por elevar as temperaturas planetárias em 0,1ºC a 0,2ºC. O último fenômeno forte do tipo levou 2016 ao recorde atual de calor global médio, e também desencadeou aumento de calor extremo e tempestades. “A previsão era que ele chegasse em dezembro. Já chegou e está fazendo todo esse estrago”, diz a pesquisadora do Inpe, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Em 2015 e 2016, o fenômeno foi tão forte que ganhou o apelido de “El Niño Godzilla”. Luciana é a autora de uma pesquisa, publicada há um mês na revista Nature, que revela o tamanho do estrago na Amazônia após a passagem dessa “criatura”. Em 2019 e 2020, os registros de focos de incêndio e desmate dispararam, reflexo do desmonte das políticas ambientais nos dois primeiros anos da gestão Jair Bolsonaro (PL).

“O El Niño é causado pelo aquecimento anômalo das águas do Pacífico equatorial, as águas já estão ficando cerca de um grau mais quente em relação as décadas passadas. Neste ano em particular o aquecimento global amplificou de uma maneira extraordinária o aumento da temperatura dos oceanos, por isso temos um El Niño muito mais forte do que teríamos sem o aquecimento global “, diz Paulo Artaxo, Integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e professor da USP. “O aquecimento global é a peça-chave no aumento dos eventos extremos, sem dúvida alguma, como essas ondas de calor e inundações no Rio Grande do Sul.”

A floresta se aproxima de forma perigosa do “ponto de não retorno”, quando o processo de savanização do bioma atinge um estágio irreversível.

E a atmosfera mais poluída resulta em dias cada vez mais quentes.

Neste cenário, os eventos climáticos extremos ficarão mais extremos e frequentes. Desde o meio do ano, por exemplo, o Rio Grande do Sul tem sofrido com ciclones extratropicais. Em junho, a passagem de um fenômeno do tipo, acompanhada de temporais, deixou 16 mortos. No início deste mês, o total de vítimas foi ainda maior: 49. E, nesta semana, o ciclone volta a assustar os gaúchos - uma morte foi confirmada na noite desta terça-feira, 26.

Roca Sales, no interior gaúcho, foi uma das cidades destruídas pelo ciclone de setembro Foto: Wesley Santos/AP

Apenas o começo

Há uma semana o secretário-geral da ONU, António Guterres, reforçou o alerta na abertura do Debate Geral da 78.ª sessão da Assembleia Geral.

“Em todo o mundo, vemos não só a aceleração das temperaturas, mas também a aceleração do aumento do nível do mar, o recuo das geleiras, a disseminação de doenças mortais, a extinção de espécies e cidades ameaçadas”, afirmou. “E é apenas o começo.”

A previsão de Guterres é a mesma reiterada inúmeras vezes pela ciência. É também a mesma que os pesquisadores fazem antes de ressaltar que a janela de chances para nos livrarmos da catástrofe ainda está aberta, mas quase se fechando.

O último relatório do Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC), das Nações Unidas, divulgado neste ano, aponta que algumas das mudanças climáticas futuras são inevitáveis ou irreversíveis, mas podem ser limitadas por alterações rápidas e de redução sustentada das emissões globais.

O documento aponta a necessidade de mudanças na forma de produção de alimentos, eletricidade, transportes, indústria, construções e uso do solo, além de indicar medidas como a ampliação do acesso a energia e tecnologias limpas.

Este foi o último relatório do IPCC previsto para esta década, o que significa que o próximo encontrará o planeta irreversivelmente condenado à catástrofe climática ou ainda respirando. O diagnóstico de Guterres pode não ser animador, mas é uma chance para não perdermos o único controle que temos do clima, a possibilidade de prevê-lo.

“Acabamos de sobreviver aos dias mais quentes, aos meses mais quentes e ao verão mais quente dos últimos tempos. Por trás de cada recorde quebrado estão economias quebradas, vidas quebradas e nações inteiras sob risco de ruptura”, disse o secretário-geral da ONU. “Cada continente, cada região e cada país está sentindo o calor. Mas não tenho certeza se todos os líderes estão sentindo todo esse calor. As ações estão muito aquém do esperado.”

É uma espécie de tempestade perfeita, no pior sentido do termo. O El Niño deste ano encontrou um planeta cada vez mais quente e assolado pelos efeitos das mudanças climáticas. Nesse cenário, a chegada do fenômeno climático - que aquece as águas superficiais do Oceano Pacífico, com repercussões em todos os continentes - é como jogar gasolina no fogo. Não à toa, a temperatura global bate recordes sucessivos em 2023 e o clima do planeta se torna imprevisível.

“Os eventos extremos serão cada vez piores e mais intensos”, diz a pesquisadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Luciana Gatti. ”Está aumentando a frequência do El Niño e eles também estão ficando mais quentes.”

O último mês foi o agosto mais quente já medido pela pela Agência Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA), em 174 anos. Em julho, a temperatura global bateu o recorde por três dias seguidos e uma onda de incêndios se espalhou pelo mundo.

No Canadá, a fumaça da queimada florestal pôde ser vista do espaço. Nos Estados Unidos, a ilha havaiana de Maui teve o incêndio mais mortal do último século. Ao todo, 101 pessoas morreram. Na Europa, Itália, Espanha e Grécia sofreram com as chamas descontroladas. O território grego registrou o maior incêndio da União Europeia, com ao menos 21 vítimas.

Incêndio deixa rastro de destruição na Ilha Maui, no Havaí Foto: Hawaii Department of Land and Natural Resources via AP

O problema não se restringe à terra firme. Desde abril, a superfície do mar tem visto novas marcas máximas em relação à média padrão. Por enquanto, os oito primeiros meses de 2023 fazem deste o ano com a maior anomalia climática nos oceanos desde meados do século 19. E ainda nem chegamos ao pico do El Niño, o que pode acontecer em novembro ou só em 2024 - o que já nos garante que o próximo ano terá mais gasolina sendo despejada no fogo.

O El Niño é conhecido por elevar as temperaturas planetárias em 0,1ºC a 0,2ºC. O último fenômeno forte do tipo levou 2016 ao recorde atual de calor global médio, e também desencadeou aumento de calor extremo e tempestades. “A previsão era que ele chegasse em dezembro. Já chegou e está fazendo todo esse estrago”, diz a pesquisadora do Inpe, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Em 2015 e 2016, o fenômeno foi tão forte que ganhou o apelido de “El Niño Godzilla”. Luciana é a autora de uma pesquisa, publicada há um mês na revista Nature, que revela o tamanho do estrago na Amazônia após a passagem dessa “criatura”. Em 2019 e 2020, os registros de focos de incêndio e desmate dispararam, reflexo do desmonte das políticas ambientais nos dois primeiros anos da gestão Jair Bolsonaro (PL).

“O El Niño é causado pelo aquecimento anômalo das águas do Pacífico equatorial, as águas já estão ficando cerca de um grau mais quente em relação as décadas passadas. Neste ano em particular o aquecimento global amplificou de uma maneira extraordinária o aumento da temperatura dos oceanos, por isso temos um El Niño muito mais forte do que teríamos sem o aquecimento global “, diz Paulo Artaxo, Integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e professor da USP. “O aquecimento global é a peça-chave no aumento dos eventos extremos, sem dúvida alguma, como essas ondas de calor e inundações no Rio Grande do Sul.”

A floresta se aproxima de forma perigosa do “ponto de não retorno”, quando o processo de savanização do bioma atinge um estágio irreversível.

E a atmosfera mais poluída resulta em dias cada vez mais quentes.

Neste cenário, os eventos climáticos extremos ficarão mais extremos e frequentes. Desde o meio do ano, por exemplo, o Rio Grande do Sul tem sofrido com ciclones extratropicais. Em junho, a passagem de um fenômeno do tipo, acompanhada de temporais, deixou 16 mortos. No início deste mês, o total de vítimas foi ainda maior: 49. E, nesta semana, o ciclone volta a assustar os gaúchos - uma morte foi confirmada na noite desta terça-feira, 26.

Roca Sales, no interior gaúcho, foi uma das cidades destruídas pelo ciclone de setembro Foto: Wesley Santos/AP

Apenas o começo

Há uma semana o secretário-geral da ONU, António Guterres, reforçou o alerta na abertura do Debate Geral da 78.ª sessão da Assembleia Geral.

“Em todo o mundo, vemos não só a aceleração das temperaturas, mas também a aceleração do aumento do nível do mar, o recuo das geleiras, a disseminação de doenças mortais, a extinção de espécies e cidades ameaçadas”, afirmou. “E é apenas o começo.”

A previsão de Guterres é a mesma reiterada inúmeras vezes pela ciência. É também a mesma que os pesquisadores fazem antes de ressaltar que a janela de chances para nos livrarmos da catástrofe ainda está aberta, mas quase se fechando.

O último relatório do Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC), das Nações Unidas, divulgado neste ano, aponta que algumas das mudanças climáticas futuras são inevitáveis ou irreversíveis, mas podem ser limitadas por alterações rápidas e de redução sustentada das emissões globais.

O documento aponta a necessidade de mudanças na forma de produção de alimentos, eletricidade, transportes, indústria, construções e uso do solo, além de indicar medidas como a ampliação do acesso a energia e tecnologias limpas.

Este foi o último relatório do IPCC previsto para esta década, o que significa que o próximo encontrará o planeta irreversivelmente condenado à catástrofe climática ou ainda respirando. O diagnóstico de Guterres pode não ser animador, mas é uma chance para não perdermos o único controle que temos do clima, a possibilidade de prevê-lo.

“Acabamos de sobreviver aos dias mais quentes, aos meses mais quentes e ao verão mais quente dos últimos tempos. Por trás de cada recorde quebrado estão economias quebradas, vidas quebradas e nações inteiras sob risco de ruptura”, disse o secretário-geral da ONU. “Cada continente, cada região e cada país está sentindo o calor. Mas não tenho certeza se todos os líderes estão sentindo todo esse calor. As ações estão muito aquém do esperado.”

É uma espécie de tempestade perfeita, no pior sentido do termo. O El Niño deste ano encontrou um planeta cada vez mais quente e assolado pelos efeitos das mudanças climáticas. Nesse cenário, a chegada do fenômeno climático - que aquece as águas superficiais do Oceano Pacífico, com repercussões em todos os continentes - é como jogar gasolina no fogo. Não à toa, a temperatura global bate recordes sucessivos em 2023 e o clima do planeta se torna imprevisível.

“Os eventos extremos serão cada vez piores e mais intensos”, diz a pesquisadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Luciana Gatti. ”Está aumentando a frequência do El Niño e eles também estão ficando mais quentes.”

O último mês foi o agosto mais quente já medido pela pela Agência Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA), em 174 anos. Em julho, a temperatura global bateu o recorde por três dias seguidos e uma onda de incêndios se espalhou pelo mundo.

No Canadá, a fumaça da queimada florestal pôde ser vista do espaço. Nos Estados Unidos, a ilha havaiana de Maui teve o incêndio mais mortal do último século. Ao todo, 101 pessoas morreram. Na Europa, Itália, Espanha e Grécia sofreram com as chamas descontroladas. O território grego registrou o maior incêndio da União Europeia, com ao menos 21 vítimas.

Incêndio deixa rastro de destruição na Ilha Maui, no Havaí Foto: Hawaii Department of Land and Natural Resources via AP

O problema não se restringe à terra firme. Desde abril, a superfície do mar tem visto novas marcas máximas em relação à média padrão. Por enquanto, os oito primeiros meses de 2023 fazem deste o ano com a maior anomalia climática nos oceanos desde meados do século 19. E ainda nem chegamos ao pico do El Niño, o que pode acontecer em novembro ou só em 2024 - o que já nos garante que o próximo ano terá mais gasolina sendo despejada no fogo.

O El Niño é conhecido por elevar as temperaturas planetárias em 0,1ºC a 0,2ºC. O último fenômeno forte do tipo levou 2016 ao recorde atual de calor global médio, e também desencadeou aumento de calor extremo e tempestades. “A previsão era que ele chegasse em dezembro. Já chegou e está fazendo todo esse estrago”, diz a pesquisadora do Inpe, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Em 2015 e 2016, o fenômeno foi tão forte que ganhou o apelido de “El Niño Godzilla”. Luciana é a autora de uma pesquisa, publicada há um mês na revista Nature, que revela o tamanho do estrago na Amazônia após a passagem dessa “criatura”. Em 2019 e 2020, os registros de focos de incêndio e desmate dispararam, reflexo do desmonte das políticas ambientais nos dois primeiros anos da gestão Jair Bolsonaro (PL).

“O El Niño é causado pelo aquecimento anômalo das águas do Pacífico equatorial, as águas já estão ficando cerca de um grau mais quente em relação as décadas passadas. Neste ano em particular o aquecimento global amplificou de uma maneira extraordinária o aumento da temperatura dos oceanos, por isso temos um El Niño muito mais forte do que teríamos sem o aquecimento global “, diz Paulo Artaxo, Integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e professor da USP. “O aquecimento global é a peça-chave no aumento dos eventos extremos, sem dúvida alguma, como essas ondas de calor e inundações no Rio Grande do Sul.”

A floresta se aproxima de forma perigosa do “ponto de não retorno”, quando o processo de savanização do bioma atinge um estágio irreversível.

E a atmosfera mais poluída resulta em dias cada vez mais quentes.

Neste cenário, os eventos climáticos extremos ficarão mais extremos e frequentes. Desde o meio do ano, por exemplo, o Rio Grande do Sul tem sofrido com ciclones extratropicais. Em junho, a passagem de um fenômeno do tipo, acompanhada de temporais, deixou 16 mortos. No início deste mês, o total de vítimas foi ainda maior: 49. E, nesta semana, o ciclone volta a assustar os gaúchos - uma morte foi confirmada na noite desta terça-feira, 26.

Roca Sales, no interior gaúcho, foi uma das cidades destruídas pelo ciclone de setembro Foto: Wesley Santos/AP

Apenas o começo

Há uma semana o secretário-geral da ONU, António Guterres, reforçou o alerta na abertura do Debate Geral da 78.ª sessão da Assembleia Geral.

“Em todo o mundo, vemos não só a aceleração das temperaturas, mas também a aceleração do aumento do nível do mar, o recuo das geleiras, a disseminação de doenças mortais, a extinção de espécies e cidades ameaçadas”, afirmou. “E é apenas o começo.”

A previsão de Guterres é a mesma reiterada inúmeras vezes pela ciência. É também a mesma que os pesquisadores fazem antes de ressaltar que a janela de chances para nos livrarmos da catástrofe ainda está aberta, mas quase se fechando.

O último relatório do Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC), das Nações Unidas, divulgado neste ano, aponta que algumas das mudanças climáticas futuras são inevitáveis ou irreversíveis, mas podem ser limitadas por alterações rápidas e de redução sustentada das emissões globais.

O documento aponta a necessidade de mudanças na forma de produção de alimentos, eletricidade, transportes, indústria, construções e uso do solo, além de indicar medidas como a ampliação do acesso a energia e tecnologias limpas.

Este foi o último relatório do IPCC previsto para esta década, o que significa que o próximo encontrará o planeta irreversivelmente condenado à catástrofe climática ou ainda respirando. O diagnóstico de Guterres pode não ser animador, mas é uma chance para não perdermos o único controle que temos do clima, a possibilidade de prevê-lo.

“Acabamos de sobreviver aos dias mais quentes, aos meses mais quentes e ao verão mais quente dos últimos tempos. Por trás de cada recorde quebrado estão economias quebradas, vidas quebradas e nações inteiras sob risco de ruptura”, disse o secretário-geral da ONU. “Cada continente, cada região e cada país está sentindo o calor. Mas não tenho certeza se todos os líderes estão sentindo todo esse calor. As ações estão muito aquém do esperado.”

É uma espécie de tempestade perfeita, no pior sentido do termo. O El Niño deste ano encontrou um planeta cada vez mais quente e assolado pelos efeitos das mudanças climáticas. Nesse cenário, a chegada do fenômeno climático - que aquece as águas superficiais do Oceano Pacífico, com repercussões em todos os continentes - é como jogar gasolina no fogo. Não à toa, a temperatura global bate recordes sucessivos em 2023 e o clima do planeta se torna imprevisível.

“Os eventos extremos serão cada vez piores e mais intensos”, diz a pesquisadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Luciana Gatti. ”Está aumentando a frequência do El Niño e eles também estão ficando mais quentes.”

O último mês foi o agosto mais quente já medido pela pela Agência Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA), em 174 anos. Em julho, a temperatura global bateu o recorde por três dias seguidos e uma onda de incêndios se espalhou pelo mundo.

No Canadá, a fumaça da queimada florestal pôde ser vista do espaço. Nos Estados Unidos, a ilha havaiana de Maui teve o incêndio mais mortal do último século. Ao todo, 101 pessoas morreram. Na Europa, Itália, Espanha e Grécia sofreram com as chamas descontroladas. O território grego registrou o maior incêndio da União Europeia, com ao menos 21 vítimas.

Incêndio deixa rastro de destruição na Ilha Maui, no Havaí Foto: Hawaii Department of Land and Natural Resources via AP

O problema não se restringe à terra firme. Desde abril, a superfície do mar tem visto novas marcas máximas em relação à média padrão. Por enquanto, os oito primeiros meses de 2023 fazem deste o ano com a maior anomalia climática nos oceanos desde meados do século 19. E ainda nem chegamos ao pico do El Niño, o que pode acontecer em novembro ou só em 2024 - o que já nos garante que o próximo ano terá mais gasolina sendo despejada no fogo.

O El Niño é conhecido por elevar as temperaturas planetárias em 0,1ºC a 0,2ºC. O último fenômeno forte do tipo levou 2016 ao recorde atual de calor global médio, e também desencadeou aumento de calor extremo e tempestades. “A previsão era que ele chegasse em dezembro. Já chegou e está fazendo todo esse estrago”, diz a pesquisadora do Inpe, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Em 2015 e 2016, o fenômeno foi tão forte que ganhou o apelido de “El Niño Godzilla”. Luciana é a autora de uma pesquisa, publicada há um mês na revista Nature, que revela o tamanho do estrago na Amazônia após a passagem dessa “criatura”. Em 2019 e 2020, os registros de focos de incêndio e desmate dispararam, reflexo do desmonte das políticas ambientais nos dois primeiros anos da gestão Jair Bolsonaro (PL).

“O El Niño é causado pelo aquecimento anômalo das águas do Pacífico equatorial, as águas já estão ficando cerca de um grau mais quente em relação as décadas passadas. Neste ano em particular o aquecimento global amplificou de uma maneira extraordinária o aumento da temperatura dos oceanos, por isso temos um El Niño muito mais forte do que teríamos sem o aquecimento global “, diz Paulo Artaxo, Integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e professor da USP. “O aquecimento global é a peça-chave no aumento dos eventos extremos, sem dúvida alguma, como essas ondas de calor e inundações no Rio Grande do Sul.”

A floresta se aproxima de forma perigosa do “ponto de não retorno”, quando o processo de savanização do bioma atinge um estágio irreversível.

E a atmosfera mais poluída resulta em dias cada vez mais quentes.

Neste cenário, os eventos climáticos extremos ficarão mais extremos e frequentes. Desde o meio do ano, por exemplo, o Rio Grande do Sul tem sofrido com ciclones extratropicais. Em junho, a passagem de um fenômeno do tipo, acompanhada de temporais, deixou 16 mortos. No início deste mês, o total de vítimas foi ainda maior: 49. E, nesta semana, o ciclone volta a assustar os gaúchos - uma morte foi confirmada na noite desta terça-feira, 26.

Roca Sales, no interior gaúcho, foi uma das cidades destruídas pelo ciclone de setembro Foto: Wesley Santos/AP

Apenas o começo

Há uma semana o secretário-geral da ONU, António Guterres, reforçou o alerta na abertura do Debate Geral da 78.ª sessão da Assembleia Geral.

“Em todo o mundo, vemos não só a aceleração das temperaturas, mas também a aceleração do aumento do nível do mar, o recuo das geleiras, a disseminação de doenças mortais, a extinção de espécies e cidades ameaçadas”, afirmou. “E é apenas o começo.”

A previsão de Guterres é a mesma reiterada inúmeras vezes pela ciência. É também a mesma que os pesquisadores fazem antes de ressaltar que a janela de chances para nos livrarmos da catástrofe ainda está aberta, mas quase se fechando.

O último relatório do Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC), das Nações Unidas, divulgado neste ano, aponta que algumas das mudanças climáticas futuras são inevitáveis ou irreversíveis, mas podem ser limitadas por alterações rápidas e de redução sustentada das emissões globais.

O documento aponta a necessidade de mudanças na forma de produção de alimentos, eletricidade, transportes, indústria, construções e uso do solo, além de indicar medidas como a ampliação do acesso a energia e tecnologias limpas.

Este foi o último relatório do IPCC previsto para esta década, o que significa que o próximo encontrará o planeta irreversivelmente condenado à catástrofe climática ou ainda respirando. O diagnóstico de Guterres pode não ser animador, mas é uma chance para não perdermos o único controle que temos do clima, a possibilidade de prevê-lo.

“Acabamos de sobreviver aos dias mais quentes, aos meses mais quentes e ao verão mais quente dos últimos tempos. Por trás de cada recorde quebrado estão economias quebradas, vidas quebradas e nações inteiras sob risco de ruptura”, disse o secretário-geral da ONU. “Cada continente, cada região e cada país está sentindo o calor. Mas não tenho certeza se todos os líderes estão sentindo todo esse calor. As ações estão muito aquém do esperado.”

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