Os prejuízos causados pela seca histórica que atinge o Estado do Amazonas estão longe do fim para aqueles que vivem às margens do Rio Solimões. A estiagem recorde tem alterado a paisagem do rio, que em condições normais possui uma extensão navegável de 1,6 mil quilômetros entre Tabatinga, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, e a capital Manaus. O cenário, assim como em outros pontos da região, tem sido de falta de água potável, dificuldade para acesso a produtos alimentícios e inviabilização do transporte fluvial.
Pescadores estão preocupados: “Antes era fácil prever quando o rio ia subir, agora só a natureza sabe”, disse o presidente da Associação de Pescadores de Tabatinga, Walmir Barboza.
De segunda para terça-feira, o Rio Solimões até chegou a registrar 11 centímetros de subida, resultado da melhora nos níveis dos rios peruanos Maranon e Ucaialy. Em território peruano fica localizada a nascente do rio que chega ao território brasileiro por Tabatinga, onde a medida ainda é de -75 centímetros, segundo o último relatório do Serviço Geográfico Brasileiro (CPRM), a segunda maior seca da história, ficando atrás apenas da de 2010, quando a marca foi de -86 cm.
Walmir fala sobre a preocupação de que a seca feche de vez os canais de acesso a mais comunidades e falte comida para a população. Segundo ele, embora haja ações municipais para levar água potável aos locais isolados, o esforço não está sendo suficiente. “São mais de 50 comunidades e algumas ficaram isoladas. Para pegar água são pelo menos duas horas.”
Para sobreviver, ribeirinhos fazem um processo rudimentar. Após andar longos percursos, eles recolhem a água que vai ser usada, peneiram, colocam em compartimentos para separar os sedimentos e então misturam ao hipoclorito para matar bactérias. Mas nem todos contam com o composto químico e podem contrair doenças.
Prefeito descreve dificuldade para assistir comunidades
Em Codajás, na porção do Solimões mais próxima a Manaus, o prefeito Tonho Santos (União) narra as dificuldades logísticas das prefeituras para levar ações humanitárias por conta das características geográficas da região amazônica.
O município possui 62 comunidades e 48 estão em situação crítica de acesso. Por causa da seca, vários locais foram transformados em grandes atoleiros.
“São horas de motor rabeta, hora a pé, nem nadando nem andando, mas no atoleiro na lama. Se você entra em um rio pequeno para visitar duas comunidades, você vai gastar dois a três dias até você voltar”, relata Tonho.
O prefeito aguarda repasses e o envio de cestas básicas do governo federal e estadual que devem chegar até o fim da semana. Por enquanto, os esforços são para levar água para as comunidades isoladas, onde peixes morreram e contaminam os mananciais. “As pessoas vão passar fome se não houver socorro”.
Dragagem tenta devolver navegabilidade ao rio
As águas barrentas do Solimões entregam sua principal característica: o arrasto de sedimentos. São eles que preocupam quem trafega pelo rio, pois, na seca, grandes bancos de areia são formados e chegam a impedir o fluxo de embarcações.
No dia 27 de setembro o Departamento Nacional de Trânsito (DNIT) decretou emergência no trecho entre Benjamin Constant e Tabatinga. E na terça-feira, 17, mais um trecho foi incluído no decreto: a hidrovia do Paraná do Abacate, situada entre os municípios de Codajás e Coari.
Essa dificuldade para a navegação afugenta a renda de trabalhadores como o Izano Lima da Silva, 58, que trabalha como autônomo na manutenção de embarcações na entrada de Coari e no Igarapé do Pera. Por causa da seca, há dois meses ele não consegue serviço.
“Essa seca afetou quem depende desse trabalho. Nós somos pais de família e precisamos trabalhar para sustentar nossa casa. A gente quer ver o que os governantes vão fazer pela gente. A gente precisa. Quem tinha algum dinheiro guardado está tirando para ir se mantendo, mas está acabando”, diz Izano.
Como medida emergencial para garantir o ir e vir das embarcações, o governo federal anunciou a liberação de R$ 40 milhões para a dragagem no trecho do Rio Solimões entre Tabatinga e Benjamin Constant. As operações começaram na segunda-feira, segundo o DNIT, e devem ser concluídas no período de 45 a 60 dias.
Cinquenta e nove municípios no Estado estão em situação de emergência com aproximadamente 579 mil pessoas afetadas pela estiagem e seis mil alunos sem aulas. Em coletiva de imprensa na terça-feira, o governador do Amazonas, Wilson Lima (União) afirmou que a dragagem também será realizada no Rio Amazonas e será iniciada nesta sexta-feira, 20.
O serviço faz parte do pacote de R$ 650 milhões enviados pelo governo federal que também irá antecipar R$ 100 milhões em emendas aos parlamentares do Estado. Outras ações serão feitas nos seguintes setores:
- Saúde: Um investimento de R$ 232 milhões será alocado para a área de saúde. Além disso, serão utilizados R$ 100 milhões de antecipação de emendas parlamentares.
- Municípios: Aproximadamente R$ 62 milhões serão destinados aos municípios.
- Fundo Amazônia: Receberá R$ 35 milhões, que não se tratam de financiamento, mas sim de recursos não reembolsáveis. Esses recursos serão utilizados para aprofundar a prevenção de queimadas e implementar outras medidas na região amazônica.
- Ministério da Justiça: Alocará R$ 15 milhões para a aquisição de aeronaves para combate a incêndios florestais e R$ 20 milhões para bombeiros.
- Ministério da Defesa: Disponibilizará R$ 20 milhões para aquisição de aeronaves e helicópteros.
Além dos recursos mencionados, também haverá dinheiro destinado ao seguro-defeso e auxílio emergencial, visando abordar várias necessidades em diferentes setores.
Segundo o governo do Estado, 40 mil cestas básicas devem ser entregues por meio da Defesa Civil, em parceria com Exército e Marinha. O Estado também segue com entregas de alimentos do Merenda em Casa, com mais de 2,2 mil kits já destinados à população. Agência de Fomento do Estado do Amazonas (Afeam) anunciou programa de remissão e renegociação em resposta à estiagem. A estimativa de remissão e renegociação de débitos totalizam mais de 1.900 operações no valor de, aproximadamente, R$ 9,7 milhões.
O governo do Amazonas e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) promoveram na quarta-feira a primeira reunião de alinhamento em torno do Programa União que terá investimentos de R$ 600 milhões do Fundo Amazônia para apoiar municípios de todo o País no controle de incêndios florestais e do desmatamento. A estimativa é de que o Amazonas poderá receber, a partir de 2024, até R$ 34 milhões na primeira das três etapas do programa.