GLASGOW - O espaço deixado pelo governo Jair Bolsonaro no protagonismo ambiental entre as nações do chamado sul global não ficou vazio por muito tempo. A Colômbia tem preenchido o vácuo deixado pelo vizinho. Ainda que cerca de dois terços da Amazônia estejam no Brasil, é do país presidido por Iván Duque Marques a atenção e as ações que se destacam desde antes da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-26).
Em Glasgow, onde a conferência ocorre há uma semana, Duque teve uma série de encontros com chefes de Estado. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, entre eles. Foi a primeira vez que os dois ficaram frente a frente, o democrata americano de máscara, o sul-americano sem. Além de ambos terem bases conservadoras, param por aí as semelhanças com Bolsonaro.
Duque avança no vácuo deixado pelo País não só de olho no espólio da “soft power” ambiental deixada por Bolsonaro, mas em outras negociações e lucros futuros.“Isso abre espaço para o governo colombiano em outros foros”, diz o professor Relações Internacionais da USP Felipe Loureiro. “Quando um país avança em um tabuleiro (geopolítico) ganha prestígio em outros.”
Em 2019, no mesmo dia em que Bolsonaro afirmou, em discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas, que há “falácias” sobre a Amazônia, Duque se disse contra a politização de queimadas na região. Agora, enquanto Bolsonaro sequer colocou os pés no Reino Unido para a COP e preferiu permanecer na Itália após a reunião do G-20 para receber homenagem de um político da ultradireita local, Duque não apenas se encontrou com autoridades estrangeiras, como vendeu a imagem de um país comprometido com a luta contra o desmate. Esteve ao lado do premiê britânico, Boris Johnson, no anúncio de um acordo de proteção de florestas com a adesão de mais de cem países. Dias depois, ele esteve junto do presidente francês, Emmanuel Macron.
“Não podemos sair da COP sem dar ao mundo respostas concretas e esta cúpula deve ser lembrada porque demos um basta a discursos vazios e materializamos a esperança para as gerações que pedem o melhor de nós”, escreveu Duque nas redes sociais.
Na Escócia, ele também promoveu a agricultura colombiana e saiu com US$ 33,5 milhões (R$ 184 milhões) para conter a devastação na Amazônia e reduzir os gases de efeito estufa. O dinheiro veio de uma aliança com a Alemanha, a Noruega e o Reino Unido.
Os dois primeiros, por sinal, são os mesmos países que injetaram mais de R$ 3 bilhões no Fundo Amazônia, congelado desde o início da gestão Bolsonaro. Sobre o assunto, em 2019, o presidente brasileiro assim se dirigiu ao país nórdico: "A Noruega não é aquela que mata baleia lá em cima, no Polo Norte, não? Que explora petróleo também lá? Não tem nada a oferecer para nós”, disse. Foi além e também sugeriu que o dinheiro norueguês fosse usado para reflorestar a Alemanha.
“Em relações internacionais não existe vácuo. Se um país sai de cena, outro vai ocupar o espaço”, diz o professor da FGV André Pereira de Carvalho. Segundo ele, desde que o Brasil criou atritos em relação ao Fundo Amazônia, a Noruega cogitava levar o financiamento ao país vizinho.
“É inacreditável que o Brasil não esteja aproveitando esse momento”, diz Loureiro. “Não vai ser fácil reconstruir a imagem do País. Isso pode durar décadas.”
A realidade doméstica do líder do país andino, porém, não é tão pacífica e engajada. A Colômbia é considerado o lugar mais perigoso do mundo para ser um ambientalista: 65 dos 227 assassinatos de ativistas ambientais foram registrados no país em 2020, conforme a ONG Global Witness.
Segundo a ativista colombiana Laura Morales, da Citizen Climate Lobby, Duque faz marketing em cima de ações ambientais que partem da sociedade civil. “Muitas do que ele faz é propaganda. Alguns dos resultados que ele anuncia nunca passaram pelo governo e mesmo assim ele faz questão de dizer que são da gestão dele”, afirma. Procurado, o governo colombiano não atendeu aos pedidos de entrevista da reportagem.
Ainda assim, aos olhos da comunidade internacional, o direitista conseguiu conciliar suas convicções político-ideológicas com uma posição alinhada à postura exigida pela emergência climática que já se sente nos diferentes cantos do planeta.
De acordo com o último relatório do IPCC, o painel de cientistas da ONU, A Terra está esquentando mais rápido do que era previsto e se prepara para atingir 1,5ºC acima do nível pré-industrial já na década de 2030, dez anos antes do que era esperado. Com isso, haverá eventos climáticos extremos em maior frequência, como enchentes e ondas de calor.
Enquanto o Brasil se desentendia com os financiadores do Fundo Amazônia e acumulava resultados negativos nas taxas de desmatamento, a Colômbia fazia o contrário. Apesar de em 2019, o país ter perdido uma área de floresta equivalente à cidade de São Paulo, os 159 mil hectares perdidos de vegetação representaram uma queda de 19% em relação ao ano anterior.
“Há alguns anos a Colômbia vem se destacando com uma série de reformas. Não por acaso entrou para a OCDE e para a Otan e o Brasil continua de fora’, diz a coordenadora do curso de Relações Internacionais da Anhembi-Morumbi, Helena Margarido Moreira.
Para ela, durante a COP, o Brasil pareceu ensaiar um retorno a sua política ambiental anterior com anúncios como o fim da derrubada ilegal da floresta com prazo para acontecer e o acordo do metano, mas “não há nada diferente do que o governo Bolsonaro faz desde o início”, afirma se referindo às dúvidas da comunidade internacional sobre o comprimento dos acordos.
A forma como o Brasil vem conduzindo as políticas ambientais deve causar espanto mesmo na direita, afirma. “O governo Bolsonaro vê a pauta ambiental como uma pauta de esquerda, mas não há nada de incongruente entre a postura do governo colombiano que também é de direita”, afirma.