Quais são os segredos ancestrais indígenas usados para salvar Amazônia e Cerrado do fogo?


Povos tradicionais hoje são a maioria dos agentes das Brigadas federais e têm ajudado a reverter a política de ‘fogo zero’ no País

Por João Ker
Atualização:

“Eu duvidava, mas com o passar do tempo entendi que o fogo pode ser nosso amigo ou inimigo”, diz Traiú Assalu Mehinaco, de 28 anos. Indígena do povo Mehinako, ele foi o primeiro brigadista contratado pelo governo federal para ajudar na contenção de incêndios no Alto Xingu, uma das reservas mais importantes no Centro-Oeste do País, e hoje é líder de uma equipe com mais de cem profissionais treinados.

Localizado no nordeste do Mato Grosso, o Parque Indígena do Xingu é uma região emblemática de combate ao fogo por estar localizado em uma área com mais de 2,6 milhões de hectares que se dividem entre Amazônia e Cerrado. Além dos Mehinako, a reserva abriga outras 15 etnias indígenas, mas até meados da década passada nenhum membro delas era oficialmente treinado ou cadastrado para combater incêndios.

“Em 2012, começamos a ver incêndios dentro das áreas indígenas, principalmente porque já operávamos nesses locais, mas sem brigadistas indígenas ou quilombolas até então”, conta Lawrence Nóbrega, chefe da Divisão de Monitoramento e Combate do Prevfogo. Pertencente ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o órgão é responsável pela prevenção, controle, combate, pesquisa e treinamento contra os incêndios florestais a nível federal.

Nóbrega explica que o Brasil adotava desde os tempos do Império uma política hegemônica de “fogo zero”, voltada para coibir qualquer foco de incêndio que surgisse em paisagens naturais. Em 2013, entretanto, um ano após o Prevfogo estreitar laços com as comunidades tradicionais, o entendimento sobre como o fogo também pode ser utilizado na prevenção desses mesmos incêndios começou a mudar.

Traiú Assalu Mehinaco foi o primeiro brigadista indígena credenciado pelo Ibama no Alto Xingu Foto: Arquivo pessoal

“Vimos como os aborígenes utilizavam o fogo na Austrália para diminuir o risco dos incêndios e como usavam isso no passado (aqui no Brasil)”, diz Nóbrega. “Começamos a ter um outro olhar dos próprios anciãos indígenas, a partir do uso do fogo prescrito, com épocas adequadas para manejar aquele ambiente e diminuir a quantidade de material combustível.”

Nem Traiú conhecia esses hábitos seculares que, descobriu mais tarde, eram utilizados antigamente no próprio Xingu para o cultivo da mandioca. “Os anciãos vinham dizendo que precisava queimar para chegar na época crítica (de incêndios) sem o combustível seco, o que ajuda no desenvolvimento das plantas, das frutas e do Cerrado, que precisam de fogo para se regenerar”, diz.

“A atividade com os brigadistas envolve mais que prevenção ou combate, é o manejo integrado do fogo, levando em consideração também aspectos sociais e ecológicos”, explica Nóbrega. “Aprendemos a usar isso a nosso favor”, completa Traiú.

Manejo Integrado do Fogo

Além de ser um aliado da agricultura familiar, o uso das queimadas controladas pode se tornar um importante aliado na prevenção de grandes desastres florestais, especialmente no Cerrado, onde os incêndios naturais podem ser causados pelos raios e ajudam a vegetação a evoluir com o fogo.

Um estudo publicado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) no periódico Journal of Environmental Management, em 2017, já apontava que o uso correto do fogo é um processo natural desse bioma e parte vital do equilíbrio e manutenção do seu ecossistema.

Isso não significa, entretanto, que ele deve ser usado de maneira irrestrita, em qualquer época do ano ou sem o apoio de autoridades competentes.

Desde o ano passado, tramitam no Congresso dois projetos de lei que pretendem instituir um Plano Nacional de Manejo Integrado do Fogo, impondo medidas para regular o uso do fogo para culturas de subsistência, para pesquisas científicas e principalmente entre comunidades tradicionais.

Parados no plenário do Senado desde julho, os textos receberam uma sinalização positiva do atual Ministério do Meio Ambiente durante uma audiência pública ainda no ano passado.

Caso seja sancionado, o Plano ainda prevê que o manejo de fogo e incêndios controlados devem ser fiscalizados e autorizados em cooperação com órgãos federais como Ibama, Funai, Fundação Cultural Palmares.

Equipe de brigadistas indígenas credenciada pelo Prevfogo durante combate a um incêndio florestal Foto: Daiane Cortes/Ascom Ibama

Na prática, entretanto, os brigadistas do Prevfogo já têm seguido essas diretrizes em casos pontuais para locais específicos.

“Depois dessa integração (com os indígenas), diminuímos muito os grandes incêndios no Cerrado. É uma religação com as práticas ancestrais do passado para o desenvolvimento do próprio ecossistema”, defende Nóbrega. “Isso é um processo biológico. O que acontece hoje é que ele é feito da forma errada, em épocas erradas.”

‘O clima mudou’

Traiú conta que quando se inscreveu para ser brigadista, em 2016, não havia mais ninguém das etnias do Alto Xingú interessado na vaga. Ele mesmo, a princípio, só via na experiência uma forma de garantir sua primeira experiência de trabalho aos 20 anos.

Hoje, o panorama mudou e o Xingu conta com duas brigadas que somadas totalizam 114 agentes indígenas credenciados.

“Não dá para dizer que não é perceptível. A gente sente as mudanças climáticas aqui”, observa Traiú, dizendo que ele, seus amigos, familiares, colegas de brigada, anciãos e chefes têm percebido como os efeitos das mudanças climáticas se intensificaram no parque, impondo condições tão adversas que o combate aos incêndios tem se tornado mais difícil a cada nova temporada.

Ele explica que um dos efeitos sentidos por todos os membros das aldeias foi a necessidade de mudar o horário em que as roças eram queimadas.

Antes, a prática era realizada sempre no horário do almoço, algo que se tornou impossível pelo risco de o fogo extrapolar os limites da propriedade. “Como a borda do Xingu era úmida, o fogo não escapava dali. E agora sai, viu, por isso que o trabalho do Ibama tem sido importante.”

“Os eventos climáticos, principalmente no ano passado, foram nossos maiores problemas”, aponta Nóbrega. “Tudo isso, associado ou não ao El Niño, forma um ambiente mais propício para incêndios florestais, o que tem exigido muito da gente.”

“Não sabia o que era manejo do fogo, mas com o passar do tempo fui entender como é importante esse trabalho”, observa. “Porque o tempo está mudando e as mudanças climáticas têm aumentado os incêndios florestais. É bem crítico.”

Em 2023, o Pantanal e a região amazônica registraram alta incidência de queimadas. Em Manaus, a fumaça oriunda dos focos chegou a encobrir a capital, situação que mobilizou os governos local e federal por medidas de combate. No Centro-Oeste, as ocorrências também chamaram atenção e o fogo chegou a cercar rodovias.

“Eu duvidava, mas com o passar do tempo entendi que o fogo pode ser nosso amigo ou inimigo”, diz Traiú Assalu Mehinaco, de 28 anos. Indígena do povo Mehinako, ele foi o primeiro brigadista contratado pelo governo federal para ajudar na contenção de incêndios no Alto Xingu, uma das reservas mais importantes no Centro-Oeste do País, e hoje é líder de uma equipe com mais de cem profissionais treinados.

Localizado no nordeste do Mato Grosso, o Parque Indígena do Xingu é uma região emblemática de combate ao fogo por estar localizado em uma área com mais de 2,6 milhões de hectares que se dividem entre Amazônia e Cerrado. Além dos Mehinako, a reserva abriga outras 15 etnias indígenas, mas até meados da década passada nenhum membro delas era oficialmente treinado ou cadastrado para combater incêndios.

“Em 2012, começamos a ver incêndios dentro das áreas indígenas, principalmente porque já operávamos nesses locais, mas sem brigadistas indígenas ou quilombolas até então”, conta Lawrence Nóbrega, chefe da Divisão de Monitoramento e Combate do Prevfogo. Pertencente ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o órgão é responsável pela prevenção, controle, combate, pesquisa e treinamento contra os incêndios florestais a nível federal.

Nóbrega explica que o Brasil adotava desde os tempos do Império uma política hegemônica de “fogo zero”, voltada para coibir qualquer foco de incêndio que surgisse em paisagens naturais. Em 2013, entretanto, um ano após o Prevfogo estreitar laços com as comunidades tradicionais, o entendimento sobre como o fogo também pode ser utilizado na prevenção desses mesmos incêndios começou a mudar.

Traiú Assalu Mehinaco foi o primeiro brigadista indígena credenciado pelo Ibama no Alto Xingu Foto: Arquivo pessoal

“Vimos como os aborígenes utilizavam o fogo na Austrália para diminuir o risco dos incêndios e como usavam isso no passado (aqui no Brasil)”, diz Nóbrega. “Começamos a ter um outro olhar dos próprios anciãos indígenas, a partir do uso do fogo prescrito, com épocas adequadas para manejar aquele ambiente e diminuir a quantidade de material combustível.”

Nem Traiú conhecia esses hábitos seculares que, descobriu mais tarde, eram utilizados antigamente no próprio Xingu para o cultivo da mandioca. “Os anciãos vinham dizendo que precisava queimar para chegar na época crítica (de incêndios) sem o combustível seco, o que ajuda no desenvolvimento das plantas, das frutas e do Cerrado, que precisam de fogo para se regenerar”, diz.

“A atividade com os brigadistas envolve mais que prevenção ou combate, é o manejo integrado do fogo, levando em consideração também aspectos sociais e ecológicos”, explica Nóbrega. “Aprendemos a usar isso a nosso favor”, completa Traiú.

Manejo Integrado do Fogo

Além de ser um aliado da agricultura familiar, o uso das queimadas controladas pode se tornar um importante aliado na prevenção de grandes desastres florestais, especialmente no Cerrado, onde os incêndios naturais podem ser causados pelos raios e ajudam a vegetação a evoluir com o fogo.

Um estudo publicado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) no periódico Journal of Environmental Management, em 2017, já apontava que o uso correto do fogo é um processo natural desse bioma e parte vital do equilíbrio e manutenção do seu ecossistema.

Isso não significa, entretanto, que ele deve ser usado de maneira irrestrita, em qualquer época do ano ou sem o apoio de autoridades competentes.

Desde o ano passado, tramitam no Congresso dois projetos de lei que pretendem instituir um Plano Nacional de Manejo Integrado do Fogo, impondo medidas para regular o uso do fogo para culturas de subsistência, para pesquisas científicas e principalmente entre comunidades tradicionais.

Parados no plenário do Senado desde julho, os textos receberam uma sinalização positiva do atual Ministério do Meio Ambiente durante uma audiência pública ainda no ano passado.

Caso seja sancionado, o Plano ainda prevê que o manejo de fogo e incêndios controlados devem ser fiscalizados e autorizados em cooperação com órgãos federais como Ibama, Funai, Fundação Cultural Palmares.

Equipe de brigadistas indígenas credenciada pelo Prevfogo durante combate a um incêndio florestal Foto: Daiane Cortes/Ascom Ibama

Na prática, entretanto, os brigadistas do Prevfogo já têm seguido essas diretrizes em casos pontuais para locais específicos.

“Depois dessa integração (com os indígenas), diminuímos muito os grandes incêndios no Cerrado. É uma religação com as práticas ancestrais do passado para o desenvolvimento do próprio ecossistema”, defende Nóbrega. “Isso é um processo biológico. O que acontece hoje é que ele é feito da forma errada, em épocas erradas.”

‘O clima mudou’

Traiú conta que quando se inscreveu para ser brigadista, em 2016, não havia mais ninguém das etnias do Alto Xingú interessado na vaga. Ele mesmo, a princípio, só via na experiência uma forma de garantir sua primeira experiência de trabalho aos 20 anos.

Hoje, o panorama mudou e o Xingu conta com duas brigadas que somadas totalizam 114 agentes indígenas credenciados.

“Não dá para dizer que não é perceptível. A gente sente as mudanças climáticas aqui”, observa Traiú, dizendo que ele, seus amigos, familiares, colegas de brigada, anciãos e chefes têm percebido como os efeitos das mudanças climáticas se intensificaram no parque, impondo condições tão adversas que o combate aos incêndios tem se tornado mais difícil a cada nova temporada.

Ele explica que um dos efeitos sentidos por todos os membros das aldeias foi a necessidade de mudar o horário em que as roças eram queimadas.

Antes, a prática era realizada sempre no horário do almoço, algo que se tornou impossível pelo risco de o fogo extrapolar os limites da propriedade. “Como a borda do Xingu era úmida, o fogo não escapava dali. E agora sai, viu, por isso que o trabalho do Ibama tem sido importante.”

“Os eventos climáticos, principalmente no ano passado, foram nossos maiores problemas”, aponta Nóbrega. “Tudo isso, associado ou não ao El Niño, forma um ambiente mais propício para incêndios florestais, o que tem exigido muito da gente.”

“Não sabia o que era manejo do fogo, mas com o passar do tempo fui entender como é importante esse trabalho”, observa. “Porque o tempo está mudando e as mudanças climáticas têm aumentado os incêndios florestais. É bem crítico.”

Em 2023, o Pantanal e a região amazônica registraram alta incidência de queimadas. Em Manaus, a fumaça oriunda dos focos chegou a encobrir a capital, situação que mobilizou os governos local e federal por medidas de combate. No Centro-Oeste, as ocorrências também chamaram atenção e o fogo chegou a cercar rodovias.

“Eu duvidava, mas com o passar do tempo entendi que o fogo pode ser nosso amigo ou inimigo”, diz Traiú Assalu Mehinaco, de 28 anos. Indígena do povo Mehinako, ele foi o primeiro brigadista contratado pelo governo federal para ajudar na contenção de incêndios no Alto Xingu, uma das reservas mais importantes no Centro-Oeste do País, e hoje é líder de uma equipe com mais de cem profissionais treinados.

Localizado no nordeste do Mato Grosso, o Parque Indígena do Xingu é uma região emblemática de combate ao fogo por estar localizado em uma área com mais de 2,6 milhões de hectares que se dividem entre Amazônia e Cerrado. Além dos Mehinako, a reserva abriga outras 15 etnias indígenas, mas até meados da década passada nenhum membro delas era oficialmente treinado ou cadastrado para combater incêndios.

“Em 2012, começamos a ver incêndios dentro das áreas indígenas, principalmente porque já operávamos nesses locais, mas sem brigadistas indígenas ou quilombolas até então”, conta Lawrence Nóbrega, chefe da Divisão de Monitoramento e Combate do Prevfogo. Pertencente ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o órgão é responsável pela prevenção, controle, combate, pesquisa e treinamento contra os incêndios florestais a nível federal.

Nóbrega explica que o Brasil adotava desde os tempos do Império uma política hegemônica de “fogo zero”, voltada para coibir qualquer foco de incêndio que surgisse em paisagens naturais. Em 2013, entretanto, um ano após o Prevfogo estreitar laços com as comunidades tradicionais, o entendimento sobre como o fogo também pode ser utilizado na prevenção desses mesmos incêndios começou a mudar.

Traiú Assalu Mehinaco foi o primeiro brigadista indígena credenciado pelo Ibama no Alto Xingu Foto: Arquivo pessoal

“Vimos como os aborígenes utilizavam o fogo na Austrália para diminuir o risco dos incêndios e como usavam isso no passado (aqui no Brasil)”, diz Nóbrega. “Começamos a ter um outro olhar dos próprios anciãos indígenas, a partir do uso do fogo prescrito, com épocas adequadas para manejar aquele ambiente e diminuir a quantidade de material combustível.”

Nem Traiú conhecia esses hábitos seculares que, descobriu mais tarde, eram utilizados antigamente no próprio Xingu para o cultivo da mandioca. “Os anciãos vinham dizendo que precisava queimar para chegar na época crítica (de incêndios) sem o combustível seco, o que ajuda no desenvolvimento das plantas, das frutas e do Cerrado, que precisam de fogo para se regenerar”, diz.

“A atividade com os brigadistas envolve mais que prevenção ou combate, é o manejo integrado do fogo, levando em consideração também aspectos sociais e ecológicos”, explica Nóbrega. “Aprendemos a usar isso a nosso favor”, completa Traiú.

Manejo Integrado do Fogo

Além de ser um aliado da agricultura familiar, o uso das queimadas controladas pode se tornar um importante aliado na prevenção de grandes desastres florestais, especialmente no Cerrado, onde os incêndios naturais podem ser causados pelos raios e ajudam a vegetação a evoluir com o fogo.

Um estudo publicado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) no periódico Journal of Environmental Management, em 2017, já apontava que o uso correto do fogo é um processo natural desse bioma e parte vital do equilíbrio e manutenção do seu ecossistema.

Isso não significa, entretanto, que ele deve ser usado de maneira irrestrita, em qualquer época do ano ou sem o apoio de autoridades competentes.

Desde o ano passado, tramitam no Congresso dois projetos de lei que pretendem instituir um Plano Nacional de Manejo Integrado do Fogo, impondo medidas para regular o uso do fogo para culturas de subsistência, para pesquisas científicas e principalmente entre comunidades tradicionais.

Parados no plenário do Senado desde julho, os textos receberam uma sinalização positiva do atual Ministério do Meio Ambiente durante uma audiência pública ainda no ano passado.

Caso seja sancionado, o Plano ainda prevê que o manejo de fogo e incêndios controlados devem ser fiscalizados e autorizados em cooperação com órgãos federais como Ibama, Funai, Fundação Cultural Palmares.

Equipe de brigadistas indígenas credenciada pelo Prevfogo durante combate a um incêndio florestal Foto: Daiane Cortes/Ascom Ibama

Na prática, entretanto, os brigadistas do Prevfogo já têm seguido essas diretrizes em casos pontuais para locais específicos.

“Depois dessa integração (com os indígenas), diminuímos muito os grandes incêndios no Cerrado. É uma religação com as práticas ancestrais do passado para o desenvolvimento do próprio ecossistema”, defende Nóbrega. “Isso é um processo biológico. O que acontece hoje é que ele é feito da forma errada, em épocas erradas.”

‘O clima mudou’

Traiú conta que quando se inscreveu para ser brigadista, em 2016, não havia mais ninguém das etnias do Alto Xingú interessado na vaga. Ele mesmo, a princípio, só via na experiência uma forma de garantir sua primeira experiência de trabalho aos 20 anos.

Hoje, o panorama mudou e o Xingu conta com duas brigadas que somadas totalizam 114 agentes indígenas credenciados.

“Não dá para dizer que não é perceptível. A gente sente as mudanças climáticas aqui”, observa Traiú, dizendo que ele, seus amigos, familiares, colegas de brigada, anciãos e chefes têm percebido como os efeitos das mudanças climáticas se intensificaram no parque, impondo condições tão adversas que o combate aos incêndios tem se tornado mais difícil a cada nova temporada.

Ele explica que um dos efeitos sentidos por todos os membros das aldeias foi a necessidade de mudar o horário em que as roças eram queimadas.

Antes, a prática era realizada sempre no horário do almoço, algo que se tornou impossível pelo risco de o fogo extrapolar os limites da propriedade. “Como a borda do Xingu era úmida, o fogo não escapava dali. E agora sai, viu, por isso que o trabalho do Ibama tem sido importante.”

“Os eventos climáticos, principalmente no ano passado, foram nossos maiores problemas”, aponta Nóbrega. “Tudo isso, associado ou não ao El Niño, forma um ambiente mais propício para incêndios florestais, o que tem exigido muito da gente.”

“Não sabia o que era manejo do fogo, mas com o passar do tempo fui entender como é importante esse trabalho”, observa. “Porque o tempo está mudando e as mudanças climáticas têm aumentado os incêndios florestais. É bem crítico.”

Em 2023, o Pantanal e a região amazônica registraram alta incidência de queimadas. Em Manaus, a fumaça oriunda dos focos chegou a encobrir a capital, situação que mobilizou os governos local e federal por medidas de combate. No Centro-Oeste, as ocorrências também chamaram atenção e o fogo chegou a cercar rodovias.

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