Como o fogo no Pantanal devastou um santuário de araras-azuis


Estância no Mato Grosso do Sul que é sede de projetos ambientais teve 80% de sua área queimada

Por Juliana Domingos de Lima
Atualização:

Comandado pela bióloga Neiva Guedes, o Instituto Arara Azul atua no Pantanal há quase 30 anos. Ele foi criado para garantir a reprodução e a permanência das aves em seu habitat, protegendo-as do tráfico de animais e de outros riscos. Nesse período, conseguiu aumentar a população de araras-azuis e até expandi-las para outras regiões do bioma.

Araras azuis empoleiradas em árvores atingidas pelo fogo no Pantanal. Foto: Instituto Arara Azul/Arquivo

Mas, nos últimos anos, o trabalho de conservação realizado pelo instituto convive com mais uma ameaça recorrente: o fogo.

Embora incêndios façam parte até certo ponto do ecossistema do Pantanal, Guedes descreveu o evento que atingiu a propriedade onde está a base principal da organização, no Mato Grosso do Sul, nos dias 1.º e 2 de agosto, como algo sem precedentes.

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Incêndios de agosto devastaram santuário e têm impacto em reprodução e desenvolvimento de filhotes. Crédito: Arquivo/Instituto Arara Azul

“Foi um fogo avassalador, numa velocidade e impacto que a gente nunca viu, queimando árvores centenárias”, disse ao Estadão.

Muitas dessas árvores são justamente a base da alimentação das araras-azuis. Elas são especialistas (se alimentam apenas de determinadas espécies) e comem os frutos das palmeiras acuri e bocaiúva, que podem levar um ano e meio ou mais para produzir novos frutos. Até lá, o projeto planeja suplementar a alimentação das aves.

Acuris queimados na Estância Caiman, em agosto de 2024. Palmeira é uma das bases da alimentação das araras azuis. Foto: Arquivo/Instituto Arara Azul

Segundo Guedes e o proprietário da área, Roberto Klabin, o incêndio consumiu quase 80% da Estância Caiman entre o fim de julho e o início de agosto. Além do santuário das araras, a fazenda de 53 mil hectares no Município de Miranda (MS) abriga outros projetos ambientais, como Onçafari e Instituto Tamanduá.

De acordo com a coordenadora do Instituto Tamanduá, Flávia Miranda, foram resgatados uma onça, dois tamanduás, três antas e um jabuti com ferimentos após os incêndios. A maioria não sobreviveu. O instituto planeja instalar um hospital veterinário em sua casa base na Caiman para melhorar o atendimento emergencial aos animais.

A chuva e a frente fria que chegaram ao Pantanal na semana passada ajudaram a controlar o fogo na parte sul do bioma. As organizações estão atuando em conjunto para monitorar e cuidar dos animais afetados.

‘É voltar para a estaca zero’

A fauna do Pantanal ainda vinha se recuperando de grandes incêndios que atingiram o bioma em anos recentes.

Em 2020, ano que registrou mais focos de queimada de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um levantamento feito por órgãos como ICMBio, Ibama e institutos de pesquisa revelou que 17 milhões de animais vertebrados morreram.

O diretor do SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, destacou a tragédia que acomete a fauna do Pantanal ano após ano: “Muitos morrem e os que não morrem enfrentam uma terra arrasada. E não é só o fogo: a gente não pode esquecer da seca. Muitos animais morrem por falta de acesso à água”.

Onça e pintada e filhote em área devastada por incêndios no Pantanal. Foto: Maria Eduarda Monteiro/Instituto Arara Azul

Segundo Flávia Miranda, o Instituto Tamanduá ainda estava reabilitando filhotes que perderam suas mães nos incêndios de anos anteriores. Com a aproximação do fogo em 2024, tiveram que retirá-los da vida livre e recolocá-los em cativeiro.

“Se a gente colocar na balança de um projeto de conservação, é voltar para a estaca zero, começar de novo tudo que a gente fez desde 2020″, lamentou.

No caso das araras, que podem voar e normalmente não sofrem ferimentos pelo fogo, a fumaça tem efeitos de longo prazo no desenvolvimento.

Guedes cita doenças de pele, baixa imunidade, pneumonia, maior número de óbitos de filhotes nascidos e até nanismo entre os problemas identificados nas gerações seguintes a incêndios.

Outra preocupação é o aumento da competição. “Quando queima geral como agora, é uma guerra pela sobrevivência. A comida é escassa e aumenta muito a briga entre os indivíduos e a predação entre espécies”, disse a bióloga.

Cinta metálica é instalada em árvores com ninhos para protegê-los de predadores Foto: Arquivo/Instituto Arara Azul

A Caiman já havia sido afetada pelo fogo em 2019, quando teve em torno de 60% de sua área queimada. Na época, segundo levantamento do Instituto Arara Azul, metade dos ninhos ativos com filhotes ou ovos foi atingida.

Em 2024, o fogo chegou quando as aves ainda estavam no início do período de postura de ovos.

Além do monitoramento, os técnicos do instituto estão adotando medidas de mitigação para garantir a reprodução das araras, como a recuperação e instalação dos ninhos e de cintas metálicas nas árvores para evitar a subida de predadores.

A organização ainda está avaliando os impactos dos focos de incêndio de agosto. Por enquanto, de 21 ovos, constatou-se que dois foram perdidos.

”Queimou tudo. Queimou a árvore, queimou o ninho, queimou os ovos, queimou o equipamento”, disse Guedes. O primeiro filhote da temporada nasceu na última segunda-feira, 12.

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Nascimento de primeiro filhote da temporada após incêndios atingirem centro de reprodução do Instituto Arara Azul em Miranda (MS), em agosto de 2024

Além do centro de reprodução natural em Miranda, no Mato Grosso do Sul, o instituto também monitora há duas décadas uma área em São Francisco do Perigara (MT), que é usada pelas araras azuis como dormitório e começou a pegar fogo na última sexta-feira, 9.

A Caiman está situada em uma região de transição entre Cerrado e Pantanal, e guarda uma rica biodiversidade que a tornou um destino turístico de observação de animais.

Por causa do fogo, o hotel localizado na propriedade ficará fechado até o final de setembro, e todos os esforços devem se concentrar na restauração das áreas e no cuidado aos animais. Na falta de comida, até a cozinha do local foi adaptada para alimentá-los.

Segundo o proprietário da fazenda, Roberto Klabin, foram instalados poços e aguadas na propriedade após o fogo de 2019, para garantir o acesso à água no combate ao fogo e também para os animais.

Klabin afirma que a estratégia protegeu os sobreviventes da escassez hídrica neste ano, mas que pretende “aumentar a resiliência da Caiman”, criando mais açudes, mais poços e estruturas onde os animais possam se abrigar do fogo, além de trabalhar ao lado da vizinhança para impedir que o fogo entre.

Fogo também atinge reserva do Sesc Pantanal

De janeiro a 15 de agosto, o Pantanal já ultrapassou 1,5 milhão de hectares devastados pelo fogo, segundo dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa-UFRJ), equivalente a mais de 10% de sua área total.

Bombeiros combatem novos incêndios no Pantanal deo Mato Grosso do Sul. Foto: BRUNO REZENDE/GOVERNO MS

O bioma vive o ano mais seco de sua história e vem enfrentando focos de incêndio desde maio e junho, iniciados antes do período de maior seca, normalmente concentrado de agosto a outubro.

A área queimada ainda não superou os 3,9 milhões de hectares de 2020, mas, como lembra o diretor do SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, o bioma ainda tem meses de seca pela frente.

“As condições climáticas esse ano estão piores para queimar do que em 2020, então o cenário é pior. O que vai fazer a diferença para passar ou não do número daquele ano é a resposta aos incêndios”, disse.

Controlado na região do Pantanal Sul, onde está a Caiman, o fogo agora atinge áreas do Pantanal Norte, no Mato Grosso, incluindo a maior reserva natural privada do bioma, a RPPN Sesc Pantanal.

“O que preocupa agora, principalmente, é o foco do Pantanal Norte, que começou na reserva do Sesc e está descendo com força. Já devastou muitas áreas e está quase chegando no Parque Estadual Encontro das Águas”, alertou o diretor da SOS Pantanal.

O parque também foi atingido em 2020 e 2021 e abriga o maior santuário de onças pintadas do mundo.

Em nota, a reserva informou que “o Polo Socioambiental Sesc Pantanal trabalha desde o início deste mês para o controle dos focos de calor” em conjunto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso, Prevfogo/Ibama e fazendas no entorno.

Comandado pela bióloga Neiva Guedes, o Instituto Arara Azul atua no Pantanal há quase 30 anos. Ele foi criado para garantir a reprodução e a permanência das aves em seu habitat, protegendo-as do tráfico de animais e de outros riscos. Nesse período, conseguiu aumentar a população de araras-azuis e até expandi-las para outras regiões do bioma.

Araras azuis empoleiradas em árvores atingidas pelo fogo no Pantanal. Foto: Instituto Arara Azul/Arquivo

Mas, nos últimos anos, o trabalho de conservação realizado pelo instituto convive com mais uma ameaça recorrente: o fogo.

Embora incêndios façam parte até certo ponto do ecossistema do Pantanal, Guedes descreveu o evento que atingiu a propriedade onde está a base principal da organização, no Mato Grosso do Sul, nos dias 1.º e 2 de agosto, como algo sem precedentes.

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Incêndios de agosto devastaram santuário e têm impacto em reprodução e desenvolvimento de filhotes. Crédito: Arquivo/Instituto Arara Azul

“Foi um fogo avassalador, numa velocidade e impacto que a gente nunca viu, queimando árvores centenárias”, disse ao Estadão.

Muitas dessas árvores são justamente a base da alimentação das araras-azuis. Elas são especialistas (se alimentam apenas de determinadas espécies) e comem os frutos das palmeiras acuri e bocaiúva, que podem levar um ano e meio ou mais para produzir novos frutos. Até lá, o projeto planeja suplementar a alimentação das aves.

Acuris queimados na Estância Caiman, em agosto de 2024. Palmeira é uma das bases da alimentação das araras azuis. Foto: Arquivo/Instituto Arara Azul

Segundo Guedes e o proprietário da área, Roberto Klabin, o incêndio consumiu quase 80% da Estância Caiman entre o fim de julho e o início de agosto. Além do santuário das araras, a fazenda de 53 mil hectares no Município de Miranda (MS) abriga outros projetos ambientais, como Onçafari e Instituto Tamanduá.

De acordo com a coordenadora do Instituto Tamanduá, Flávia Miranda, foram resgatados uma onça, dois tamanduás, três antas e um jabuti com ferimentos após os incêndios. A maioria não sobreviveu. O instituto planeja instalar um hospital veterinário em sua casa base na Caiman para melhorar o atendimento emergencial aos animais.

A chuva e a frente fria que chegaram ao Pantanal na semana passada ajudaram a controlar o fogo na parte sul do bioma. As organizações estão atuando em conjunto para monitorar e cuidar dos animais afetados.

‘É voltar para a estaca zero’

A fauna do Pantanal ainda vinha se recuperando de grandes incêndios que atingiram o bioma em anos recentes.

Em 2020, ano que registrou mais focos de queimada de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um levantamento feito por órgãos como ICMBio, Ibama e institutos de pesquisa revelou que 17 milhões de animais vertebrados morreram.

O diretor do SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, destacou a tragédia que acomete a fauna do Pantanal ano após ano: “Muitos morrem e os que não morrem enfrentam uma terra arrasada. E não é só o fogo: a gente não pode esquecer da seca. Muitos animais morrem por falta de acesso à água”.

Onça e pintada e filhote em área devastada por incêndios no Pantanal. Foto: Maria Eduarda Monteiro/Instituto Arara Azul

Segundo Flávia Miranda, o Instituto Tamanduá ainda estava reabilitando filhotes que perderam suas mães nos incêndios de anos anteriores. Com a aproximação do fogo em 2024, tiveram que retirá-los da vida livre e recolocá-los em cativeiro.

“Se a gente colocar na balança de um projeto de conservação, é voltar para a estaca zero, começar de novo tudo que a gente fez desde 2020″, lamentou.

No caso das araras, que podem voar e normalmente não sofrem ferimentos pelo fogo, a fumaça tem efeitos de longo prazo no desenvolvimento.

Guedes cita doenças de pele, baixa imunidade, pneumonia, maior número de óbitos de filhotes nascidos e até nanismo entre os problemas identificados nas gerações seguintes a incêndios.

Outra preocupação é o aumento da competição. “Quando queima geral como agora, é uma guerra pela sobrevivência. A comida é escassa e aumenta muito a briga entre os indivíduos e a predação entre espécies”, disse a bióloga.

Cinta metálica é instalada em árvores com ninhos para protegê-los de predadores Foto: Arquivo/Instituto Arara Azul

A Caiman já havia sido afetada pelo fogo em 2019, quando teve em torno de 60% de sua área queimada. Na época, segundo levantamento do Instituto Arara Azul, metade dos ninhos ativos com filhotes ou ovos foi atingida.

Em 2024, o fogo chegou quando as aves ainda estavam no início do período de postura de ovos.

Além do monitoramento, os técnicos do instituto estão adotando medidas de mitigação para garantir a reprodução das araras, como a recuperação e instalação dos ninhos e de cintas metálicas nas árvores para evitar a subida de predadores.

A organização ainda está avaliando os impactos dos focos de incêndio de agosto. Por enquanto, de 21 ovos, constatou-se que dois foram perdidos.

”Queimou tudo. Queimou a árvore, queimou o ninho, queimou os ovos, queimou o equipamento”, disse Guedes. O primeiro filhote da temporada nasceu na última segunda-feira, 12.

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Nascimento de primeiro filhote da temporada após incêndios atingirem centro de reprodução do Instituto Arara Azul em Miranda (MS), em agosto de 2024

Além do centro de reprodução natural em Miranda, no Mato Grosso do Sul, o instituto também monitora há duas décadas uma área em São Francisco do Perigara (MT), que é usada pelas araras azuis como dormitório e começou a pegar fogo na última sexta-feira, 9.

A Caiman está situada em uma região de transição entre Cerrado e Pantanal, e guarda uma rica biodiversidade que a tornou um destino turístico de observação de animais.

Por causa do fogo, o hotel localizado na propriedade ficará fechado até o final de setembro, e todos os esforços devem se concentrar na restauração das áreas e no cuidado aos animais. Na falta de comida, até a cozinha do local foi adaptada para alimentá-los.

Segundo o proprietário da fazenda, Roberto Klabin, foram instalados poços e aguadas na propriedade após o fogo de 2019, para garantir o acesso à água no combate ao fogo e também para os animais.

Klabin afirma que a estratégia protegeu os sobreviventes da escassez hídrica neste ano, mas que pretende “aumentar a resiliência da Caiman”, criando mais açudes, mais poços e estruturas onde os animais possam se abrigar do fogo, além de trabalhar ao lado da vizinhança para impedir que o fogo entre.

Fogo também atinge reserva do Sesc Pantanal

De janeiro a 15 de agosto, o Pantanal já ultrapassou 1,5 milhão de hectares devastados pelo fogo, segundo dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa-UFRJ), equivalente a mais de 10% de sua área total.

Bombeiros combatem novos incêndios no Pantanal deo Mato Grosso do Sul. Foto: BRUNO REZENDE/GOVERNO MS

O bioma vive o ano mais seco de sua história e vem enfrentando focos de incêndio desde maio e junho, iniciados antes do período de maior seca, normalmente concentrado de agosto a outubro.

A área queimada ainda não superou os 3,9 milhões de hectares de 2020, mas, como lembra o diretor do SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, o bioma ainda tem meses de seca pela frente.

“As condições climáticas esse ano estão piores para queimar do que em 2020, então o cenário é pior. O que vai fazer a diferença para passar ou não do número daquele ano é a resposta aos incêndios”, disse.

Controlado na região do Pantanal Sul, onde está a Caiman, o fogo agora atinge áreas do Pantanal Norte, no Mato Grosso, incluindo a maior reserva natural privada do bioma, a RPPN Sesc Pantanal.

“O que preocupa agora, principalmente, é o foco do Pantanal Norte, que começou na reserva do Sesc e está descendo com força. Já devastou muitas áreas e está quase chegando no Parque Estadual Encontro das Águas”, alertou o diretor da SOS Pantanal.

O parque também foi atingido em 2020 e 2021 e abriga o maior santuário de onças pintadas do mundo.

Em nota, a reserva informou que “o Polo Socioambiental Sesc Pantanal trabalha desde o início deste mês para o controle dos focos de calor” em conjunto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso, Prevfogo/Ibama e fazendas no entorno.

Comandado pela bióloga Neiva Guedes, o Instituto Arara Azul atua no Pantanal há quase 30 anos. Ele foi criado para garantir a reprodução e a permanência das aves em seu habitat, protegendo-as do tráfico de animais e de outros riscos. Nesse período, conseguiu aumentar a população de araras-azuis e até expandi-las para outras regiões do bioma.

Araras azuis empoleiradas em árvores atingidas pelo fogo no Pantanal. Foto: Instituto Arara Azul/Arquivo

Mas, nos últimos anos, o trabalho de conservação realizado pelo instituto convive com mais uma ameaça recorrente: o fogo.

Embora incêndios façam parte até certo ponto do ecossistema do Pantanal, Guedes descreveu o evento que atingiu a propriedade onde está a base principal da organização, no Mato Grosso do Sul, nos dias 1.º e 2 de agosto, como algo sem precedentes.

Seu navegador não suporta esse video.

Incêndios de agosto devastaram santuário e têm impacto em reprodução e desenvolvimento de filhotes. Crédito: Arquivo/Instituto Arara Azul

“Foi um fogo avassalador, numa velocidade e impacto que a gente nunca viu, queimando árvores centenárias”, disse ao Estadão.

Muitas dessas árvores são justamente a base da alimentação das araras-azuis. Elas são especialistas (se alimentam apenas de determinadas espécies) e comem os frutos das palmeiras acuri e bocaiúva, que podem levar um ano e meio ou mais para produzir novos frutos. Até lá, o projeto planeja suplementar a alimentação das aves.

Acuris queimados na Estância Caiman, em agosto de 2024. Palmeira é uma das bases da alimentação das araras azuis. Foto: Arquivo/Instituto Arara Azul

Segundo Guedes e o proprietário da área, Roberto Klabin, o incêndio consumiu quase 80% da Estância Caiman entre o fim de julho e o início de agosto. Além do santuário das araras, a fazenda de 53 mil hectares no Município de Miranda (MS) abriga outros projetos ambientais, como Onçafari e Instituto Tamanduá.

De acordo com a coordenadora do Instituto Tamanduá, Flávia Miranda, foram resgatados uma onça, dois tamanduás, três antas e um jabuti com ferimentos após os incêndios. A maioria não sobreviveu. O instituto planeja instalar um hospital veterinário em sua casa base na Caiman para melhorar o atendimento emergencial aos animais.

A chuva e a frente fria que chegaram ao Pantanal na semana passada ajudaram a controlar o fogo na parte sul do bioma. As organizações estão atuando em conjunto para monitorar e cuidar dos animais afetados.

‘É voltar para a estaca zero’

A fauna do Pantanal ainda vinha se recuperando de grandes incêndios que atingiram o bioma em anos recentes.

Em 2020, ano que registrou mais focos de queimada de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um levantamento feito por órgãos como ICMBio, Ibama e institutos de pesquisa revelou que 17 milhões de animais vertebrados morreram.

O diretor do SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, destacou a tragédia que acomete a fauna do Pantanal ano após ano: “Muitos morrem e os que não morrem enfrentam uma terra arrasada. E não é só o fogo: a gente não pode esquecer da seca. Muitos animais morrem por falta de acesso à água”.

Onça e pintada e filhote em área devastada por incêndios no Pantanal. Foto: Maria Eduarda Monteiro/Instituto Arara Azul

Segundo Flávia Miranda, o Instituto Tamanduá ainda estava reabilitando filhotes que perderam suas mães nos incêndios de anos anteriores. Com a aproximação do fogo em 2024, tiveram que retirá-los da vida livre e recolocá-los em cativeiro.

“Se a gente colocar na balança de um projeto de conservação, é voltar para a estaca zero, começar de novo tudo que a gente fez desde 2020″, lamentou.

No caso das araras, que podem voar e normalmente não sofrem ferimentos pelo fogo, a fumaça tem efeitos de longo prazo no desenvolvimento.

Guedes cita doenças de pele, baixa imunidade, pneumonia, maior número de óbitos de filhotes nascidos e até nanismo entre os problemas identificados nas gerações seguintes a incêndios.

Outra preocupação é o aumento da competição. “Quando queima geral como agora, é uma guerra pela sobrevivência. A comida é escassa e aumenta muito a briga entre os indivíduos e a predação entre espécies”, disse a bióloga.

Cinta metálica é instalada em árvores com ninhos para protegê-los de predadores Foto: Arquivo/Instituto Arara Azul

A Caiman já havia sido afetada pelo fogo em 2019, quando teve em torno de 60% de sua área queimada. Na época, segundo levantamento do Instituto Arara Azul, metade dos ninhos ativos com filhotes ou ovos foi atingida.

Em 2024, o fogo chegou quando as aves ainda estavam no início do período de postura de ovos.

Além do monitoramento, os técnicos do instituto estão adotando medidas de mitigação para garantir a reprodução das araras, como a recuperação e instalação dos ninhos e de cintas metálicas nas árvores para evitar a subida de predadores.

A organização ainda está avaliando os impactos dos focos de incêndio de agosto. Por enquanto, de 21 ovos, constatou-se que dois foram perdidos.

”Queimou tudo. Queimou a árvore, queimou o ninho, queimou os ovos, queimou o equipamento”, disse Guedes. O primeiro filhote da temporada nasceu na última segunda-feira, 12.

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Nascimento de primeiro filhote da temporada após incêndios atingirem centro de reprodução do Instituto Arara Azul em Miranda (MS), em agosto de 2024

Além do centro de reprodução natural em Miranda, no Mato Grosso do Sul, o instituto também monitora há duas décadas uma área em São Francisco do Perigara (MT), que é usada pelas araras azuis como dormitório e começou a pegar fogo na última sexta-feira, 9.

A Caiman está situada em uma região de transição entre Cerrado e Pantanal, e guarda uma rica biodiversidade que a tornou um destino turístico de observação de animais.

Por causa do fogo, o hotel localizado na propriedade ficará fechado até o final de setembro, e todos os esforços devem se concentrar na restauração das áreas e no cuidado aos animais. Na falta de comida, até a cozinha do local foi adaptada para alimentá-los.

Segundo o proprietário da fazenda, Roberto Klabin, foram instalados poços e aguadas na propriedade após o fogo de 2019, para garantir o acesso à água no combate ao fogo e também para os animais.

Klabin afirma que a estratégia protegeu os sobreviventes da escassez hídrica neste ano, mas que pretende “aumentar a resiliência da Caiman”, criando mais açudes, mais poços e estruturas onde os animais possam se abrigar do fogo, além de trabalhar ao lado da vizinhança para impedir que o fogo entre.

Fogo também atinge reserva do Sesc Pantanal

De janeiro a 15 de agosto, o Pantanal já ultrapassou 1,5 milhão de hectares devastados pelo fogo, segundo dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa-UFRJ), equivalente a mais de 10% de sua área total.

Bombeiros combatem novos incêndios no Pantanal deo Mato Grosso do Sul. Foto: BRUNO REZENDE/GOVERNO MS

O bioma vive o ano mais seco de sua história e vem enfrentando focos de incêndio desde maio e junho, iniciados antes do período de maior seca, normalmente concentrado de agosto a outubro.

A área queimada ainda não superou os 3,9 milhões de hectares de 2020, mas, como lembra o diretor do SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, o bioma ainda tem meses de seca pela frente.

“As condições climáticas esse ano estão piores para queimar do que em 2020, então o cenário é pior. O que vai fazer a diferença para passar ou não do número daquele ano é a resposta aos incêndios”, disse.

Controlado na região do Pantanal Sul, onde está a Caiman, o fogo agora atinge áreas do Pantanal Norte, no Mato Grosso, incluindo a maior reserva natural privada do bioma, a RPPN Sesc Pantanal.

“O que preocupa agora, principalmente, é o foco do Pantanal Norte, que começou na reserva do Sesc e está descendo com força. Já devastou muitas áreas e está quase chegando no Parque Estadual Encontro das Águas”, alertou o diretor da SOS Pantanal.

O parque também foi atingido em 2020 e 2021 e abriga o maior santuário de onças pintadas do mundo.

Em nota, a reserva informou que “o Polo Socioambiental Sesc Pantanal trabalha desde o início deste mês para o controle dos focos de calor” em conjunto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso, Prevfogo/Ibama e fazendas no entorno.

Comandado pela bióloga Neiva Guedes, o Instituto Arara Azul atua no Pantanal há quase 30 anos. Ele foi criado para garantir a reprodução e a permanência das aves em seu habitat, protegendo-as do tráfico de animais e de outros riscos. Nesse período, conseguiu aumentar a população de araras-azuis e até expandi-las para outras regiões do bioma.

Araras azuis empoleiradas em árvores atingidas pelo fogo no Pantanal. Foto: Instituto Arara Azul/Arquivo

Mas, nos últimos anos, o trabalho de conservação realizado pelo instituto convive com mais uma ameaça recorrente: o fogo.

Embora incêndios façam parte até certo ponto do ecossistema do Pantanal, Guedes descreveu o evento que atingiu a propriedade onde está a base principal da organização, no Mato Grosso do Sul, nos dias 1.º e 2 de agosto, como algo sem precedentes.

Seu navegador não suporta esse video.

Incêndios de agosto devastaram santuário e têm impacto em reprodução e desenvolvimento de filhotes. Crédito: Arquivo/Instituto Arara Azul

“Foi um fogo avassalador, numa velocidade e impacto que a gente nunca viu, queimando árvores centenárias”, disse ao Estadão.

Muitas dessas árvores são justamente a base da alimentação das araras-azuis. Elas são especialistas (se alimentam apenas de determinadas espécies) e comem os frutos das palmeiras acuri e bocaiúva, que podem levar um ano e meio ou mais para produzir novos frutos. Até lá, o projeto planeja suplementar a alimentação das aves.

Acuris queimados na Estância Caiman, em agosto de 2024. Palmeira é uma das bases da alimentação das araras azuis. Foto: Arquivo/Instituto Arara Azul

Segundo Guedes e o proprietário da área, Roberto Klabin, o incêndio consumiu quase 80% da Estância Caiman entre o fim de julho e o início de agosto. Além do santuário das araras, a fazenda de 53 mil hectares no Município de Miranda (MS) abriga outros projetos ambientais, como Onçafari e Instituto Tamanduá.

De acordo com a coordenadora do Instituto Tamanduá, Flávia Miranda, foram resgatados uma onça, dois tamanduás, três antas e um jabuti com ferimentos após os incêndios. A maioria não sobreviveu. O instituto planeja instalar um hospital veterinário em sua casa base na Caiman para melhorar o atendimento emergencial aos animais.

A chuva e a frente fria que chegaram ao Pantanal na semana passada ajudaram a controlar o fogo na parte sul do bioma. As organizações estão atuando em conjunto para monitorar e cuidar dos animais afetados.

‘É voltar para a estaca zero’

A fauna do Pantanal ainda vinha se recuperando de grandes incêndios que atingiram o bioma em anos recentes.

Em 2020, ano que registrou mais focos de queimada de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um levantamento feito por órgãos como ICMBio, Ibama e institutos de pesquisa revelou que 17 milhões de animais vertebrados morreram.

O diretor do SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, destacou a tragédia que acomete a fauna do Pantanal ano após ano: “Muitos morrem e os que não morrem enfrentam uma terra arrasada. E não é só o fogo: a gente não pode esquecer da seca. Muitos animais morrem por falta de acesso à água”.

Onça e pintada e filhote em área devastada por incêndios no Pantanal. Foto: Maria Eduarda Monteiro/Instituto Arara Azul

Segundo Flávia Miranda, o Instituto Tamanduá ainda estava reabilitando filhotes que perderam suas mães nos incêndios de anos anteriores. Com a aproximação do fogo em 2024, tiveram que retirá-los da vida livre e recolocá-los em cativeiro.

“Se a gente colocar na balança de um projeto de conservação, é voltar para a estaca zero, começar de novo tudo que a gente fez desde 2020″, lamentou.

No caso das araras, que podem voar e normalmente não sofrem ferimentos pelo fogo, a fumaça tem efeitos de longo prazo no desenvolvimento.

Guedes cita doenças de pele, baixa imunidade, pneumonia, maior número de óbitos de filhotes nascidos e até nanismo entre os problemas identificados nas gerações seguintes a incêndios.

Outra preocupação é o aumento da competição. “Quando queima geral como agora, é uma guerra pela sobrevivência. A comida é escassa e aumenta muito a briga entre os indivíduos e a predação entre espécies”, disse a bióloga.

Cinta metálica é instalada em árvores com ninhos para protegê-los de predadores Foto: Arquivo/Instituto Arara Azul

A Caiman já havia sido afetada pelo fogo em 2019, quando teve em torno de 60% de sua área queimada. Na época, segundo levantamento do Instituto Arara Azul, metade dos ninhos ativos com filhotes ou ovos foi atingida.

Em 2024, o fogo chegou quando as aves ainda estavam no início do período de postura de ovos.

Além do monitoramento, os técnicos do instituto estão adotando medidas de mitigação para garantir a reprodução das araras, como a recuperação e instalação dos ninhos e de cintas metálicas nas árvores para evitar a subida de predadores.

A organização ainda está avaliando os impactos dos focos de incêndio de agosto. Por enquanto, de 21 ovos, constatou-se que dois foram perdidos.

”Queimou tudo. Queimou a árvore, queimou o ninho, queimou os ovos, queimou o equipamento”, disse Guedes. O primeiro filhote da temporada nasceu na última segunda-feira, 12.

Seu navegador não suporta esse video.

Nascimento de primeiro filhote da temporada após incêndios atingirem centro de reprodução do Instituto Arara Azul em Miranda (MS), em agosto de 2024

Além do centro de reprodução natural em Miranda, no Mato Grosso do Sul, o instituto também monitora há duas décadas uma área em São Francisco do Perigara (MT), que é usada pelas araras azuis como dormitório e começou a pegar fogo na última sexta-feira, 9.

A Caiman está situada em uma região de transição entre Cerrado e Pantanal, e guarda uma rica biodiversidade que a tornou um destino turístico de observação de animais.

Por causa do fogo, o hotel localizado na propriedade ficará fechado até o final de setembro, e todos os esforços devem se concentrar na restauração das áreas e no cuidado aos animais. Na falta de comida, até a cozinha do local foi adaptada para alimentá-los.

Segundo o proprietário da fazenda, Roberto Klabin, foram instalados poços e aguadas na propriedade após o fogo de 2019, para garantir o acesso à água no combate ao fogo e também para os animais.

Klabin afirma que a estratégia protegeu os sobreviventes da escassez hídrica neste ano, mas que pretende “aumentar a resiliência da Caiman”, criando mais açudes, mais poços e estruturas onde os animais possam se abrigar do fogo, além de trabalhar ao lado da vizinhança para impedir que o fogo entre.

Fogo também atinge reserva do Sesc Pantanal

De janeiro a 15 de agosto, o Pantanal já ultrapassou 1,5 milhão de hectares devastados pelo fogo, segundo dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa-UFRJ), equivalente a mais de 10% de sua área total.

Bombeiros combatem novos incêndios no Pantanal deo Mato Grosso do Sul. Foto: BRUNO REZENDE/GOVERNO MS

O bioma vive o ano mais seco de sua história e vem enfrentando focos de incêndio desde maio e junho, iniciados antes do período de maior seca, normalmente concentrado de agosto a outubro.

A área queimada ainda não superou os 3,9 milhões de hectares de 2020, mas, como lembra o diretor do SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, o bioma ainda tem meses de seca pela frente.

“As condições climáticas esse ano estão piores para queimar do que em 2020, então o cenário é pior. O que vai fazer a diferença para passar ou não do número daquele ano é a resposta aos incêndios”, disse.

Controlado na região do Pantanal Sul, onde está a Caiman, o fogo agora atinge áreas do Pantanal Norte, no Mato Grosso, incluindo a maior reserva natural privada do bioma, a RPPN Sesc Pantanal.

“O que preocupa agora, principalmente, é o foco do Pantanal Norte, que começou na reserva do Sesc e está descendo com força. Já devastou muitas áreas e está quase chegando no Parque Estadual Encontro das Águas”, alertou o diretor da SOS Pantanal.

O parque também foi atingido em 2020 e 2021 e abriga o maior santuário de onças pintadas do mundo.

Em nota, a reserva informou que “o Polo Socioambiental Sesc Pantanal trabalha desde o início deste mês para o controle dos focos de calor” em conjunto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso, Prevfogo/Ibama e fazendas no entorno.

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