Periquitos-cara-suja voltaram para uma região onde não eram vistos há 114 anos. Exclusivamente do Nordeste, os 18 representantes da espécie foram reintegrados a seu habitat natural no coração da Reserva Natural Serra das Almas, localizada no Ceará, neste mês.
Os periquitos-cara-suja (Pyrrhura griseipectus), sob os cuidados da ONG Aquasis, ficaram durante cinco meses em um recinto de aclimatação, um espaço grande, mas ainda fechado na mata. Nas próximas solturas, esse tempo de adaptação irá diminuir, porque os bandos já terão uma referência.
O gerente do Projeto Cara-suja da Aquasis, Fábio Nunes, relata que essa etapa é fundamental para que os animais se adaptem ao clima e aos alimentos e reconheçam o espaço como seu território. Mais 12 periquitos-cara-suja deverão ser liberados na reserva nos próximos meses.
O grupo solto neste mês é de animais de um mesmo grupo familiar que vivia livre na Serra de Baturité, localizada no Ceará. Essas características são importantes para a reintegração. Como já estão acostumados a viver na natureza, esses animais são ágeis contra predadores e reconhecem comida na mata e, por identificarem os companheiros de bando, se mantêm juntos após a soltura, o que aumenta a chance de sobrevivência.
O recinto foi aberto numa madrugada. Por volta das 5h30 as aves começaram a sair e a dar pequenos voos, se alimentaram e encontraram caixas deixadas pela equipe para servir como ninho. Depois, alçaram um voo mais longo para explorar o novo território. Só retornaram no outro dia pela manhã, conta o coordenador da Reserva Natural Serra das Almas, Gilson Miranda.
A expectativa, diz o coordenador, é de que os animais reintegrados comecem a se reproduzir no próximo ano. A ONG Aquasis calcula que a população de periquitos-cara-suja na reserva pode ultrapassar os 100 indivíduos nos próximos 5 a 7 anos.
As aves reintegradas continuarão a ser monitoradas por meio de observação direta e das vocalizações do bando. A equipe da Aquasis também fará a contagem nos dormitórios e irão observar pontos de alimentação.
O esforço também faz parte do Plano de Ação Nacional para Conservação das Aves da Caatinga, do Ministério do Meio Ambiente, e tem apoio do projeto Refaunar Arvorar do Beach Park.
Por que o periquito-cara-suja quase desapareceu?
Entre os principais fatores que ameaçam essa espécie estão o tráfico de animais e a destruição de seu habitat. Esses pássaros dependem dos ocos que existem nas árvores mais velhas para se abrigar e se reproduzir e ficam prejudicados com o desmatamento.
Para solucionar essa questão, a Aquasis desenvolveu caixas-ninho, que simulam o oco da árvore. Fábio Nunes, da Aquasis, destaca o sucesso do mecanismo no aumento da população de periquitos-cara-suja. Em 2009, na Serra de Baturité, havia menos de 100 indivíduos, mas “de 2010 a 2024, um total de 3.826 filhotes de periquitos cara-sujas voaram dos ninhos”.
Na Reserva Natural Serra das Almas, também foram instaladas as caixas-ninho, com o intuito de ajudar na adaptação dos animais até que encontrem ninhos naturais e se tornem mais independentes.
A nova casa dos periquitos-cara-suja
No novo espaço, os periquitos poderão se alimentar das sementes de marmeleiro, da guabiraba, da gameleira e da flor do ipê. Logo no primeiro dia de soltura, as aves comeram flor da mirindiba. O retorno do periquito-cara-suja pode intensificar a dinâmica de dispersão de sementes, função importante em ecossistemas florestais. Os periquitos também encontrarão predadores, como cobras e marsupiais.
A Reserva Natural Serra das Almas, a maior Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) do Estado do Ceará, ocupa uma faixa de 6.285 hectares e está sob os cuidados da Associação Caatinga. A área se consolidou como um refúgio de espécies. Os periquitos-cara-suja foram os primeiros animais reintroduzidos com o auxílio de seres humanos. Mas, outros animais já voltaram à região de forma espontânea, comenta Gilson Miranda. Entre algumas dessas espécies estão o macaco guariba, o roedor paca e a onça-parda.
Ainda que estejam em um lugar seguro, as ameaças aos periquitos soltos não desapareceram completamente. Miranda conta que a escolha de soltar os pássaros no coração da reserva está relacionada à mantê-los a salvo de caçadores, que podem estar nas regiões extremas ou periféricas da unidade. “A gente tenta trabalhar para inibir esse tipo de invasão, mas é complicado.”
O analista ambiental e chefe da Divisão de Fiscalização do Ibama do Ceará (Difis-CE), José da Luz Alencar, presenciou o momento em que os animais foram soltos e chamou o momento de histórico.
Ele conta que a divulgação do retorno do periquito-cara-suja na mídia traz benefícios ao conscientizar a população sobre os problemas do tráfico de animais. Mas, também pode atrair mais caçadores e traficantes. De acordo com Alencar, o Ibama precisará aumentar a fiscalização na área.