A série de compromissos revistos e assumidos pelo Brasil na Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-26), em Glasgow, na Escócia, não foi o bastante para destravar contribuições bilionárias de países europeus ao Fundo Amazônia, mecanismo que recebia doações estrangeiras para financiar ações de proteção da floresta. O ingresso de novos recursos foi bloqueado no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro por causa da destruição acelerada do bioma. A Alemanha afirma que não pretende dar mais dinheiro enquanto o Brasil não demonstrar como vai implementar seus compromissos da COP-26. Já a Noruega deseja ver nova redução substancial no desmatamento para retomar doações.
Na conferência climática, o Brasil assinou acordos multilaterais para proteção de florestas tropicais e redução na emissão do gás metano, além de ter se comprometido a zerar o desmatamento ilegal até 2028, a cortar emissões de gases de efeito estufa à metade até 2030 e a atingir a neutralidade climática (saldo zero entre emissões e absorções de carbono) em 2050.
Analistas consideram que a sinalização dada pelo País em Glasgow é positiva, após a postura refratária à agenda ambiental de Bolsonaro quando assumiu o governo, mas será preciso mostrar mudanças na prática. "Os compromissos do Brasil na COP são muito bons, mas só são palavras nesse momento. O que precisamos são ações, a implementação desses compromissos", afirmou ao Estadão o embaixador da Alemanha em Brasília, Heiko Thoms.
A expectativa de diplomatas é de que o novo governo em formação na Alemanha endureça o diálogo ambiental com a equipe de Bolsonaro. Isso porque, com a saída da chanceler Angela Merkel em dezembro, deve assumir o atual vice-chanceler e ministro da Finanças, Olaf Scholz, social-democrata que pretende governar com uma coalizão formada por verdes e liberais. Essa composição com os ambientalistas no poder dará mais peso à pauta climática em Berlim, e a diplomacia alemã não enxerga, no momento, condições de o Brasil cumprir as metas que anunciou na COP, por falta de dinheiro e pessoal.
O embaixador alemão enumerou gargalos no plano de ação apresentado pelo País em Glasgow para zerar o desmate ilegal em 2028. A redução de 15% ao ano, a partir de 2022, seria o primeiro passo do Plano Nacional de Controle do Desmatamento. O governo Bolsonaro promete contratar cerca de 700 novos servidores para órgãos ambientais, como Ibama e ICMBio, além de manter um número semelhante de policiais da Força Nacional e mobilizar novamente as Forças Armadas.
Heiko Thoms, Embaixador da Alemanha em Brasília
"Para mim, é difícil ver como o Brasil vai reduzir o desmatamento no próximo ano em 15%, porque não tem pessoal, não tem financiamento e não tem muito tempo", ponderou o embaixador alemão, durante recepção a jornalistas na embaixada na semana passada. "Não podemos reabrir o Fundo (Amazônia) sem a convicção de que o Brasil vai reduzir o desmatamento ainda mais." Nos últimos anos, o governo federal tem apostado em operações militares para combater crimes na floresta, mas a estratégia não foi capaz de frear a devastação da floresta.
O embaixador classificou o desmatamento como o "grande obstáculo" para tornar a cooperação entre os países ainda mais profunda. "Queremos ajudar a desbloquear o caminho, a remover esse obstáculo. Nossa cooperação poderia ser muito mais ampla, mas só se esse problema do desmatamento for resolvido. É muito fácil fazer, o Brasil já fez isso entre 2004 e 2012 e poderia fazer a mesma coisa agora", afirmou Thoms.
Diplomatas europeus confirmam que há descrédito no exterior sobre o governo Bolsonaro. Apesar de uma melhora no diálogo, após trocas nos ministérios das Relações Exteriores e no Meio Ambiente, embaixadores avaliam que o governo brasileiro não compreendeu completamente a importância dada à pauta verde nas sociedades europeias.
Para eles, o Brasil já teve políticas ambientais mais ambiciosas no passado, quando atingiu 4 mil km² de desmatamento, e com o tempo houve perda de disposição política de levar esses esforços adiante. Por isso, relutam agora em dar crédito aos anúncios feitos em Glasgow e, prontamente, reabrir o cofre ao Fundo Amazônia, sem antes ver planos mais detalhados e resultados.
Criado em 2008, o Fundo Amazônia é o mais tradicional mecanismo de pagamentos estrangeiros para preservação da floresta, com R$ 3,4 bilhões arrecadados para evitar o desmatamento. Desde dezembro de 2018, o fundo não recebe novos aportes estrangeiros. As doações, condicionadas à redução das emissões de gás carbônico do desmatamento, também foram realizadas pela Petrobras.
A sinalização alemã contraria a expectativa de integrantes do governo, como o vice-presidente Hamilton Mourão, chefe do Conselho Nacional da Amazônia. Mourão esperava avanços no financiamento a partir de anúncios na COP-26 e chegou a dizer, dias antes da conferência global na Escócia, que estava “tudo pronto” para a retomada das contribuições ao fundo.
Na ocasião, o embaixador da Noruega em Brasília, Odd Magne Rudd, esteve na Vice-Presidência da República e foi mais reticente. Disse que o Brasil precisa de um “plano concreto” para conter o desmatamento. Desde o início do ano, autoridades ambientais do governo norueguês têm reiterado que os repasses ao fundo somente serão retomados mediante a confirmação de queda substancial no desmatamento. Os governos divergem ainda sobre mudanças promovidas por Bolsonaro na estrutura de governança do fundo e discutem sobre a forma de gestão dos recursos.
"Quanto à retomada de repasses, espera-se que um acordo possa ser alcançado em um futuro não tão distante. Para tanto, faz-se importante observar uma redução na taxa de desmatamento, bem como planos de combate ao desmatamento baseados na ciência e uma definição de comum acordo quanto à estrutura de governança do fundo", disse a embaixada norueguesa ao Estadão. "Esses critérios são similares àqueles propostos pelo Brasil quando da criação do Fundo Amazônia."
No início de novembro, logo após os anúncios da delegação de Bolsonaro na conferência climática, o embaixador britânico no Brasil, Peter Wilson, também ressaltou a importância de ações efetivas para recuperar a reputação na agenda do setor. Segundo ele, o Brasil precisa mostrar que protege o ambiente para atrair investimentos.
Novos acordos de cooperação
Apesar do bloqueio de novos repasses ao Fundo Amazônia, a Alemanha e o Brasil podem anunciar nos próximos dias novos acordos de cifras milionárias com o Brasil, no setor de desenvolvimento sustentável. A quantia exata ainda depende de negociações, mas diplomatas que participam das tratativas afirmam que há uma "soma considerável" na mesa. Responsáveis pela cooperação bilateral dos dois lados vão se reunir, no Itamaraty, para negociar os termos.