Os corredores da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-27) em Sharm el-Sheik, no Egito, estão cheios de autoridades, diplomatas, ativistas e jornalistas, de olho nas discussões sobre o futuro do planeta. Dois adolescentes de um colégio particular de São Paulo também ganharam um espaço para debater soluções para frear o aquecimento global.
Enquanto a maioria dos jovens está envolvido com a maratona de vestibulares do fim de ano Sophia Fernandes e Gabriel Godoy, ambos de 17 anos, foram escolhidos para participar, junto de outros 30 estudantes, de debates sobre soluções para problemas climáticas. Agora, no fim da COP, eles entregam um documento com todas as sugestões, o Manifesto das Mudanças Climáticas, que será enviado aos chefes de Estado. A ideia é de que os próprios jovens criem um mundo melhor para viverem no futuro - e que os líderes se comprometam em ajudá-los.
“A melhor parte de participar da COP-27 é ter a oportunidade de representar o Brasil, divulgar os nossos valores, ideias e necessidades àqueles com o poder em mãos, responsáveis pelas mudanças em grande escala”, conta Sophia. “Por meio desse documento, espero ver a voz dos jovens sendo ouvida e que as questões do clima e do futuro da humanidade sejam, de fato, uma prioridade”, complementa Gabriel.
Para a apresentação, os adolescentes paulistanos apresentaram gráficos mostrando o aumento da emissão de gás carbônico por conta do crescimento em pedidos de delivery. Parte do trabalho também foi estimar quanto cada produto alimentício gera de gás carbônico. Um bife de carne bovina, por exemplo, lança 99,48 quilos do poluente até chegar ao prato, enquanto uma banana lança 0,86 quilos.
“As pequenas mudanças na rotina diária, em união com ações políticas efetivas, podem, sim, mudar o mundo. Não podemos esperar que outros desempenhem tal papel para nós. Nossa hora de agir é agora!”, defende Sophia. Está na linha do que disse o próprio secretário-geral da ONU, António Guterres, que alertou para o fato de a humanidade estar na “estrada para o inferno climático”.
Trajetória foi de três anos
Antes de chegarem à COP-27, os dois estudantes se preparam arduamente pelos últimos três anos. A dupla participa de um grupo de trabalho voltado a conferência do clima na Escola Magno, onde estudam, e está ligado ao grupo DECARBONIZE, projeto de mobilização colaborativa de aprendizagem com estudantes do mundo inteiro. Esse é o quarto ano em que a escola envia alunos para o evento mundial, sendo a única instituição de ensino brasileira nos últimos três deles.
O grupo de 12 alunos paulistas se apresenta diversas vezes ao longo do ano, participando de diversos eventos, e estuda os dados que apresentarão na conferência. Depois, se reúnem com professores e dois alunos são escolhidos para representar os jovens brasileiros no encontro.
“Eles (Sophia e Gabriel) estão muito motivados, empolgados e comprometidos com tudo. Trabalhamos todos os dias, inclusive sábado e domingo, até 21 horas ou mais”, detalha a professora Daniela Camargo, coordenadora do Departamento de Ciências do Colégio. Todos os anos, um professor também é eleito para participar e cuidar dos estudantes na COP. Tanto a escolha dos jovens quanto do professor responsável é feita em conjunto com os outros alunos.
Claudia Tricate, diretora da escola, aponta que são levados em conta diversos aspectos, como o comprometimento dos alunos. “Eles fazem apresentações muitas vezes de madrugada, por conta do fuso horário, mas mesmo assim tem de comparecer às aulas e tirar boas notas. É muito puxado”, explica.
Além de apresentar o trabalho e ouvir colegas de várias parte do mundo, os alunos e a professora participaram de uma série de discussões e palestras sobre as mudanças climáticas e o panorama para o futuro. Dentre os assuntos abordados, estão o desmatamento da Amazônia e o aumento do número de queimadas na floresta.
Na volta para o Brasil, Gabriel, Sophia e a professora Daniela ficam responsáveis por repassar todo esse conhecimento aos colegas. Segundo a diretora, eles passarão por cada sala de aula, farão apresentações aos pais e ampliarão as discussões com outros grupos de trabalho, como o que pretende ir à conferência climática do próximo ano, e os dois alunos escolhidos para o Encontro Internacional de Jovens Cientistas, que ocorre em Portugal e também é ligado a ONU.
Pesquisa recente, publicada na revista científica Plos, aponta que se apenas 16% dos alunos de ensino médio em países de renda alta e média receberem educação sobre mudanças climáticas, é possível ter uma redução de emissões de gás carbônico da ordem de 19 gigatons até 2050.
Neste ano, o ativismo jovem teve uma ausência importante, que foi a da ativista sueca Greta Thunberg, que se notabilizou nos últimos anos por mobilizar greves pelo clima. A jovem, de 19 anos, disse estar cansada de “blá-blá-blá” e decidiu não participar do evento global. Ativistas brasileiros, por outro lado, acreditam que é importante ocupar esses espaços e levar mais rostos com a cara do Sul global.