ENVIADO ESPECIAL A SHARM-EL SHEIK (EGITO) - Os negociadores dos cerca de 200 países reunidos na Conferência do Clima da ONU (COP-27), em Sharm El-Sheik, no Egito, chegaram a um acordo sobre a criação de um fundo de perdas e danos climáticos voltado para as nações mais vulneráveis. Durante 2023, o mecanismo de financiamento e a contribuição dos países desenvolvidos e em desenvolvimento serão definidos para que entre em vigor até a próxima COP.
A aprovação foi considerada um avanço histórico para as nações em desenvolvimento mais expostos às consequências das mudanças climáticas, como os países insulares ameaçados de extinção pelo nível do mar caso o aumento da temperatura ultrapasse 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais, limite estabelecido no Acordo de Paris.
Pelo texto aprovado, o Brasil não entra no rol de países que podem ser contemplados pelo fundo.
A proposta foi apresentada pela União Europeia quase no fim da conferência e sua discussão avançou sobre este sábado. Oficialmente, a COP terminou na sexta-feira.
O texto aprovado prevê a criação de um grupo de trabalho transacional para que o fundo seja efetivado. O documento trabalha com a perspectiva de que o financiamento seja feito por instituições financeiras multilaterais como o Banco Mundial.
A chamada à participação dos países em desenvolvimento teve como alvo a China, que se recusava a participar como financiadora direta do fundo.
A definição de quem são os vulneráveis elegíveis consumiu boa parte da negociação. Por fim, o texto fala em países ameaçados pela subida do nível do mar, migrações em massa forçadas por desastres naturais e efeitos diretos das mudanças climáticas.
Para Bruno Toledo, observador do Clima Info nesta COP, o texto final atende os anseios do G77, grupo formado por países em desenvolvimento e a China. “O texto é bom, o G77 certamente o aprovaria. A dúvida está no voto de EUA e UE”, disse antes da aprovação e após um novo rascunho ser liberado na tarde deste sábado, 19.
Segundo Natalie Unterstell, membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e presidente do Instituto Talanoa, esta COP tinha como expectativas principais abordar as causas e consequências da mudança do clima e avançou apenas em parte.
“Do ponto de vista das causas andamos pouco, esta COP foi paquidérmica. Quando a gente fala de causas estamos falando de combustíveis fósseis, que tivemos pequeno avanço no ano passado (com menções explicitas no documento final da COP-26) e outras fontes de emissões, infelizmente não tivemos grandes anúncios sobre essa pauta aqui em Sharm El-Sheik e as decisões que tratavam sobre esse assunto ficaram um pouco aquém”, afirma.
Na avaliação de Natalie, a questão da adaptação dos países as mudanças climáticas teve avanço discreto que promete ser um impulso para decisões futuras. Já perdas e danos, representado pelo fundo proposto pela UE, foi a boa notícia. Ainda assim, longe do necessário.
“Com relação às consequências: adaptação e perdas e danos, vai sair daqui uma decisão que promete iniciar os trabalhos para adaptação. Não perdemos, mas está indo devagar”, diz. “Por fim perdas e danos tivemos um bom avanço. O processo multilateral caminha, mas de novo a gente não vê a resposta que a gente gostaria , que a gente queria para chegar em 2030 com a metade das emissões”, afirma.
O acordo só se concretizou na noite de sábado (horário do Egito). Na sexta, o chanceler egípcio e presidente da COP-27, Sameh Choukri, havia afirmado que estava preocupado com o número de assuntos que continuavam pendentes no acordo, incluindo financiamento, adaptação, perdas e danos e mitigação. O chanceler enfatizou que os cerca de 200 países que fazem parte da cúpula precisam trabalhar para colocar fim ao encontro neste sábado.
Durante sua passagem pela COP nesta semana, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva lembrou que os países desenvolvidos devem implementar um fundo de US 100 bilhões anuais para os países em desenvolvimento e que esse valor que deveria estar disponível desde 2020 nunca saiu do papel. O novo fundo não substitui o anteriormente previsto, mas da um respiro aos países mais pobres e vulneráveis.
*O REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DO INSTITUTO CLIMA E SOCIEDADE