ENVIADO ESPECIAL A SHARM EL-SHEIK (EGITO) - A Conferência do Clima da ONU, COP-27, no Egito, batizada de a “COP da implementação”, chega a seu último dia nesta sexta-feira, 18, sem ter um esboço de um acordo que possa, de fato, ser implementado. Com as negociações travadas, a expectativa de observadores internacionais e negociadores é que a conferência avance para sábado ou até a madrugada de domingo. Pontos-chave para que se defina um documento que garanta tirar acordos do plano das intenções seguem distante de um consenso mínimo.
O financiamento para que os países em desenvolvimento possam enfrentar as mudanças climáticas é o mais sensível deles. Este é um ponto já definido desde a COP de Copenhague, em 2009, mas que nunca saiu do papel. Pelo acordo, os países desenvolvidos deveriam chegar a 2020 com um fundo internacional constituído de US$ 100 bilhões anuais para as nações em desenvolvimento.
O último levantamento da OCDE, no entanto, aponta que esse valor não ultrapassou os US$ 83 bilhões. “Ainda assim contando todas as fontes, públicas e privadas e os mais diferentes programas e pouquíssimo transparente “, diz Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, plataforma que reúne empresas de tecnologia, ONGs e universidades, e observador das negociações em Sharm El-Sheik.
O fato de o fundo nunca ter sido implementado da forma prevista agrava o problema, pois agora as negociações avançam para definir os valores que deveriam ser fornecidos anualmente a partir de 2025. Pelo plano original, US$ 100 bilhões seria o valor doado a cada ano entre 2020 e 2025. Depois disso, a doação deveria crescer.
Em sua passagem de três dias por Sharm El-Sheik, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva abordou o tema em seu primeiro discurso para a comunidade internacional. Segundo ele, que se colocou como representante dos países em desenvolvimento, já passou da hora de os países desenvolvidos cumprirem com o prometido. Além disso, Lula se comprometeu a pleitear a realização da COP-30, em 2025, no Brasil, em algum dos Estados Amazônicos.
Nesta sexta, quando os negociadores de cada um dos cerca de 200 países voltarem para a mesa terão ainda outros nós para desatar. A questão das perdas e danos enfrenta grande resistência. O objetivo de que isso seja reconhecido é compensar os países em que os efeitos das mudanças climáticas já são irreversíveis.
Alguns dos exemplos são os locais que sofrem com processos de desertificação, derretimento de geleiras ou aumento do nível do mar - fenômenos causados pela ação do homem -, e que mesmo que o Acordo de Paris seja cumprido e a temperatura não aumente além do 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, já não podem ser revertidos. “A ideia é criar um mecanismo de compensação para esses países, mas os Estados Unidos estão bloqueando essa negociação”, diz Azevedo.
Na noite de quinta-feira, negociadores e observadores foram surpreendidos, no entanto, com um chamado da enviada do Clima da Alemanha, Jenifer Morgan, e informados que na manhã desta sexta, madrugada no Brasil, um rascunho de um acordo deveria ser apresentado. Pouco antes da meia-noite (horário do Egito), o texto começou a circular.
Ele prevê três possibilidades para a questão de perdas e danos: estabelecer agora um fundo financeiro para ser operacionalizado nos próximos dois anos, criar um grupo de trabalho para discutir o assunto pelos próximos dois anos com mais aprofundamento ou adiar essa decisão para a próxima COP. Para Bruno Toledo, observador do Clima Info, os países devem decidir pela implantação imediata. Ele acredita que não chegar a um acordo mínimo nessa edição da cúpula do clima seria um péssimo sinal.
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A falta de consenso, no entanto, não para por aí. Há ainda a discussão sobre a demonstração do progresso dos países em suas metas climáticas sendo debatidas. “A ideia é que se crie um mecanismo que os países demonstrem o que estão fazendo, para ser acompanhado ano a ano”, diz Azevedo.
Atualmente as metas são estabelecidas para 2025 e 2030, como no caso da redução das emissões de gases geradores do efeito estufa.
Duas semanas após o inicio do encontro nenhum desses pontos avançou e mesmo em relação a edições passadas, em que as decisões ficaram para o último dia, o consenso entre observadores dos mais diferentes países é que esta edição entregou pouco e que não será surpresa se não entregar nada.
Antes e durante o evento muito se falou sobre essa ser a COP em que poderia se perder o limite de 1,5ºC de aumento da temperatura se esses pontos sensíveis não fossem resolvidos. O temor agora é ainda mais real.
*O repórter Emílio Sant’anna viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade