Cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos, no interior paulista, começaram o ano com um presente especial, recebido via satélite, do interior da Antártida: os primeiros dados meteorológicos enviados pelo módulo de pesquisa Criosfera 1, instalado a 670 quilômetros do Polo Sul Geográfico. "Terminamos de instalar os painéis solares e geradores eólicos, que produzem energia para o módulo, e assim foi possível estabelecer o link com o satélite e fazer o primeiro teste de transmissão", disse ao Estado, por telefone (também via satélite), o engenheiro do Inpe e coordenador técnico do projeto, Marcelo Sampaio. Ele é um dos dez integrantes da equipe que está instalando o Criosfera 1 no oeste da Antártida, a temperaturas que dois dias atrás chegaram a -20 °C, com sensação térmica de -40 °C. As informações, que incluem dados básicos de meteorologia, como velocidade do vento e umidade do ar, foram transmitidas no dia 1.º, depois de os pesquisadores comemorarem um réveillon a plena luz do dia – já que nesta época do ano o Sol não se põe nunca na Antártida. "Aqui temos, basicamente, cinco meses de noite e cinco meses de dia, com dois meses de transição", explica Sampaio. Mais instrumentos entrarão em operação nos próximos dias. Uma vez 100% operacional, o Criosfera 1 transmitirá dados meteorológicos da Antártida para o Brasil, automaticamente, a cada três horas, que é o tempo de órbita dos satélites. Sete instituições brasileiras e duas chilenas participam do projeto, que tem importância estratégica global para o estudo das mudanças climáticas na Antártida. O Criosfera 1 será a primeira estação permanente de pesquisa meteorológica no interior oeste do continente, que passa por um processo acelerado de aquecimento – bem diferente do que ocorre na região leste. "Uma parte do continente está resfriando e acumulando gelo, outra parte está aquecendo e perdendo gelo", diz Heitor Evangelista da Silva, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O motivo dessa dicotomia climática, e as consequências dela para o futuro do gelo antártico, são mistérios que os cientistas esperam ajudar a solucionar com o Criosfera 1. O plano é que o módulo fique na localização atual, a 84 graus de latitude sul e quase 1,3 mil metros de altitude, por pelo menos dois anos. Depois disso, poderá ser deslocado para outras posições, conforme a necessidade das pesquisas. Testemunhos de gelo.Como complemento aos dados meteorológicos que serão registrados pelo módulo, os cientistas trarão de volta da Antártida dois cilindros de gelo escavados do mesmo local: um com 40 metros e outro, com 120 metros de comprimento. Como não há dados do passado para comparar com o que está acontecendo no presente, esses chamados "testemunhos de gelo" serão usados como uma espécie de registro fóssil do que estava acontecendo na atmosfera antártica entre 200 e 400 anos atrás. O glaciólogo Jefferson Simões, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, líder da expedição, estava escavando o segundo testemunho quando o Estado falou com a expedição por telefone, ontem à tarde. "O de 40 metros já está pronto e o de 120 metros está pela metade", disse Silva. Outro ponto importante de pesquisa do projeto é a relação entre o buraco na camada de ozônio que se forma anualmente sobre a Antártida e as mudanças climáticas que estão em curso no continente. Até alguns anos atrás, acreditava-se que uma coisa não tinha nada a ver com a outra. Mas hoje sabe-se que o buraco influencia, sim, o clima da região. "O Criosfera 1 nos ajudará a entender melhor como funciona essa relação", afirma Silva. Os cientistas devem voltar ao Brasil por volta do dia 25. Depois disso, o módulo será operado à distância.