Cúpula do Clima acabou em tom de frustração: modelo da COP fracassou?


Meta de financiamento contra o aquecimento global foi alvo de críticas por ficar 1/5 abaixo do calculado como necessário; próxima conferência, em Belém ocorrerá sob a crise do multilateralismo

Por Giovanna Castro
Atualização:

O documento final da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-29), em Baku, no Azerbaijão, foi recebido com frustração por especialistas e parte das autoridades. O objetivo principal da reunião deste ano - definir um fundo de financiamento para ações de combate e resiliência à crise climática - trouxe uma meta menor do que 1/5 do montante calculado como necessário.

O montante a ser repassado pelos países ricos aos emergentes ou pobres deve ser, no mínimo, de US$ 300 bilhões (cerca de R$1,74 trilhão) até 2035. Estudos, porém, calculavam a necessidade de ao menos US$ 1,3 trilhão (R$ 7,5 trilhões).

A negociação incluiu um cabo-de-guerra tenso entre as nações ricas e as demais, o que fez representantes de ilhas e outras regiões vulneráveis deixarem a sala de negociação. Antonio Guterres, secretário-geral da ONU, admitiu que esperava “resultado mais ambicioso”.

Para especialistas, isso reflete o cenário geopolítico tenso e expõe a insuficiência da ONU para mediar conflitos. Reforça o alerta que o modelo de consenso multilateral para decisões não vai acelerar significativamente a luta contra a crise climática - ao menos em curto prazo. E eleva a pressão sobre a conferência de 2025, em Belém.

Na COP do Azerbaijão, protestos cobraram a redução do uso de combustíveis fósseis Foto: Peter Dejong/AP

A ativista climática sueca Greta Thunberg classificou o acordo da COP de “completo desastre” e “sentença de morte” - três anos antes, ela havia chamado a cúpula de “blá-blá-blá”.

Outra sombra para os próximos anos é a eleição de Donald Trump, que no primeiro mandato (2017-2021) tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, pacto climático global assinado em 2015.

Mesmo assim, os fóruns da organização são vistos como a principal alternativa para tentar soluções de alcance amplo. Em outras crises, como a do buraco na camada de ozônio, o esforço global teve êxito.

Para Eduardo Viola, especialista de Relações Internacionais, o cenário mudou na última década. “Saímos da pós-guerra fria e entramos na segunda guerra fria (entre Estados Unidos e China). Intensificou-se o conflito entres as grandes potências - incluídas duas guerras no centro do sistema (Israel contra Hamas, Hezbolah e Irã e o conflito na Ucrânia) - e diminuiu a cooperação. O multilateralismo está em crise profunda”, diz.

“Não vejo como isso poderia melhorar sem forte redução do nível de rivalidade geopolítica atual e isso transcende totalmente a dinâmica das COPs”, acrescenta ele, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Getulio Vargas (FGV).

“Estamos em uma encruzilhada, porque o processo multilateral climático é um desastre, mas é a única coisa que nos separa hoje do aquecimento global de 3°C ou mais (na comparação ao nível pré-Revolução Industrial, em meados do século 19)”, diz Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima. O Acordo de Paris prevê limitar o aquecimento a 1,5ºC

O modelo de decisão por consenso, adotado nos fóruns internacionais climáticos, é considerado ultrapassado. Mas isso só poderia ser resolvido com uma reforma completa da ONU, o que não é tarefa fácil - ou sequer possível, na opinião de Shigueo Watanabe Jr, pesquisador do Instituto Climainfo.

“A ONU não pode invadir a soberania dos países. Não tem como obrigar países a cumprirem aquilo que eles mesmos prometeram. Tudo repousa na boa vontade ou vergonha dos países. Não acho que isso possa ser reformulado”, afirma ele.

A conferência do clima de 2024, COP-29, aconteceu em Baku, no Azerbaijão. Escolha do país-sede foi alvo de críticas de ambientalistas, por o Estado ser um grande produtor de petróleo.  Foto: Alexander Nemenov/AFP

Qual o caminho viável?

“O sistema está muito complicado pela questão da falta de governança. Países mais ricos, como os da Europa e os Estados Unidos, dominaram completamente a agenda, impedindo que basicamente 95% dos países tivessem voz”, critica Paulo Artaxo, professor da USP que integrou o IPCC, grupo da ONU que reúne cientistas que estudam o aquecimento global.

Segundo ele, tanto o conselho de segurança quanto outros órgãos da ONU precisam passar por revisão. “É uma bandeira importante porque já tivemos 29 COPs, 29 anos sem qualquer progresso efetivo. Isso vai continuar até a COP 50, 60, até quando todos nós estivermos fritos.”

Climatologista e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP, Carlos Nobre assinou uma carta do Clube de Roma, grupo de especialistas no debate climático que pediu mudança nos critérios de escolha das sedes durante esta COP. O ex-secretário-geral da da ONU Ban Ki-Moon também estava entre os signatários.

“Três COPs seguidas em países interessados nos combustíveis fósseis - Egito, Emirados Árabes e agora Azerbaijão - não foi boa ideia. As Nações Unidas certamente não deveriam ter aprovado três COPs em países que defendem transição energética muito lenta”, destaca Nobre.

Efeito Trump

Para seu novo período na Casa Branca, Trump escolheu como secretário de Energia Chris Wright, um defensor dos combustíveis fósseis. Sem experiência na administração pública, ele é diretor executivo da Liberty Energy, empresa de fraturamento hidráulico do Colorado.

Em um vídeo publicado no LinkedIn no ano passado, Wright chegou a dizer que “não existe crise climática, e também não estamos no meio de uma transição energética”. Nos últimos dias de campanha, Trump afirmou que vai aumentar, em vez de diminuir, a produção de combustíveis fósseis.

Especialistas apontam, porém, que isso não significa ausência dos americanos na luta contra o aquecimento global. Isso porque vários governos locais tendem a manter seus esforços de adaptação e as empresas não vão recuar totalmente em seus investimentos para a transição energética.

“Temos de aproveitar que Trump vai retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris para desenhar um jeito, dentro da convenção, de tocar essa agenda sem contar com eles. Se ficar esperando pelos Estados Unidos, não conseguirá resolver nunca”, diz Angelo, do Observatório do Clima.

Quem paga a conta?

Um dos principais pontos de desgaste neste ano foi a insistência dos países desenvolvidos de incluir mais nações na obrigação de financiar a adaptação climática das nações vulneráveis. O argumento é de que o mundo havia mudado desde os anos 1990, o que jogaria mais responsabilidade para países como a China, por exemplo, entre os maiores poluidores globais.

“Novos ricos - China, a Arábia Saudita etc - se negam a contribuir, apoiados por Brasil, um país de renda média alta, entre outros. O quadro tende a piorar nos próximos anos com o governo Trump e o aumento dos gastos militares em todo o mundo”, aponta Viola.

Além disso, o fato de terem chegado a um acordo sobre as cifras não garante o cumprimento. Na Cúpula de Copenhague, em 2009, as nações ricas fixaram a meta de US$ 100 bilhões, mas os emergentes se queixaram de que o compromisso não foi cumprido. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi um das principais vozes a cobrar esses recursos nas duas últimas conferências climáticas e em outros eventos da ONU.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) diz que esse montante foi alcançado em 2022, mas o método de cálculo é contestado. Dentre os aspectos questionados, estão o tipo de recurso (parte dos países entende que não poderia incluir na conta empréstimos a juros altos) e a sua destinação.

“Foram colocadas na mesa alternativas de financiamento - por países, bancos multilaterais. Mas vale lembrar que nos países pobres, o risco de inadimplência é alto e, portanto, os juros exigidos nessas operações também são altos. Até 4 vezes mais altos do que praticado num país rico”, afirma Watanabe Jr. “Ou seja, o país pobre que usar bem esses recursos estará, no final, enriquecendo ainda mais os ricos. Não me parece que se possa chamar isso de ‘justiça.” / COLABOROU PRISCILA MENGUE

O documento final da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-29), em Baku, no Azerbaijão, foi recebido com frustração por especialistas e parte das autoridades. O objetivo principal da reunião deste ano - definir um fundo de financiamento para ações de combate e resiliência à crise climática - trouxe uma meta menor do que 1/5 do montante calculado como necessário.

O montante a ser repassado pelos países ricos aos emergentes ou pobres deve ser, no mínimo, de US$ 300 bilhões (cerca de R$1,74 trilhão) até 2035. Estudos, porém, calculavam a necessidade de ao menos US$ 1,3 trilhão (R$ 7,5 trilhões).

A negociação incluiu um cabo-de-guerra tenso entre as nações ricas e as demais, o que fez representantes de ilhas e outras regiões vulneráveis deixarem a sala de negociação. Antonio Guterres, secretário-geral da ONU, admitiu que esperava “resultado mais ambicioso”.

Para especialistas, isso reflete o cenário geopolítico tenso e expõe a insuficiência da ONU para mediar conflitos. Reforça o alerta que o modelo de consenso multilateral para decisões não vai acelerar significativamente a luta contra a crise climática - ao menos em curto prazo. E eleva a pressão sobre a conferência de 2025, em Belém.

Na COP do Azerbaijão, protestos cobraram a redução do uso de combustíveis fósseis Foto: Peter Dejong/AP

A ativista climática sueca Greta Thunberg classificou o acordo da COP de “completo desastre” e “sentença de morte” - três anos antes, ela havia chamado a cúpula de “blá-blá-blá”.

Outra sombra para os próximos anos é a eleição de Donald Trump, que no primeiro mandato (2017-2021) tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, pacto climático global assinado em 2015.

Mesmo assim, os fóruns da organização são vistos como a principal alternativa para tentar soluções de alcance amplo. Em outras crises, como a do buraco na camada de ozônio, o esforço global teve êxito.

Para Eduardo Viola, especialista de Relações Internacionais, o cenário mudou na última década. “Saímos da pós-guerra fria e entramos na segunda guerra fria (entre Estados Unidos e China). Intensificou-se o conflito entres as grandes potências - incluídas duas guerras no centro do sistema (Israel contra Hamas, Hezbolah e Irã e o conflito na Ucrânia) - e diminuiu a cooperação. O multilateralismo está em crise profunda”, diz.

“Não vejo como isso poderia melhorar sem forte redução do nível de rivalidade geopolítica atual e isso transcende totalmente a dinâmica das COPs”, acrescenta ele, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Getulio Vargas (FGV).

“Estamos em uma encruzilhada, porque o processo multilateral climático é um desastre, mas é a única coisa que nos separa hoje do aquecimento global de 3°C ou mais (na comparação ao nível pré-Revolução Industrial, em meados do século 19)”, diz Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima. O Acordo de Paris prevê limitar o aquecimento a 1,5ºC

O modelo de decisão por consenso, adotado nos fóruns internacionais climáticos, é considerado ultrapassado. Mas isso só poderia ser resolvido com uma reforma completa da ONU, o que não é tarefa fácil - ou sequer possível, na opinião de Shigueo Watanabe Jr, pesquisador do Instituto Climainfo.

“A ONU não pode invadir a soberania dos países. Não tem como obrigar países a cumprirem aquilo que eles mesmos prometeram. Tudo repousa na boa vontade ou vergonha dos países. Não acho que isso possa ser reformulado”, afirma ele.

A conferência do clima de 2024, COP-29, aconteceu em Baku, no Azerbaijão. Escolha do país-sede foi alvo de críticas de ambientalistas, por o Estado ser um grande produtor de petróleo.  Foto: Alexander Nemenov/AFP

Qual o caminho viável?

“O sistema está muito complicado pela questão da falta de governança. Países mais ricos, como os da Europa e os Estados Unidos, dominaram completamente a agenda, impedindo que basicamente 95% dos países tivessem voz”, critica Paulo Artaxo, professor da USP que integrou o IPCC, grupo da ONU que reúne cientistas que estudam o aquecimento global.

Segundo ele, tanto o conselho de segurança quanto outros órgãos da ONU precisam passar por revisão. “É uma bandeira importante porque já tivemos 29 COPs, 29 anos sem qualquer progresso efetivo. Isso vai continuar até a COP 50, 60, até quando todos nós estivermos fritos.”

Climatologista e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP, Carlos Nobre assinou uma carta do Clube de Roma, grupo de especialistas no debate climático que pediu mudança nos critérios de escolha das sedes durante esta COP. O ex-secretário-geral da da ONU Ban Ki-Moon também estava entre os signatários.

“Três COPs seguidas em países interessados nos combustíveis fósseis - Egito, Emirados Árabes e agora Azerbaijão - não foi boa ideia. As Nações Unidas certamente não deveriam ter aprovado três COPs em países que defendem transição energética muito lenta”, destaca Nobre.

Efeito Trump

Para seu novo período na Casa Branca, Trump escolheu como secretário de Energia Chris Wright, um defensor dos combustíveis fósseis. Sem experiência na administração pública, ele é diretor executivo da Liberty Energy, empresa de fraturamento hidráulico do Colorado.

Em um vídeo publicado no LinkedIn no ano passado, Wright chegou a dizer que “não existe crise climática, e também não estamos no meio de uma transição energética”. Nos últimos dias de campanha, Trump afirmou que vai aumentar, em vez de diminuir, a produção de combustíveis fósseis.

Especialistas apontam, porém, que isso não significa ausência dos americanos na luta contra o aquecimento global. Isso porque vários governos locais tendem a manter seus esforços de adaptação e as empresas não vão recuar totalmente em seus investimentos para a transição energética.

“Temos de aproveitar que Trump vai retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris para desenhar um jeito, dentro da convenção, de tocar essa agenda sem contar com eles. Se ficar esperando pelos Estados Unidos, não conseguirá resolver nunca”, diz Angelo, do Observatório do Clima.

Quem paga a conta?

Um dos principais pontos de desgaste neste ano foi a insistência dos países desenvolvidos de incluir mais nações na obrigação de financiar a adaptação climática das nações vulneráveis. O argumento é de que o mundo havia mudado desde os anos 1990, o que jogaria mais responsabilidade para países como a China, por exemplo, entre os maiores poluidores globais.

“Novos ricos - China, a Arábia Saudita etc - se negam a contribuir, apoiados por Brasil, um país de renda média alta, entre outros. O quadro tende a piorar nos próximos anos com o governo Trump e o aumento dos gastos militares em todo o mundo”, aponta Viola.

Além disso, o fato de terem chegado a um acordo sobre as cifras não garante o cumprimento. Na Cúpula de Copenhague, em 2009, as nações ricas fixaram a meta de US$ 100 bilhões, mas os emergentes se queixaram de que o compromisso não foi cumprido. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi um das principais vozes a cobrar esses recursos nas duas últimas conferências climáticas e em outros eventos da ONU.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) diz que esse montante foi alcançado em 2022, mas o método de cálculo é contestado. Dentre os aspectos questionados, estão o tipo de recurso (parte dos países entende que não poderia incluir na conta empréstimos a juros altos) e a sua destinação.

“Foram colocadas na mesa alternativas de financiamento - por países, bancos multilaterais. Mas vale lembrar que nos países pobres, o risco de inadimplência é alto e, portanto, os juros exigidos nessas operações também são altos. Até 4 vezes mais altos do que praticado num país rico”, afirma Watanabe Jr. “Ou seja, o país pobre que usar bem esses recursos estará, no final, enriquecendo ainda mais os ricos. Não me parece que se possa chamar isso de ‘justiça.” / COLABOROU PRISCILA MENGUE

O documento final da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-29), em Baku, no Azerbaijão, foi recebido com frustração por especialistas e parte das autoridades. O objetivo principal da reunião deste ano - definir um fundo de financiamento para ações de combate e resiliência à crise climática - trouxe uma meta menor do que 1/5 do montante calculado como necessário.

O montante a ser repassado pelos países ricos aos emergentes ou pobres deve ser, no mínimo, de US$ 300 bilhões (cerca de R$1,74 trilhão) até 2035. Estudos, porém, calculavam a necessidade de ao menos US$ 1,3 trilhão (R$ 7,5 trilhões).

A negociação incluiu um cabo-de-guerra tenso entre as nações ricas e as demais, o que fez representantes de ilhas e outras regiões vulneráveis deixarem a sala de negociação. Antonio Guterres, secretário-geral da ONU, admitiu que esperava “resultado mais ambicioso”.

Para especialistas, isso reflete o cenário geopolítico tenso e expõe a insuficiência da ONU para mediar conflitos. Reforça o alerta que o modelo de consenso multilateral para decisões não vai acelerar significativamente a luta contra a crise climática - ao menos em curto prazo. E eleva a pressão sobre a conferência de 2025, em Belém.

Na COP do Azerbaijão, protestos cobraram a redução do uso de combustíveis fósseis Foto: Peter Dejong/AP

A ativista climática sueca Greta Thunberg classificou o acordo da COP de “completo desastre” e “sentença de morte” - três anos antes, ela havia chamado a cúpula de “blá-blá-blá”.

Outra sombra para os próximos anos é a eleição de Donald Trump, que no primeiro mandato (2017-2021) tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, pacto climático global assinado em 2015.

Mesmo assim, os fóruns da organização são vistos como a principal alternativa para tentar soluções de alcance amplo. Em outras crises, como a do buraco na camada de ozônio, o esforço global teve êxito.

Para Eduardo Viola, especialista de Relações Internacionais, o cenário mudou na última década. “Saímos da pós-guerra fria e entramos na segunda guerra fria (entre Estados Unidos e China). Intensificou-se o conflito entres as grandes potências - incluídas duas guerras no centro do sistema (Israel contra Hamas, Hezbolah e Irã e o conflito na Ucrânia) - e diminuiu a cooperação. O multilateralismo está em crise profunda”, diz.

“Não vejo como isso poderia melhorar sem forte redução do nível de rivalidade geopolítica atual e isso transcende totalmente a dinâmica das COPs”, acrescenta ele, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Getulio Vargas (FGV).

“Estamos em uma encruzilhada, porque o processo multilateral climático é um desastre, mas é a única coisa que nos separa hoje do aquecimento global de 3°C ou mais (na comparação ao nível pré-Revolução Industrial, em meados do século 19)”, diz Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima. O Acordo de Paris prevê limitar o aquecimento a 1,5ºC

O modelo de decisão por consenso, adotado nos fóruns internacionais climáticos, é considerado ultrapassado. Mas isso só poderia ser resolvido com uma reforma completa da ONU, o que não é tarefa fácil - ou sequer possível, na opinião de Shigueo Watanabe Jr, pesquisador do Instituto Climainfo.

“A ONU não pode invadir a soberania dos países. Não tem como obrigar países a cumprirem aquilo que eles mesmos prometeram. Tudo repousa na boa vontade ou vergonha dos países. Não acho que isso possa ser reformulado”, afirma ele.

A conferência do clima de 2024, COP-29, aconteceu em Baku, no Azerbaijão. Escolha do país-sede foi alvo de críticas de ambientalistas, por o Estado ser um grande produtor de petróleo.  Foto: Alexander Nemenov/AFP

Qual o caminho viável?

“O sistema está muito complicado pela questão da falta de governança. Países mais ricos, como os da Europa e os Estados Unidos, dominaram completamente a agenda, impedindo que basicamente 95% dos países tivessem voz”, critica Paulo Artaxo, professor da USP que integrou o IPCC, grupo da ONU que reúne cientistas que estudam o aquecimento global.

Segundo ele, tanto o conselho de segurança quanto outros órgãos da ONU precisam passar por revisão. “É uma bandeira importante porque já tivemos 29 COPs, 29 anos sem qualquer progresso efetivo. Isso vai continuar até a COP 50, 60, até quando todos nós estivermos fritos.”

Climatologista e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP, Carlos Nobre assinou uma carta do Clube de Roma, grupo de especialistas no debate climático que pediu mudança nos critérios de escolha das sedes durante esta COP. O ex-secretário-geral da da ONU Ban Ki-Moon também estava entre os signatários.

“Três COPs seguidas em países interessados nos combustíveis fósseis - Egito, Emirados Árabes e agora Azerbaijão - não foi boa ideia. As Nações Unidas certamente não deveriam ter aprovado três COPs em países que defendem transição energética muito lenta”, destaca Nobre.

Efeito Trump

Para seu novo período na Casa Branca, Trump escolheu como secretário de Energia Chris Wright, um defensor dos combustíveis fósseis. Sem experiência na administração pública, ele é diretor executivo da Liberty Energy, empresa de fraturamento hidráulico do Colorado.

Em um vídeo publicado no LinkedIn no ano passado, Wright chegou a dizer que “não existe crise climática, e também não estamos no meio de uma transição energética”. Nos últimos dias de campanha, Trump afirmou que vai aumentar, em vez de diminuir, a produção de combustíveis fósseis.

Especialistas apontam, porém, que isso não significa ausência dos americanos na luta contra o aquecimento global. Isso porque vários governos locais tendem a manter seus esforços de adaptação e as empresas não vão recuar totalmente em seus investimentos para a transição energética.

“Temos de aproveitar que Trump vai retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris para desenhar um jeito, dentro da convenção, de tocar essa agenda sem contar com eles. Se ficar esperando pelos Estados Unidos, não conseguirá resolver nunca”, diz Angelo, do Observatório do Clima.

Quem paga a conta?

Um dos principais pontos de desgaste neste ano foi a insistência dos países desenvolvidos de incluir mais nações na obrigação de financiar a adaptação climática das nações vulneráveis. O argumento é de que o mundo havia mudado desde os anos 1990, o que jogaria mais responsabilidade para países como a China, por exemplo, entre os maiores poluidores globais.

“Novos ricos - China, a Arábia Saudita etc - se negam a contribuir, apoiados por Brasil, um país de renda média alta, entre outros. O quadro tende a piorar nos próximos anos com o governo Trump e o aumento dos gastos militares em todo o mundo”, aponta Viola.

Além disso, o fato de terem chegado a um acordo sobre as cifras não garante o cumprimento. Na Cúpula de Copenhague, em 2009, as nações ricas fixaram a meta de US$ 100 bilhões, mas os emergentes se queixaram de que o compromisso não foi cumprido. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi um das principais vozes a cobrar esses recursos nas duas últimas conferências climáticas e em outros eventos da ONU.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) diz que esse montante foi alcançado em 2022, mas o método de cálculo é contestado. Dentre os aspectos questionados, estão o tipo de recurso (parte dos países entende que não poderia incluir na conta empréstimos a juros altos) e a sua destinação.

“Foram colocadas na mesa alternativas de financiamento - por países, bancos multilaterais. Mas vale lembrar que nos países pobres, o risco de inadimplência é alto e, portanto, os juros exigidos nessas operações também são altos. Até 4 vezes mais altos do que praticado num país rico”, afirma Watanabe Jr. “Ou seja, o país pobre que usar bem esses recursos estará, no final, enriquecendo ainda mais os ricos. Não me parece que se possa chamar isso de ‘justiça.” / COLABOROU PRISCILA MENGUE

O documento final da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-29), em Baku, no Azerbaijão, foi recebido com frustração por especialistas e parte das autoridades. O objetivo principal da reunião deste ano - definir um fundo de financiamento para ações de combate e resiliência à crise climática - trouxe uma meta menor do que 1/5 do montante calculado como necessário.

O montante a ser repassado pelos países ricos aos emergentes ou pobres deve ser, no mínimo, de US$ 300 bilhões (cerca de R$1,74 trilhão) até 2035. Estudos, porém, calculavam a necessidade de ao menos US$ 1,3 trilhão (R$ 7,5 trilhões).

A negociação incluiu um cabo-de-guerra tenso entre as nações ricas e as demais, o que fez representantes de ilhas e outras regiões vulneráveis deixarem a sala de negociação. Antonio Guterres, secretário-geral da ONU, admitiu que esperava “resultado mais ambicioso”.

Para especialistas, isso reflete o cenário geopolítico tenso e expõe a insuficiência da ONU para mediar conflitos. Reforça o alerta que o modelo de consenso multilateral para decisões não vai acelerar significativamente a luta contra a crise climática - ao menos em curto prazo. E eleva a pressão sobre a conferência de 2025, em Belém.

Na COP do Azerbaijão, protestos cobraram a redução do uso de combustíveis fósseis Foto: Peter Dejong/AP

A ativista climática sueca Greta Thunberg classificou o acordo da COP de “completo desastre” e “sentença de morte” - três anos antes, ela havia chamado a cúpula de “blá-blá-blá”.

Outra sombra para os próximos anos é a eleição de Donald Trump, que no primeiro mandato (2017-2021) tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, pacto climático global assinado em 2015.

Mesmo assim, os fóruns da organização são vistos como a principal alternativa para tentar soluções de alcance amplo. Em outras crises, como a do buraco na camada de ozônio, o esforço global teve êxito.

Para Eduardo Viola, especialista de Relações Internacionais, o cenário mudou na última década. “Saímos da pós-guerra fria e entramos na segunda guerra fria (entre Estados Unidos e China). Intensificou-se o conflito entres as grandes potências - incluídas duas guerras no centro do sistema (Israel contra Hamas, Hezbolah e Irã e o conflito na Ucrânia) - e diminuiu a cooperação. O multilateralismo está em crise profunda”, diz.

“Não vejo como isso poderia melhorar sem forte redução do nível de rivalidade geopolítica atual e isso transcende totalmente a dinâmica das COPs”, acrescenta ele, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Getulio Vargas (FGV).

“Estamos em uma encruzilhada, porque o processo multilateral climático é um desastre, mas é a única coisa que nos separa hoje do aquecimento global de 3°C ou mais (na comparação ao nível pré-Revolução Industrial, em meados do século 19)”, diz Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima. O Acordo de Paris prevê limitar o aquecimento a 1,5ºC

O modelo de decisão por consenso, adotado nos fóruns internacionais climáticos, é considerado ultrapassado. Mas isso só poderia ser resolvido com uma reforma completa da ONU, o que não é tarefa fácil - ou sequer possível, na opinião de Shigueo Watanabe Jr, pesquisador do Instituto Climainfo.

“A ONU não pode invadir a soberania dos países. Não tem como obrigar países a cumprirem aquilo que eles mesmos prometeram. Tudo repousa na boa vontade ou vergonha dos países. Não acho que isso possa ser reformulado”, afirma ele.

A conferência do clima de 2024, COP-29, aconteceu em Baku, no Azerbaijão. Escolha do país-sede foi alvo de críticas de ambientalistas, por o Estado ser um grande produtor de petróleo.  Foto: Alexander Nemenov/AFP

Qual o caminho viável?

“O sistema está muito complicado pela questão da falta de governança. Países mais ricos, como os da Europa e os Estados Unidos, dominaram completamente a agenda, impedindo que basicamente 95% dos países tivessem voz”, critica Paulo Artaxo, professor da USP que integrou o IPCC, grupo da ONU que reúne cientistas que estudam o aquecimento global.

Segundo ele, tanto o conselho de segurança quanto outros órgãos da ONU precisam passar por revisão. “É uma bandeira importante porque já tivemos 29 COPs, 29 anos sem qualquer progresso efetivo. Isso vai continuar até a COP 50, 60, até quando todos nós estivermos fritos.”

Climatologista e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP, Carlos Nobre assinou uma carta do Clube de Roma, grupo de especialistas no debate climático que pediu mudança nos critérios de escolha das sedes durante esta COP. O ex-secretário-geral da da ONU Ban Ki-Moon também estava entre os signatários.

“Três COPs seguidas em países interessados nos combustíveis fósseis - Egito, Emirados Árabes e agora Azerbaijão - não foi boa ideia. As Nações Unidas certamente não deveriam ter aprovado três COPs em países que defendem transição energética muito lenta”, destaca Nobre.

Efeito Trump

Para seu novo período na Casa Branca, Trump escolheu como secretário de Energia Chris Wright, um defensor dos combustíveis fósseis. Sem experiência na administração pública, ele é diretor executivo da Liberty Energy, empresa de fraturamento hidráulico do Colorado.

Em um vídeo publicado no LinkedIn no ano passado, Wright chegou a dizer que “não existe crise climática, e também não estamos no meio de uma transição energética”. Nos últimos dias de campanha, Trump afirmou que vai aumentar, em vez de diminuir, a produção de combustíveis fósseis.

Especialistas apontam, porém, que isso não significa ausência dos americanos na luta contra o aquecimento global. Isso porque vários governos locais tendem a manter seus esforços de adaptação e as empresas não vão recuar totalmente em seus investimentos para a transição energética.

“Temos de aproveitar que Trump vai retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris para desenhar um jeito, dentro da convenção, de tocar essa agenda sem contar com eles. Se ficar esperando pelos Estados Unidos, não conseguirá resolver nunca”, diz Angelo, do Observatório do Clima.

Quem paga a conta?

Um dos principais pontos de desgaste neste ano foi a insistência dos países desenvolvidos de incluir mais nações na obrigação de financiar a adaptação climática das nações vulneráveis. O argumento é de que o mundo havia mudado desde os anos 1990, o que jogaria mais responsabilidade para países como a China, por exemplo, entre os maiores poluidores globais.

“Novos ricos - China, a Arábia Saudita etc - se negam a contribuir, apoiados por Brasil, um país de renda média alta, entre outros. O quadro tende a piorar nos próximos anos com o governo Trump e o aumento dos gastos militares em todo o mundo”, aponta Viola.

Além disso, o fato de terem chegado a um acordo sobre as cifras não garante o cumprimento. Na Cúpula de Copenhague, em 2009, as nações ricas fixaram a meta de US$ 100 bilhões, mas os emergentes se queixaram de que o compromisso não foi cumprido. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi um das principais vozes a cobrar esses recursos nas duas últimas conferências climáticas e em outros eventos da ONU.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) diz que esse montante foi alcançado em 2022, mas o método de cálculo é contestado. Dentre os aspectos questionados, estão o tipo de recurso (parte dos países entende que não poderia incluir na conta empréstimos a juros altos) e a sua destinação.

“Foram colocadas na mesa alternativas de financiamento - por países, bancos multilaterais. Mas vale lembrar que nos países pobres, o risco de inadimplência é alto e, portanto, os juros exigidos nessas operações também são altos. Até 4 vezes mais altos do que praticado num país rico”, afirma Watanabe Jr. “Ou seja, o país pobre que usar bem esses recursos estará, no final, enriquecendo ainda mais os ricos. Não me parece que se possa chamar isso de ‘justiça.” / COLABOROU PRISCILA MENGUE

O documento final da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-29), em Baku, no Azerbaijão, foi recebido com frustração por especialistas e parte das autoridades. O objetivo principal da reunião deste ano - definir um fundo de financiamento para ações de combate e resiliência à crise climática - trouxe uma meta menor do que 1/5 do montante calculado como necessário.

O montante a ser repassado pelos países ricos aos emergentes ou pobres deve ser, no mínimo, de US$ 300 bilhões (cerca de R$1,74 trilhão) até 2035. Estudos, porém, calculavam a necessidade de ao menos US$ 1,3 trilhão (R$ 7,5 trilhões).

A negociação incluiu um cabo-de-guerra tenso entre as nações ricas e as demais, o que fez representantes de ilhas e outras regiões vulneráveis deixarem a sala de negociação. Antonio Guterres, secretário-geral da ONU, admitiu que esperava “resultado mais ambicioso”.

Para especialistas, isso reflete o cenário geopolítico tenso e expõe a insuficiência da ONU para mediar conflitos. Reforça o alerta que o modelo de consenso multilateral para decisões não vai acelerar significativamente a luta contra a crise climática - ao menos em curto prazo. E eleva a pressão sobre a conferência de 2025, em Belém.

Na COP do Azerbaijão, protestos cobraram a redução do uso de combustíveis fósseis Foto: Peter Dejong/AP

A ativista climática sueca Greta Thunberg classificou o acordo da COP de “completo desastre” e “sentença de morte” - três anos antes, ela havia chamado a cúpula de “blá-blá-blá”.

Outra sombra para os próximos anos é a eleição de Donald Trump, que no primeiro mandato (2017-2021) tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, pacto climático global assinado em 2015.

Mesmo assim, os fóruns da organização são vistos como a principal alternativa para tentar soluções de alcance amplo. Em outras crises, como a do buraco na camada de ozônio, o esforço global teve êxito.

Para Eduardo Viola, especialista de Relações Internacionais, o cenário mudou na última década. “Saímos da pós-guerra fria e entramos na segunda guerra fria (entre Estados Unidos e China). Intensificou-se o conflito entres as grandes potências - incluídas duas guerras no centro do sistema (Israel contra Hamas, Hezbolah e Irã e o conflito na Ucrânia) - e diminuiu a cooperação. O multilateralismo está em crise profunda”, diz.

“Não vejo como isso poderia melhorar sem forte redução do nível de rivalidade geopolítica atual e isso transcende totalmente a dinâmica das COPs”, acrescenta ele, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Getulio Vargas (FGV).

“Estamos em uma encruzilhada, porque o processo multilateral climático é um desastre, mas é a única coisa que nos separa hoje do aquecimento global de 3°C ou mais (na comparação ao nível pré-Revolução Industrial, em meados do século 19)”, diz Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima. O Acordo de Paris prevê limitar o aquecimento a 1,5ºC

O modelo de decisão por consenso, adotado nos fóruns internacionais climáticos, é considerado ultrapassado. Mas isso só poderia ser resolvido com uma reforma completa da ONU, o que não é tarefa fácil - ou sequer possível, na opinião de Shigueo Watanabe Jr, pesquisador do Instituto Climainfo.

“A ONU não pode invadir a soberania dos países. Não tem como obrigar países a cumprirem aquilo que eles mesmos prometeram. Tudo repousa na boa vontade ou vergonha dos países. Não acho que isso possa ser reformulado”, afirma ele.

A conferência do clima de 2024, COP-29, aconteceu em Baku, no Azerbaijão. Escolha do país-sede foi alvo de críticas de ambientalistas, por o Estado ser um grande produtor de petróleo.  Foto: Alexander Nemenov/AFP

Qual o caminho viável?

“O sistema está muito complicado pela questão da falta de governança. Países mais ricos, como os da Europa e os Estados Unidos, dominaram completamente a agenda, impedindo que basicamente 95% dos países tivessem voz”, critica Paulo Artaxo, professor da USP que integrou o IPCC, grupo da ONU que reúne cientistas que estudam o aquecimento global.

Segundo ele, tanto o conselho de segurança quanto outros órgãos da ONU precisam passar por revisão. “É uma bandeira importante porque já tivemos 29 COPs, 29 anos sem qualquer progresso efetivo. Isso vai continuar até a COP 50, 60, até quando todos nós estivermos fritos.”

Climatologista e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP, Carlos Nobre assinou uma carta do Clube de Roma, grupo de especialistas no debate climático que pediu mudança nos critérios de escolha das sedes durante esta COP. O ex-secretário-geral da da ONU Ban Ki-Moon também estava entre os signatários.

“Três COPs seguidas em países interessados nos combustíveis fósseis - Egito, Emirados Árabes e agora Azerbaijão - não foi boa ideia. As Nações Unidas certamente não deveriam ter aprovado três COPs em países que defendem transição energética muito lenta”, destaca Nobre.

Efeito Trump

Para seu novo período na Casa Branca, Trump escolheu como secretário de Energia Chris Wright, um defensor dos combustíveis fósseis. Sem experiência na administração pública, ele é diretor executivo da Liberty Energy, empresa de fraturamento hidráulico do Colorado.

Em um vídeo publicado no LinkedIn no ano passado, Wright chegou a dizer que “não existe crise climática, e também não estamos no meio de uma transição energética”. Nos últimos dias de campanha, Trump afirmou que vai aumentar, em vez de diminuir, a produção de combustíveis fósseis.

Especialistas apontam, porém, que isso não significa ausência dos americanos na luta contra o aquecimento global. Isso porque vários governos locais tendem a manter seus esforços de adaptação e as empresas não vão recuar totalmente em seus investimentos para a transição energética.

“Temos de aproveitar que Trump vai retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris para desenhar um jeito, dentro da convenção, de tocar essa agenda sem contar com eles. Se ficar esperando pelos Estados Unidos, não conseguirá resolver nunca”, diz Angelo, do Observatório do Clima.

Quem paga a conta?

Um dos principais pontos de desgaste neste ano foi a insistência dos países desenvolvidos de incluir mais nações na obrigação de financiar a adaptação climática das nações vulneráveis. O argumento é de que o mundo havia mudado desde os anos 1990, o que jogaria mais responsabilidade para países como a China, por exemplo, entre os maiores poluidores globais.

“Novos ricos - China, a Arábia Saudita etc - se negam a contribuir, apoiados por Brasil, um país de renda média alta, entre outros. O quadro tende a piorar nos próximos anos com o governo Trump e o aumento dos gastos militares em todo o mundo”, aponta Viola.

Além disso, o fato de terem chegado a um acordo sobre as cifras não garante o cumprimento. Na Cúpula de Copenhague, em 2009, as nações ricas fixaram a meta de US$ 100 bilhões, mas os emergentes se queixaram de que o compromisso não foi cumprido. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi um das principais vozes a cobrar esses recursos nas duas últimas conferências climáticas e em outros eventos da ONU.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) diz que esse montante foi alcançado em 2022, mas o método de cálculo é contestado. Dentre os aspectos questionados, estão o tipo de recurso (parte dos países entende que não poderia incluir na conta empréstimos a juros altos) e a sua destinação.

“Foram colocadas na mesa alternativas de financiamento - por países, bancos multilaterais. Mas vale lembrar que nos países pobres, o risco de inadimplência é alto e, portanto, os juros exigidos nessas operações também são altos. Até 4 vezes mais altos do que praticado num país rico”, afirma Watanabe Jr. “Ou seja, o país pobre que usar bem esses recursos estará, no final, enriquecendo ainda mais os ricos. Não me parece que se possa chamar isso de ‘justiça.” / COLABOROU PRISCILA MENGUE

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