Depois de meses sem chuvas que levaram a Bacia do Amazonas à pior seca em mais de um século com os rios atingindo os piores níveis em 121 anos - desde que o monitoramento começou a ser feito -, a situação começou a se estabilizar na região. O processo, no entanto, é lento e, agravado pelo El Niño, não deve ser normalizado antes de dezembro.
Desde maio, parte dos Estados do Amazonas e do Pará vem registrando chuvas abaixo da média. O fenômeno El Niño eleva as temperaturas do Oceano Pacífico e o aquecimento anormal das águas altera as correntes de ventos e as precipitações.
O aumento das temperaturas superficiais das águas acaba tendo impacto no regime de chuvas. Isso causa a interrupção dos padrões de circulação das correntes marítimas e massas de ar, o que leva a consequências distintas ao redor do mundo. No Sul do País, por exemplo, o fenômeno contribuiu para a passagem de um ciclone, que deixou 50 mortos e milhares de desabrigados em setembro. No Norte, o efeito é inverso, com seca extrema.
Com a alteração nos padrões de chuva provocadas pelo El Niño, especialistas apontam que os rios da Bacia do Amazonas deverão ter uma subida atrasada e lenta. De acordo com dados do Boletim de Monitoramento Hidrológico da Bacia do Amazonas, divulgado pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB), o Rio Negro, em Manaus, por exemplo, apresentou estabilidade ao subir 17 centímetros nos últimos dias e, assim, interromper a série de descidas que duraram mais de 130 dias. No mês passado, a média de descida chegou a 10 centímetros por dia.
A atual seca histórica acontece dois anos após o Rio Negro ter registrado a sua maior cheia, em 2021, quando a marca de 30,02 metros foi atingida em Manaus.
O Rio Negro está entre as principais hidrovias da Amazônia para transporte de cargas e passageiros e forma, ao se unir ao Rio Solimões, o Rio Amazonas. Este último é o maior do mundo em vazão de água e o segundo maior em extensão, ficando atrás apenas do Rio Nilo, no continente africano.
Apesar da estabilidade e início da recuperação em alguns pontos, devido ao aumento gradual das chuvas, o cenário ainda é crítico, com níveis muito baixos para a época ao ano devido ao atraso e da fraca intensidade das chuvas. “Estabilizar não quer dizer que os problemas acabaram, mas já é uma ótima notícia em meio a toda essa crise que estamos passando”, diz o coordenador-executivo do Sistema de Alerta Hidrológico (SAH) do SGB, Artur Matos. No Amazonas, 62 municípios continuam em estado de emergência, com 598 mil pessoas atingidas pela seca até o momento.
Lagos inteiros secaram. Além do Lago Tefé, onde morreram mais de 100 botos, a seca também atinge o Lago de Coari, afetando o acesso a alimentos, medicamentos e o funcionamento das escolas em comunidades ribeirinhas, extrativistas, quilombolas, indígenas e áreas urbanas.
As previsões indicam mais chuvas distribuídas na região e o nível dos rios deve continuar a subir nas próximas semanas. Mas, em algumas estações no Alto do Rio Negro, em Barcelos e São Gabriel da Cachoeira, por exemplo, os níveis mínimos deverão continuar até 2024.
“Em locais onde a estiagem ocorre em fevereiro, a situação é bem preocupante porque já são registrados níveis bem baixos, e o prognóstico até fevereiro não é favorável, em razão dos impactos do El Niño na região que seguirão fortes até o primeiro semestre do ano que vem”, destaca o pesquisador em geociências do SGB, Marcus Suassuna.
O atual processo de estabilização dos níveis dos rios está relacionado às chuvas nos Andes e na região amazônica. Com as precipitações, rios menores do Alto Solimões começaram a subir de forma lenta e o impacto é sentido em outros rios gradualmente. Em em condições normais, o Rio Solimões possui uma extensão navegável de 1,6 mil quilômetros entre Tabatinga, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, e a capital do Amazonas.
Brasil já perdeu 16% de sua cobertura de água
Em 30 anos, 15,7% da superfície de água do Brasil desapareceu. No Estado mais afetado, o Mato Grosso do Sul, mais da metade (57%) de todo o recurso hídrico foi perdido desde 1990. Ali, essa redução ocorreu basicamente em um dos biomas mais importantes do País, o Pantanal.
Todos os biomas brasileiros foram afetados e suas perdas mensuradas em pesquisa inédita do MapBiomas, projeto que reúne universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia. Ao todo, 3,1 milhões de hectares de superfície de água sumiram, o equivalente a mais de uma vez e meia de todo o recurso hídrico disponível no Nordeste em 2020.