A situação da Amazônia é crítica: os Estados do Acre, Amapá, Amazonas e Pará tiveram os menores índices de chuva desde 1980 entre os meses de julho e setembro. E o Rio Negro registrou este mês o nível mais baixo de água desde 1902, quando teve início a medição.
A mais intensa seca na região em cem anos é consequência da influência do fenômeno El Niño, mas também há indícios de estar associada às mudanças climáticas. A avaliação foi feita por especialistas que participaram do webinário “Eventos Climáticos Extremos em Ano de El Niño”, promovido pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) em 17 de outubro.
O El Niño é um fenômeno que envolve alterações na temperatura do Oceano Pacífico Tropical e no comportamento da atmosfera e contribui para alterações nos ventos e na precipitação em várias áreas do planeta.
De modo geral, modifica o comportamento dos sistemas frontais (sucessões de frentes), que se tornam mais frequentes e persistentes sobre a região Sul, provocando ali um aumento das precipitações e diminuição das chuvas nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.
“Em anos de El Niño, portanto, o fenômeno costuma provocar chuvas abaixo da média na região da Amazônia, não apenas no Amazonas, mas também nos outros Estados da Região Norte, bem como na região Nordeste”, explicou Regina Alvalá, diretora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
“Neste ano, observamos ainda que os impactos do El Niño podem estar combinados com a situação do oceano Atlântico Tropical Norte, que influencia no aumento das chuvas acima do Equador, mas diminui ainda mais as precipitações na Amazônia. Portanto, precisamos aprofundar os estudos para avaliar a associação com as mudanças climáticas. A situação da escassez de chuvas precisa ser acompanhada mês a mês, inclusive para subsidiar a adoção de ações adequadas para mitigar os seus impactos.”
Regina Rodrigues, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), destacou um estudo recente que estima perdas econômicas globais – considerando o Produto Interno Bruto (PIB) de diversos países – de aproximadamente US$ 5 trilhões ao ano relacionadas aos El Niños de 1982-1983 e 1997-1998, com efeitos que duram até cinco anos.
“Estamos caminhando para outro evento desse porte”, alertou. “É importantíssimo frisar que, embora seja um fenômeno natural do sistema climático, as mudanças climáticas decorrentes de atividades humanas alteram sua frequência e intensidade. Estudos trazem evidências de que haverá um aumento na magnitude dos El Niños”, disse Rodrigues.
Na avaliação de Gilvan Sampaio, coordenador-geral de Ciências da Terra do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), há uma tendência bastante clara de os eventos extremos se tornarem cada vez mais frequentes e intensos. “Estudos indicam que, até o fim do século, viveremos em um clima de El Niño semipermanente”, afirmou.
“Estudos mostram que o aquecimento da atmosfera se expande da região tropical para médias latitudes, impactando o regime de chuvas”, reforçou Tércio Ambrizzi, coordenador do Grupo de Estudos do Clima do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).
O desmatamento da Amazônia também agrava a seca, já que diminui a evapotranspiração, isto é, a emissão de vapor d’água pela floresta, que forma as chuvas.
Outros aspectos importantes que merecem atenção este ano na avaliação dos especialistas: antecipação da estação seca, que costuma ocorrer entre novembro e março, para abril a outubro; excesso de chuvas na região Sul, especialmente nos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina; e temperaturas acima da média em praticamente todo o Brasil.
Impactos sociais e econômicos
A seca já impacta a população local na Amazônia: comunidades ribeirinhas ficam isoladas por conta da diminuição dos níveis dos rios; botos e peixes morrem em razão da temperatura mais alta da água; a produção de energia elétrica é comprometida; e queimadas prejudicam a qualidade do ar.
Embora as consequências econômicas possam durar anos e se complicarem num futuro próximo, alguns problemas são sentidos desde agora: em setembro, 79 municípios da região Norte tiveram mais de 80% de suas áreas agrícolas afetadas, de acordo com o Cemaden.
Alvalá reforça também que a navegabilidade dos rios vem sendo afetada, causando transtornos em uma região que depende de navegabilidade para transporte de diversos insumos. Fabricantes da Zona Franca de Manaus enfrentam dificuldades para receber componentes para a produção e distribuição de produtos para o resto do país.
“Como não é possível garantir que as chuvas voltarão a níveis normais, é preciso atuar na gestão da crise imposta pela seca para diminuir seus impactos”, ponderou Alvalá.
“Designar equipes para a fiscalização das queimadas e o combate ao fogo contribui para reduzir a poluição atmosférica que impacta a saúde das pessoas e, consequentemente, reduz a demanda por insumos importantes para a área de saúde”, exemplificou.
Embora esse tipo de ação imediata pareça trivial, vale lembrar que a região da Amazônia se insere em uma área de mais de 3 milhões de quilômetros quadrados, o que demanda ações coordenadas envolvendo diversos órgãos e atores. Nesse sentido, Alvalá destacou os esforços do governo federal, que tem organizado reuniões periódicas para monitoramento da seca na região Norte e articulação e ações no âmbito do poder executivo federal.
Os pesquisadores apontam a necessidade de intensificar as estratégias de planejamento: “Temos um conhecimento muito claro dos impactos climáticos e do ônus que o El Niño ocasiona”, afirmou Ambrizzi. “Portanto, é possível se preparar com antecedência de três a seis meses, especialmente no caso das defesas civis.”
Os cientistas ressaltaram a importância de estratégias focadas no planejamento urbano, com planos diretores mais eficientes, para que a população possa conviver com o clima mais seco nos próximos anos.
Sampaio citou, por exemplo, possíveis alterações nas variedades agrícolas cultivadas. “O plantio de milho e feijão no Nordeste, que demanda quantidade considerável de água, provavelmente precisará ser substituído.” /AGÊNCIA FAPESP