Em 1º evento público na COP, Salles defende diálogo e recursos de países ricos contra desmate


Ministro do Meio Ambiente voltou a falar da importância de agenda da bioeconomia: 'Ideia da floresta valer mais em pé é absolutamente correta, mas precisa se reverter em recursos para os mais 20 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia'

Por Giovana Girardi
Atualização:

MADRI - Em sua primeira participação pública na Conferência do Clima da ONU (COP-25), em Madri, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu que é preciso encontrar “os pontos de convergência para avançar nessa agenda”, referindo-se ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Ele participou na manhã desta segunda-feira, 9, de um evento promovido pela sociedade civil, com a presença de empresários e parlamentares, entre eles o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. O encontro começou com atraso, e Salles deixou o local após ter ouvido duas pessoas. O evento - convocado pelo Instituto Clima e Sociedade e pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, que organizaram o único espaço brasileiro nesta COP - tinha como objetivo promover um diálogo sobre ambição climática. Salles e Alcolumbre estavam previstos para falar no final, após cinco outras pessoas. Mas, por causa do atrasado, a ordem foi modificada.

Ativistas fazem ato durante a Conferência do Clima da ONU (COP-25), em Madri Foto: EFE/Chema Moya/EFE - 06/12/2019

O ministro ouviu a jovem Karina Penha, do Engajamundo, estudante de Biologia no Maranhão, lembrar "todos os que estão sendo mortos por defender o que deveria ser prioridade, o que mantém a vida”, em referência aos três indígenas assassinados no Maranhão em pouco mais de um mês. Na sequência, falou Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde e Alegria, uma das ONGs que foi alvo de apreensão por parte da Polícia Militar do Pará na operação que prendeu quatro brigadistas em Alter do Chão. Os quatro foram soltos dias depois. Scannavino pediu um minuto de silêncio para que todos dessem as mãos e pudessem refletir sobre o que chamou de "derramamento de sangue na Amazônia”. Contou que viveu “momentos de pesadelo” ao ser acusado de “uma coisa esdrúxula” e afirmou: “Não botamos fogo na floresta". Ele lembrou que esta COP deveria ter ocorrido no Brasil, mas foi cancelada pelo governo Bolsonaro.

"Se estamos aqui para falar de ambição, queria lembrar que era para a COP ser no Brasil. Temos uma responsabilidade grande como brasileiros. O país com a maior biodiversidade do mundo só tem esse espaço aqui. Que fique uma lição para que na próxima COP, o Brasil se representar com o tamanho do país com a maior biodiversidade do planeta que nós somos.” Salles acenou com a cabeça. O ambientalista disse que, na sua visão, existe um debate errado, de desenvolvimento versus ambiente, de ONGs versus progresso. "O que temos de discutir não é desenvolvimento, mas o modelo de desenvolvimento. Se é para frente ou para trás; se poucos ou para muitos.” Ele lembrou que, nas últimas décadas, a Amazônia perdeu o equivalente a duas Alemanhas e que, na maioria dos casos, foi para transformar em pastagens de baixa produtividade. “Estamos desmatando para ficar mais pobres”, disse. Em seu discurso, Salles reagiu a esse ponto e reforçou seu pleito na conferência. “Quando escuto esse relato da melhoria da eficiência das áreas que já estão abertas, que é muito o que se trabalha... é uma visão absolutamente correta. É um dos fatores que desencoraja o aumento de expansão de novas áreas”, comentou.

Mercado de carbono

Assim como ocorreu em outras entrevistas, Salles reforçou que veio a COP pedir recursos de países ricos para poder combater o desmatamento. “Algo que está diretamente ligado à nossa presença aqui na COP é a monetização dos recursos ambientais no sentido de prover realmente recursos para o pagamento por serviços ambientais. Os serviços ecossistêmicos, que são muitos e são importantes, precisam ser remunerados para serem valorizados. A nossa vinda à COP neste ano, em especial, tem tudo a ver com isso.” Ele se referiu a um dos itens que estão sendo discutidos na conferência que é o artigo 6 do Acordo de Paris, fechado em 2015 para combater as mudanças climáticas. O artigo trata sobre a existência de mercados de carbono e ainda precisa ser regulamentado - o que se espera que ocorra até o final da COP. A ideia, diz Salles, é “finalmente conseguir encontrar uma fórmula para que aqueles que foram os maiores emissores de gases-estufa na história recente da humanidade que se responsabilizem efetivamente por aquilo que produziram com as emissões de gases, das florestas que suprimiram quase que na sua integralidade, das ações que tomaram e continuam tomando - porque os combustíveis fósseis continuam sendo a maior parte das emissões". O artigo 6, porém, não traz exatamente esse tipo de possibilidade. Apesar de as normas ainda estarem em discussão, a ideia é que ele estabeleça formas de negócio entre países. Quem conseguir reduzir mais emissões do que as devidas poderia vender esse excedente para quem não está conseguindo cumprir suas próprias metas. Salles também voltou a falar de uma agenda da bioeconomia efetiva. "A ideia da floresta valer mais em pé é absolutamente correta, mas precisa se reverter em recursos para os mais 20 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia.”

Sem isso, diz, as atividades ilegais se tornam atrativas. “Nós deixamos para trás as pessoas, e sem cuidar das pessoas é difícil cuidar do meio ambiente. Há que se trabalhar para elevar o padrão de vida das pessoas, numa atividade produtiva que seja compatível com a preservação, com a permanência dos recursos naturais, na extensão do que é o território amazônico e com a necessidade que as pessoas têm. É preciso olhar a vida daquelas pessoas. E reconhecer os reais gargalos que têm impedido que a agenda avance”, complementou. Após a saída de Salles, a deputada Joênia falou que o Brasil hoje vive retrocessos diários na legislação ambiental e que “há um medo muito grande dos povos indígenas e da sociedade civil”.

Ex-ministras criticam política ambiental de Bolsonaro

As ex-ministras do Meio Ambiente do Brasil Marina Silva (2003-2008) e Izabella Teixeira (2010 a 2016) fizeram críticas à gestão ambiental do governo Jair Bolsonaro nesta segunda-feira, 9, na Conferência do Clima da ONU, em Madri. Elas participaram de evento convocado pela sociedade civil que contou com a participação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), além de vários outros parlamentares. Salles saiu cedo, logo logo se manifestar, por causa de outros compromissos.

Izabella criticou o posicionamento de Salles, que tem dito estar na COP para cobrar o pagamento de países ricos por resultados obtidos pelo Brasil no passado de redução das emissões de gases de efeito estufa como resultado da queda no desmatamento até 2012. “A COP não é lugar de barganha. De construção de visões, de convergências”, disse Izabella, que ajudou a construir o Acordo de Paris, em 2015. É esse regime, que define esforços mundiais para manter a temperatura do planeta abaixo de 2ºC até o final da século, que está acabando de ser regulamentado para poder entrar em pleno vigor no ano que vem.

Para a ministra, porém, o Brasil está se distanciando de seus compromissos. "Não conheço qual é a estratégia de implementação dos compromissos de Paris pelo Brasil. Não conheço a implementação do Código Florestal. Não conheço mais a redução do desmatamento. Ao contrário: o Brasil está aumentando o desmatamento. Não conheço mais a credibilidade do Brasil no exterior por oferecer políticas públicas transparentes com engajamento da sociedade”, disse.

Izabella também criticou a decisão do governo federal de não mais incluir a sociedade civil como parte oficial da delegação brasileira. Até 2018, ONGs, pesquisadores e empresários podiam participar das COPs com crachá de “party (parte)", ou seja, como membro do governo brasileiro. Eles não entravam nas negociações, mas podiam ir às conferências desse modo. Neste ano, essa possibilidade foi vetada pelo governo. Izabella e Marina, apesar de serem ex-ministras, buscaram outros credenciamentos para vir a COP. Izabella, hoje co-presidente do Painel de Recursos Internacionais da ONU Meio Ambiente, viajou a convite da Espanha. Marina, a convite da Noruega.

“Fui a ministra que mais apanhou da sociedade civil e nunca cortei ninguém da delegação”, disse Izabella. “A discussão aqui não é de direita nem de esquerda, mas de fazer parte do mundo ou estar fora dele.”

Para Marina, o Brasil hoje se “configura como um grande problema” nas negociações climáticas, depois de ter sido visto no passado por políticas públicas que traziam soluções. “Temos o assassinato de lideranças, a violência aumentando sobremaneira, com um desmatamento que aumentou quase 30%, depois de ter caído 83%, mesmo com o País crescendo. Temos um governo negacionista, que nega que exista mudança climática, mas em nome dessas mudanças quer barganhar aqui na COP. É uma relação ambígua, paradoxal”, afirmou.

Marina também cobrou Alcolumbre, que havia afirmado por duas vezes que não vai admitir mudanças na legislação que representem retrocessos. O senador voltou a assumir esse compromisso. Ela também afirmou que o problema da mudança do clima no é de direita nem de esquerda. “É de responsabilidade”, disse. Depois, ao Estado, ela afirmou que Salles não queria ouvir ninguém, mas impor sua presença. “Vem dizer que quer dinheiro, que só pagando vai cuidar. Mas isso não existe. A Amazônia é importante para nós.”

Marina acredita que no âmbito da COP, os países já perceberam que não podem contar com o Brasil. “Só não saiu ainda do Acordo de Paris, como (Donald)Trump fez nos Estados Unidos, mas faz isso na prática com as políticas que vêm sendo implementadas. Decretou o fim dos compromissos que o Brasil assumiu.”

* A repórter viajou a Madri a convite do Instituto Clima e Sociedade (iCS) 

MADRI - Em sua primeira participação pública na Conferência do Clima da ONU (COP-25), em Madri, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu que é preciso encontrar “os pontos de convergência para avançar nessa agenda”, referindo-se ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Ele participou na manhã desta segunda-feira, 9, de um evento promovido pela sociedade civil, com a presença de empresários e parlamentares, entre eles o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. O encontro começou com atraso, e Salles deixou o local após ter ouvido duas pessoas. O evento - convocado pelo Instituto Clima e Sociedade e pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, que organizaram o único espaço brasileiro nesta COP - tinha como objetivo promover um diálogo sobre ambição climática. Salles e Alcolumbre estavam previstos para falar no final, após cinco outras pessoas. Mas, por causa do atrasado, a ordem foi modificada.

Ativistas fazem ato durante a Conferência do Clima da ONU (COP-25), em Madri Foto: EFE/Chema Moya/EFE - 06/12/2019

O ministro ouviu a jovem Karina Penha, do Engajamundo, estudante de Biologia no Maranhão, lembrar "todos os que estão sendo mortos por defender o que deveria ser prioridade, o que mantém a vida”, em referência aos três indígenas assassinados no Maranhão em pouco mais de um mês. Na sequência, falou Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde e Alegria, uma das ONGs que foi alvo de apreensão por parte da Polícia Militar do Pará na operação que prendeu quatro brigadistas em Alter do Chão. Os quatro foram soltos dias depois. Scannavino pediu um minuto de silêncio para que todos dessem as mãos e pudessem refletir sobre o que chamou de "derramamento de sangue na Amazônia”. Contou que viveu “momentos de pesadelo” ao ser acusado de “uma coisa esdrúxula” e afirmou: “Não botamos fogo na floresta". Ele lembrou que esta COP deveria ter ocorrido no Brasil, mas foi cancelada pelo governo Bolsonaro.

"Se estamos aqui para falar de ambição, queria lembrar que era para a COP ser no Brasil. Temos uma responsabilidade grande como brasileiros. O país com a maior biodiversidade do mundo só tem esse espaço aqui. Que fique uma lição para que na próxima COP, o Brasil se representar com o tamanho do país com a maior biodiversidade do planeta que nós somos.” Salles acenou com a cabeça. O ambientalista disse que, na sua visão, existe um debate errado, de desenvolvimento versus ambiente, de ONGs versus progresso. "O que temos de discutir não é desenvolvimento, mas o modelo de desenvolvimento. Se é para frente ou para trás; se poucos ou para muitos.” Ele lembrou que, nas últimas décadas, a Amazônia perdeu o equivalente a duas Alemanhas e que, na maioria dos casos, foi para transformar em pastagens de baixa produtividade. “Estamos desmatando para ficar mais pobres”, disse. Em seu discurso, Salles reagiu a esse ponto e reforçou seu pleito na conferência. “Quando escuto esse relato da melhoria da eficiência das áreas que já estão abertas, que é muito o que se trabalha... é uma visão absolutamente correta. É um dos fatores que desencoraja o aumento de expansão de novas áreas”, comentou.

Mercado de carbono

Assim como ocorreu em outras entrevistas, Salles reforçou que veio a COP pedir recursos de países ricos para poder combater o desmatamento. “Algo que está diretamente ligado à nossa presença aqui na COP é a monetização dos recursos ambientais no sentido de prover realmente recursos para o pagamento por serviços ambientais. Os serviços ecossistêmicos, que são muitos e são importantes, precisam ser remunerados para serem valorizados. A nossa vinda à COP neste ano, em especial, tem tudo a ver com isso.” Ele se referiu a um dos itens que estão sendo discutidos na conferência que é o artigo 6 do Acordo de Paris, fechado em 2015 para combater as mudanças climáticas. O artigo trata sobre a existência de mercados de carbono e ainda precisa ser regulamentado - o que se espera que ocorra até o final da COP. A ideia, diz Salles, é “finalmente conseguir encontrar uma fórmula para que aqueles que foram os maiores emissores de gases-estufa na história recente da humanidade que se responsabilizem efetivamente por aquilo que produziram com as emissões de gases, das florestas que suprimiram quase que na sua integralidade, das ações que tomaram e continuam tomando - porque os combustíveis fósseis continuam sendo a maior parte das emissões". O artigo 6, porém, não traz exatamente esse tipo de possibilidade. Apesar de as normas ainda estarem em discussão, a ideia é que ele estabeleça formas de negócio entre países. Quem conseguir reduzir mais emissões do que as devidas poderia vender esse excedente para quem não está conseguindo cumprir suas próprias metas. Salles também voltou a falar de uma agenda da bioeconomia efetiva. "A ideia da floresta valer mais em pé é absolutamente correta, mas precisa se reverter em recursos para os mais 20 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia.”

Sem isso, diz, as atividades ilegais se tornam atrativas. “Nós deixamos para trás as pessoas, e sem cuidar das pessoas é difícil cuidar do meio ambiente. Há que se trabalhar para elevar o padrão de vida das pessoas, numa atividade produtiva que seja compatível com a preservação, com a permanência dos recursos naturais, na extensão do que é o território amazônico e com a necessidade que as pessoas têm. É preciso olhar a vida daquelas pessoas. E reconhecer os reais gargalos que têm impedido que a agenda avance”, complementou. Após a saída de Salles, a deputada Joênia falou que o Brasil hoje vive retrocessos diários na legislação ambiental e que “há um medo muito grande dos povos indígenas e da sociedade civil”.

Ex-ministras criticam política ambiental de Bolsonaro

As ex-ministras do Meio Ambiente do Brasil Marina Silva (2003-2008) e Izabella Teixeira (2010 a 2016) fizeram críticas à gestão ambiental do governo Jair Bolsonaro nesta segunda-feira, 9, na Conferência do Clima da ONU, em Madri. Elas participaram de evento convocado pela sociedade civil que contou com a participação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), além de vários outros parlamentares. Salles saiu cedo, logo logo se manifestar, por causa de outros compromissos.

Izabella criticou o posicionamento de Salles, que tem dito estar na COP para cobrar o pagamento de países ricos por resultados obtidos pelo Brasil no passado de redução das emissões de gases de efeito estufa como resultado da queda no desmatamento até 2012. “A COP não é lugar de barganha. De construção de visões, de convergências”, disse Izabella, que ajudou a construir o Acordo de Paris, em 2015. É esse regime, que define esforços mundiais para manter a temperatura do planeta abaixo de 2ºC até o final da século, que está acabando de ser regulamentado para poder entrar em pleno vigor no ano que vem.

Para a ministra, porém, o Brasil está se distanciando de seus compromissos. "Não conheço qual é a estratégia de implementação dos compromissos de Paris pelo Brasil. Não conheço a implementação do Código Florestal. Não conheço mais a redução do desmatamento. Ao contrário: o Brasil está aumentando o desmatamento. Não conheço mais a credibilidade do Brasil no exterior por oferecer políticas públicas transparentes com engajamento da sociedade”, disse.

Izabella também criticou a decisão do governo federal de não mais incluir a sociedade civil como parte oficial da delegação brasileira. Até 2018, ONGs, pesquisadores e empresários podiam participar das COPs com crachá de “party (parte)", ou seja, como membro do governo brasileiro. Eles não entravam nas negociações, mas podiam ir às conferências desse modo. Neste ano, essa possibilidade foi vetada pelo governo. Izabella e Marina, apesar de serem ex-ministras, buscaram outros credenciamentos para vir a COP. Izabella, hoje co-presidente do Painel de Recursos Internacionais da ONU Meio Ambiente, viajou a convite da Espanha. Marina, a convite da Noruega.

“Fui a ministra que mais apanhou da sociedade civil e nunca cortei ninguém da delegação”, disse Izabella. “A discussão aqui não é de direita nem de esquerda, mas de fazer parte do mundo ou estar fora dele.”

Para Marina, o Brasil hoje se “configura como um grande problema” nas negociações climáticas, depois de ter sido visto no passado por políticas públicas que traziam soluções. “Temos o assassinato de lideranças, a violência aumentando sobremaneira, com um desmatamento que aumentou quase 30%, depois de ter caído 83%, mesmo com o País crescendo. Temos um governo negacionista, que nega que exista mudança climática, mas em nome dessas mudanças quer barganhar aqui na COP. É uma relação ambígua, paradoxal”, afirmou.

Marina também cobrou Alcolumbre, que havia afirmado por duas vezes que não vai admitir mudanças na legislação que representem retrocessos. O senador voltou a assumir esse compromisso. Ela também afirmou que o problema da mudança do clima no é de direita nem de esquerda. “É de responsabilidade”, disse. Depois, ao Estado, ela afirmou que Salles não queria ouvir ninguém, mas impor sua presença. “Vem dizer que quer dinheiro, que só pagando vai cuidar. Mas isso não existe. A Amazônia é importante para nós.”

Marina acredita que no âmbito da COP, os países já perceberam que não podem contar com o Brasil. “Só não saiu ainda do Acordo de Paris, como (Donald)Trump fez nos Estados Unidos, mas faz isso na prática com as políticas que vêm sendo implementadas. Decretou o fim dos compromissos que o Brasil assumiu.”

* A repórter viajou a Madri a convite do Instituto Clima e Sociedade (iCS) 

MADRI - Em sua primeira participação pública na Conferência do Clima da ONU (COP-25), em Madri, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu que é preciso encontrar “os pontos de convergência para avançar nessa agenda”, referindo-se ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Ele participou na manhã desta segunda-feira, 9, de um evento promovido pela sociedade civil, com a presença de empresários e parlamentares, entre eles o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. O encontro começou com atraso, e Salles deixou o local após ter ouvido duas pessoas. O evento - convocado pelo Instituto Clima e Sociedade e pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, que organizaram o único espaço brasileiro nesta COP - tinha como objetivo promover um diálogo sobre ambição climática. Salles e Alcolumbre estavam previstos para falar no final, após cinco outras pessoas. Mas, por causa do atrasado, a ordem foi modificada.

Ativistas fazem ato durante a Conferência do Clima da ONU (COP-25), em Madri Foto: EFE/Chema Moya/EFE - 06/12/2019

O ministro ouviu a jovem Karina Penha, do Engajamundo, estudante de Biologia no Maranhão, lembrar "todos os que estão sendo mortos por defender o que deveria ser prioridade, o que mantém a vida”, em referência aos três indígenas assassinados no Maranhão em pouco mais de um mês. Na sequência, falou Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde e Alegria, uma das ONGs que foi alvo de apreensão por parte da Polícia Militar do Pará na operação que prendeu quatro brigadistas em Alter do Chão. Os quatro foram soltos dias depois. Scannavino pediu um minuto de silêncio para que todos dessem as mãos e pudessem refletir sobre o que chamou de "derramamento de sangue na Amazônia”. Contou que viveu “momentos de pesadelo” ao ser acusado de “uma coisa esdrúxula” e afirmou: “Não botamos fogo na floresta". Ele lembrou que esta COP deveria ter ocorrido no Brasil, mas foi cancelada pelo governo Bolsonaro.

"Se estamos aqui para falar de ambição, queria lembrar que era para a COP ser no Brasil. Temos uma responsabilidade grande como brasileiros. O país com a maior biodiversidade do mundo só tem esse espaço aqui. Que fique uma lição para que na próxima COP, o Brasil se representar com o tamanho do país com a maior biodiversidade do planeta que nós somos.” Salles acenou com a cabeça. O ambientalista disse que, na sua visão, existe um debate errado, de desenvolvimento versus ambiente, de ONGs versus progresso. "O que temos de discutir não é desenvolvimento, mas o modelo de desenvolvimento. Se é para frente ou para trás; se poucos ou para muitos.” Ele lembrou que, nas últimas décadas, a Amazônia perdeu o equivalente a duas Alemanhas e que, na maioria dos casos, foi para transformar em pastagens de baixa produtividade. “Estamos desmatando para ficar mais pobres”, disse. Em seu discurso, Salles reagiu a esse ponto e reforçou seu pleito na conferência. “Quando escuto esse relato da melhoria da eficiência das áreas que já estão abertas, que é muito o que se trabalha... é uma visão absolutamente correta. É um dos fatores que desencoraja o aumento de expansão de novas áreas”, comentou.

Mercado de carbono

Assim como ocorreu em outras entrevistas, Salles reforçou que veio a COP pedir recursos de países ricos para poder combater o desmatamento. “Algo que está diretamente ligado à nossa presença aqui na COP é a monetização dos recursos ambientais no sentido de prover realmente recursos para o pagamento por serviços ambientais. Os serviços ecossistêmicos, que são muitos e são importantes, precisam ser remunerados para serem valorizados. A nossa vinda à COP neste ano, em especial, tem tudo a ver com isso.” Ele se referiu a um dos itens que estão sendo discutidos na conferência que é o artigo 6 do Acordo de Paris, fechado em 2015 para combater as mudanças climáticas. O artigo trata sobre a existência de mercados de carbono e ainda precisa ser regulamentado - o que se espera que ocorra até o final da COP. A ideia, diz Salles, é “finalmente conseguir encontrar uma fórmula para que aqueles que foram os maiores emissores de gases-estufa na história recente da humanidade que se responsabilizem efetivamente por aquilo que produziram com as emissões de gases, das florestas que suprimiram quase que na sua integralidade, das ações que tomaram e continuam tomando - porque os combustíveis fósseis continuam sendo a maior parte das emissões". O artigo 6, porém, não traz exatamente esse tipo de possibilidade. Apesar de as normas ainda estarem em discussão, a ideia é que ele estabeleça formas de negócio entre países. Quem conseguir reduzir mais emissões do que as devidas poderia vender esse excedente para quem não está conseguindo cumprir suas próprias metas. Salles também voltou a falar de uma agenda da bioeconomia efetiva. "A ideia da floresta valer mais em pé é absolutamente correta, mas precisa se reverter em recursos para os mais 20 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia.”

Sem isso, diz, as atividades ilegais se tornam atrativas. “Nós deixamos para trás as pessoas, e sem cuidar das pessoas é difícil cuidar do meio ambiente. Há que se trabalhar para elevar o padrão de vida das pessoas, numa atividade produtiva que seja compatível com a preservação, com a permanência dos recursos naturais, na extensão do que é o território amazônico e com a necessidade que as pessoas têm. É preciso olhar a vida daquelas pessoas. E reconhecer os reais gargalos que têm impedido que a agenda avance”, complementou. Após a saída de Salles, a deputada Joênia falou que o Brasil hoje vive retrocessos diários na legislação ambiental e que “há um medo muito grande dos povos indígenas e da sociedade civil”.

Ex-ministras criticam política ambiental de Bolsonaro

As ex-ministras do Meio Ambiente do Brasil Marina Silva (2003-2008) e Izabella Teixeira (2010 a 2016) fizeram críticas à gestão ambiental do governo Jair Bolsonaro nesta segunda-feira, 9, na Conferência do Clima da ONU, em Madri. Elas participaram de evento convocado pela sociedade civil que contou com a participação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), além de vários outros parlamentares. Salles saiu cedo, logo logo se manifestar, por causa de outros compromissos.

Izabella criticou o posicionamento de Salles, que tem dito estar na COP para cobrar o pagamento de países ricos por resultados obtidos pelo Brasil no passado de redução das emissões de gases de efeito estufa como resultado da queda no desmatamento até 2012. “A COP não é lugar de barganha. De construção de visões, de convergências”, disse Izabella, que ajudou a construir o Acordo de Paris, em 2015. É esse regime, que define esforços mundiais para manter a temperatura do planeta abaixo de 2ºC até o final da século, que está acabando de ser regulamentado para poder entrar em pleno vigor no ano que vem.

Para a ministra, porém, o Brasil está se distanciando de seus compromissos. "Não conheço qual é a estratégia de implementação dos compromissos de Paris pelo Brasil. Não conheço a implementação do Código Florestal. Não conheço mais a redução do desmatamento. Ao contrário: o Brasil está aumentando o desmatamento. Não conheço mais a credibilidade do Brasil no exterior por oferecer políticas públicas transparentes com engajamento da sociedade”, disse.

Izabella também criticou a decisão do governo federal de não mais incluir a sociedade civil como parte oficial da delegação brasileira. Até 2018, ONGs, pesquisadores e empresários podiam participar das COPs com crachá de “party (parte)", ou seja, como membro do governo brasileiro. Eles não entravam nas negociações, mas podiam ir às conferências desse modo. Neste ano, essa possibilidade foi vetada pelo governo. Izabella e Marina, apesar de serem ex-ministras, buscaram outros credenciamentos para vir a COP. Izabella, hoje co-presidente do Painel de Recursos Internacionais da ONU Meio Ambiente, viajou a convite da Espanha. Marina, a convite da Noruega.

“Fui a ministra que mais apanhou da sociedade civil e nunca cortei ninguém da delegação”, disse Izabella. “A discussão aqui não é de direita nem de esquerda, mas de fazer parte do mundo ou estar fora dele.”

Para Marina, o Brasil hoje se “configura como um grande problema” nas negociações climáticas, depois de ter sido visto no passado por políticas públicas que traziam soluções. “Temos o assassinato de lideranças, a violência aumentando sobremaneira, com um desmatamento que aumentou quase 30%, depois de ter caído 83%, mesmo com o País crescendo. Temos um governo negacionista, que nega que exista mudança climática, mas em nome dessas mudanças quer barganhar aqui na COP. É uma relação ambígua, paradoxal”, afirmou.

Marina também cobrou Alcolumbre, que havia afirmado por duas vezes que não vai admitir mudanças na legislação que representem retrocessos. O senador voltou a assumir esse compromisso. Ela também afirmou que o problema da mudança do clima no é de direita nem de esquerda. “É de responsabilidade”, disse. Depois, ao Estado, ela afirmou que Salles não queria ouvir ninguém, mas impor sua presença. “Vem dizer que quer dinheiro, que só pagando vai cuidar. Mas isso não existe. A Amazônia é importante para nós.”

Marina acredita que no âmbito da COP, os países já perceberam que não podem contar com o Brasil. “Só não saiu ainda do Acordo de Paris, como (Donald)Trump fez nos Estados Unidos, mas faz isso na prática com as políticas que vêm sendo implementadas. Decretou o fim dos compromissos que o Brasil assumiu.”

* A repórter viajou a Madri a convite do Instituto Clima e Sociedade (iCS) 

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