Atualizada às 21h38
Jorge Bergoglio mostra que é Francisco iniciando sua encíclica com o santo de quem emprestou o nome. Laudato Sii (ou, em português, Louvado Seja) teve o conteúdo antecipado nesta segunda-feira, 15, pela revista italiana L’Espresso - em uma última versão antes da revisão final. A encíclica é considerada a primeira, de fato, de autoria de Francisco - já que a Lumen Fidei, de julho de 2013, havia sido iniciada por Bento XVI.
Conforme especialistas já apostavam, o documento é voltado à importância dos cuidados com o meio ambiente. Ele traz no capítulo Diálogo sobre o Ambiente na Política Internacional um apelo do papa. Ele diz que acordos internacionais são urgentes para “estabelecer percursos negociados a fim de evitar catástrofes locais que acabam por prejudicar a todos”.
“O mais importante é que o papa foi bastante radical na denúncia das desigualdades econômicas e das injustiças sociais associadas à degradação do meio ambiente”, pontua o biólogo e sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) - e professor, durante 20 anos, de Ecologia na PUC de Campinas.
“Ele mostra que os primeiros reflexos dos problemas ambientais se dão na vida dos mais pobres, dos mais frágeis. Isso é algo que muitas vezes o próprio movimento ambientalista não tem de forma clara.”
Esta é a 298.º encíclica da história da Igreja Católica - e a primeira que traz a ecologia como ponto central. Oficialmente, o Vaticano vai divulgar o documento na quinta-feira. Francisco teve muitos consultores para escrever a carta. Dentre os brasileiros, teriam sido ouvidos o teólogo Leonardo Boff, além de d. Erwin Kläutler, bispo da prelazia do Xingu.
“É comum que sejam consultados especialistas durante o processo de feitura das encíclicas”, explica o filósofo e teólogo Fernando Altemeyer Júnior, professor da PUC de São Paulo. “Nenhuma encíclica tem apenas as mãos do papa. Historicamente, é notável o trabalho do Padre Lebret (Louis-Joseph Lebret, dominicano francês que viveu entre 1897 e 1966, tendo passado parte da vida no Brasil), que praticamente foi o ‘ghost writer’ da Populorum Progressio, do papa Paulo VI, encíclica que teve até o (ex-presidente da República) Fernando Henrique Cardoso como consultor indireto.”
São Francisco. “A escolha, aparentemente óbvia, mas nem tanto, de uma citação do Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis, para iniciar a encíclica, e a presença de um teólogo católico de rito oriental, Ioannis Zizioulas, na apresentação da encíclica (agendada para quinta) sugerem, contudo, a marca específica de Bergoglio no tratamento do tema”, comenta Borba. “Tanto no poema franciscano quanto na teologia oriental, a natureza ocupa um lugar muito mais destacado na mística católica do que no pensamento católico entre os Concílios de Trento (1545-1563) e Vaticano II (1962-1965).”
“O fato é que a encíclica chega num momento complexo para a defesa do meio ambiente em todo o planeta. Apesar do otimismo gerado pela Eco-92, pelo Protocolo de Kyoto (1997) sobre a redução da emissão dos gases responsáveis pelo efeito estufa e pelos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas (2000), os primeiros 15 anos deste século viram um aumento da degradação ambiental e o sacrifício das agendas conservacionistas em função do crescimento econômico”, complementa o biólogo.
“Por outro lado, também cresceu a frequência dos desastres naturais por causas climáticas, como furacões, secas prolongadas, invernos muito frios e enchentes, levando várias lideranças mundiais a se declararem comprometidas com a questão ambiental e dispostas a mudar a escrita recente na Conferência de Paris sobre o Clima (COP21) neste ano.” Por fim, Borba diz que a encíclica deve retomar uma das principais críticas ao Protocolo de Kyoto: “A de que as nações ‘em desenvolvimento’ estariam desobrigadas de esforços para reduzir as emissões de gases para não reduzir seu crescimento econômico”.
Citações. Outro aspecto relevante do documento escrito por Francisco está nas notas de rodapé. Entre as 172 citações há a presença de outrora persona non grata na Igreja, como o jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), que defendia a integração entre ciência e tecnologia. “É revolucionária a menção dele em uma encíclica”, diz Altemeyer Júnior.
Também são significativas as menções a conferências nacionais de bispos - no total, há referências a colegiados de 14 países: Brasil, México, Austrália, Paraguai, Bolívia, Argentina, Nova Zelândia, Portugal, África do Sul, Filipinas, Alemanha, Estados Unidos, Japão e República Dominicana. “Com isso, Francisco mostra que ele é só mais um bispo, que o Vaticano não está acima dos demais bispos e, principalmente, que ele está ouvindo o que pensam seus colegas religiosos”, analisa o teólogo. “O papa se coloca como irmão entre irmãos.”