Um país de dimensões continentais e uma enorme disparidade socioeconômica entre as suas regiões. O cenário se reflete sobre a saúde da população, com mais de 90% dos municípios da Região Norte figurando nos piores índices de acesso à saúde do Brasil, segundo levantamento feito em 2022 pela Fiocruz. Os impactos dessa desigualdade ficaram ainda mais evidentes durante a pandemia, mas eles se manifestam diariamente, inclusive nos efeitos das mudanças climáticas sobre a saúde das pessoas – que são maiores entre os grupos mais vulneráveis.
Diante dessa realidade, a discussão sobre ESG no Brasil não pode estar dissociada da busca por mais equidade em saúde. Um dos principais gargalos é o acesso. Enquanto no Sudeste, onde vivem 42% dos brasileiros, estão concentrados 52% dos médicos do País, nas Regiões Norte e Nordeste, que têm respectivamente 8,7% e 27% da população, estão apenas 4,6% e 19% dos médicos. A disparidade se agrava quando é analisada a oferta de médicos especialistas.
A demanda por soluções encontra na tecnologia uma importante aliada, seja para diminuir as distâncias entre médicos e pacientes, seja para mapear oportunidades de melhorias no sistema público por meio de dados e inteligência artificial (IA). “A busca pela equidade passa por olhar com atenção para aqueles que sofrem mais com a desigualdade de acesso, a falta de eficiência na gestão e o desperdício de recursos na saúde. E a tecnologia tem uma capacidade enorme para ajudar a responder a esses gargalos”, disse Sidney Klajner, presidente do Einstein, durante painel que discutiu o tema no Summit ESG 2023, realizado pelo Estadão.
Um projeto do Einstein em parceria com o Ministério da Saúde, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), por exemplo, conecta médicos de sete especialidades, como cardiologia, neurologia e endocrinologia, em São Paulo, a pacientes que estão sendo atendidos em unidades básicas de saúde (UBS) em Estados das Regiões Norte e Centro-Oeste. Mais de 67 mil pessoas já se consultaram nos 265 pontos ativos de teleatendimento desde o início do programa TeleAmes, em novembro de 2020.
Além de impulsionar o acesso a saúde de qualidade, a tecnologia também oferece a oportunidade de observar o sistema e identificar soluções que impactarão milhões de pacientes, com olhar para a prevenção. É o caso do projeto DMeter, do Einstein, apoiado pela AWS, que desenvolverá uma ferramenta para analisar, a partir de dados públicos dos pacientes do SUS e com a ajuda de IA, qual a influência dos determinantes sociais no tratamento de pacientes com diabetes tipo 2, que atinge 9,1% da população.
O algoritmo que será criado relacionará indicadores do DataSUS sobre a história clínica dos pacientes com suas informações socioeconômicas. Com isso, será possível avaliar e aprimorar políticas públicas relacionadas à prevenção e ao tratamento, passando por melhor orientação nutricional até acesso a medicamentos corretos. O mapeamento pode ajudar, inclusive, a aprimorar a gestão de recursos públicos. Os custos com diabetes no Brasil já superam R$ 10 bilhões, sendo R$ 7,5 bilhões para gastos indiretos com a doença, que incluem aposentadorias antecipadas, mortes prematuras e perda de produtividade.
Para Paulo Cunha, diretor-geral da AWS para o setor público no Brasil, o uso de dados é “transformador” na saúde e para o planejamento de políticas públicas por “permitir que se apliquem os recursos de forma mais equilibrada”. “A tecnologia ajuda a acelerar a busca pela equidade, pois, ao cruzar os dados com o uso da inteligência dos algoritmos, fornece respostas que identificam as causas e ajudam no melhor planejamento”, diz Cunha. A ideia é que o algoritmo desenvolvido pelo projeto DMeter depois possa ser utilizado em outros países.
Outro projeto de pesquisa do Einstein, o Observatório de Cirurgias analisa, a partir da combinação de inteligência artificial com inteligência clínica, procedimentos cirúrgicos no SUS em 12 especialidades para identificar gargalos, desperdícios e onde as técnicas cirúrgicas estão defasadas em relação ao resto do Brasil. O mapeamento inclui indicadores como o volume de cirurgias, valor dos reembolsos, mortalidade associada e o deslocamento dos pacientes, permitindo uma melhor gestão dos recursos – fundamental na equação por mais equidade.
Startups também têm tido um papel importante nessa busca por equidade, com o desenvolvimento de projetos que tornam, por exemplo, exames mais acessíveis e práticos. É o caso do retinógrafo portátil desenvolvido pela Phelcom, uma integrante do ecossistema da Eretz.bio, incubadora de startups do Einstein.
“Essa solução permite que exames oftalmológicos sejam realizados de forma mais conveniente e acessível, especialmente em locais onde o acesso a equipamentos mais tradicionais é limitado”, afirma o CEO da Phelcom, José Augusto Stuchi. O retinógrafo portátil pode custar até 15% do valor de um aparelho comum, e serve para identificar degenerações da retina que podem levar à cegueira irreversível – um problema que pode ser evitado, especialmente em grupos de maior vulnerabilidade social, com prevenção e acompanhamento.