A polêmica causada pelas falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a Guerra na Ucrânia não deve atrapalhar o Brasil nas discussões climáticas, avalia o ex-embaixador Rubens Barbosa. A expectativa é de que o País ganhe nos próximos anos mais protagonismo nesta área, diante da presença da Floresta Amazônica em nosso território e nosso potencial na área de bioeconomia. O presidente americano Joe Biden anunciou nesta quinta-feira, 20, repasse de R$ 2,5 bilhões para o fundo de proteção da floresta – valor dez vezes mais alto do que o originalmente previsto.
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“Não somos potência militar ou de defesa. Acredito que não temos como avançar numa proposta de paz, não temos força para fazer isso”, diz Barbosa, que foi embaixador em Londres e Washington. “Mas o Brasil tem força e é uma potência global em três áreas: política ambiental, política alimentar e energia renovável. E essa ação dos Estados Unidos mostra, na verdade, que o Brasil é muito importante, é uma potência. A questão da Amazônia é central para todos os países”, acrescenta.
O anúncio do repasse pela Casa Branca foi feito nesta quinta no Major Economies Forum on Energy and Climate, evento convocado por Biden que reuniu as 26 maiores economias do mundo. Lula quis aproveitar o evento climático para reduzir o mal-estar com Washington. Neste mês, o petista declarou durante viagem à China e aos Emirados Árabes Unidos que as potências ocidentais contribuem para a continuidade da guerra da Rússia contra a Ucrânia, ao fornecer armas para a defesa militar de Kiev.
Para Barbosa, as visitas do enviado especial para o Clima, John Kerry, ao Brasil abriram espaço para que esse anúncio dos Estados Unidos fosse feito de maneira bilateral, como forma de aumentar o entrosamento entre o Planalto e a Casa Branca.
.“O Brasil tem de ampliar a cooperação com todos os países. O Fundo Amazônia é o principal instrumento que temos para combater o desmatamento, o garimpo ilegal e proteger as comunidades indígenas”, diz Barbosa. “Foram declarações isoladas do presidente, o que interessa em questão de posicionamento são os documentos que o governo brasileiro assina.”
Barbosa chama atenção para o fato de que, embora as recentes declarações de Lula tenham sido interpretadas como uma mudança de posicionamento na política externa, não há evidência de que o Brasil esteja abandonando a posição de equidistância tanto no conflito entre Rússia e Ucrânia, quanto na dualidade entre China e Estados Unidos. “Foram declarações isoladas do presidente, o que interessa em questão de posicionamento são os documentos que o governo brasileiro assina.”
O ajuste às suas falas começou a ser feito ainda no encontro com o presidente da Romênia, nesta semana. No encontro, que ocorreu na terça-feira, 18, Klaus Werner Iohannis, ao lado de Lula, afirmou que os países têm o dever de apoiar a Ucrânia na guerra contra a Rússia. A própria presença de Lula no evento convocado por Biden foi encarada como uma estratégia para fazer um aceno ao Ocidente e levantar bandeira branca aos EUA.
Em discurso proferido no evento, Lula chamou a atenção para a necessidade de se retomar a confiança entre os países e reforçou a necessidade de as nações mais ricas financiarem as medidas para frear as mudanças climáticas. “Desde a Convenção do Clima, em 1992, no Rio de Janeiro, a confiança entre os atores envolvidos tem declinado. Desde que o compromisso foi assumido, em 2009, o financiamento climático oferecido pelos países desenvolvidos mantém-se aquém da promessa de US$ 100 bilhões por ano”, disse Lula, segundo o texto discurso divulgado pelo Planalto. As falas dos líderes não foram transmitidas.
O chamado do presidente, porém, não deve ser encarado como uma cobrança aos países, segundo Barbosa, e também não deve prejudicar a pauta ambiental. " O Lula está lembrando os compromissos internacionais que existem nessa relação”, defende. Embora focado na pauta climática, o discurso de Lula não ignorou completamente a guerra entre Rússia e Ucrânia, afirmando que não “há sustentabilidade num mundo em guerra”.