Falta estrutura para conter eventos climáticos extremos e incêndios na Amazônia, diz especialista


Presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Marina Grossi analisa atuação da área ambiental do governo no primeiro ano de gestão

Por Paula Ferreira
Atualização:
Foto: Divulgação
Entrevista comMarina GrossiEconomista e especialista em sustentabilidade

Uma das áreas mais críticas no País nos últimos anos, o Ministério do Meio Ambiente voltou a caminhar rumo a uma política ambiental eficiente, mas ainda precisa lidar com incongruências dentro do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em entrevista ao Estadão, a economista e especialista em sustentabilidade, Marina Grossi, afirma que após colher bons índices de redução do desmatamento na Amazônia, a ministra Marina Silva terá a missão de, no próximo ano, avançar nos planos setoriais de adaptação climática, no desenvolvimento de políticas de incentivo à bioeconomia, e melhorar a articulação e governança com outras pastas do governo.

Sob comando de Marina Silva, segundo dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento na Amazônia caiu cerca de 49,7% de janeiro a novembro, em comparação com o mesmo período do ano passado. Levando em contra os dados do Prodes, também do Inpe, houve uma queda de 22% no desmatamento considerando agosto de 2022 (ainda sob a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro) a julho de 2023 (já sob o governo Lula).

Membro da Coalizão Brasil e presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Grossi afirma que o País ainda não está pronto para lidar com eventos climáticos extremos que serão “o novo normal”.

No último ano, o Brasil passou por enchentes no Sul do país e uma seca sem precedentes na Amazônia. O governo federal foi criticado pela falta de eficiência nas medidas de resposta à crise. Na ocasião, o Executivo foi cobrado pelo Ministério Público Federal acerca das medidas adotadas para conter a situação.

“Sem dúvida todas essas tragédias são tragédias anunciadas e só estão piorando. Acho que não estamos preparados, poucas são as cidades que têm isso incorporado”, diz.

A economista destaca ainda que o governo federal precisa atuar para reduzir a polarização em torno da agenda climática, que deve ser vista como uma pauta de Estado. “Não é uma pauta que deve ser usada de forma ideológica, ela é uma pauta que tem prerrogativas”, destaca.

Após enviar sinais contraditórios durante Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-28), que ocorreu neste mês em Dubai, por defender a redução de dependência dos combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, anunciar a entrada na Opep+ — grupo criado pela Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) —, o Executivo terá que fazer o dever de casa até a COP-30, em Belém.

Na COP-28, os países assinaram um acordo histórico que aborda a necessidade de uma transição rumo ao fim dos combustíveis fósseis, identificados pela ciência com os principais responsáveis pelo aquecimento global. Apesar do anúncio de ingresso na Opep+, o Brasil foi um dos países que defendeu um texto mais conundente em relação ao tema, mas argumentou que era preciso que as nações ricas liderassem o processo.

“A gente tem que ter uma política nacional de transição energética que mostre claramente onde a gente está e o que a gente vai utilizar de fonte de energia, para onde a gente está indo, qual vai ser nosso pico de emissão. Também é importante que a gente avance em políticas nacionais de bioeconomia e rastreabilidade”, indica Grossi.

Como avalia o primeiro ano de gestão no Ministério do Meio Ambiente?

O Brasil tem vantagens comparativas, uma matriz limpa, grande biodiversidade, é um país megadiverso, várias fontes de energia. Então, nós temos muitas vantagens comparativas, mas elas não se tornavam vantagens competitivas. Para as vantagens comparativas virarem vantagens competitivas era necessário que o País entendesse que isso era algo importante. As empresas já falavam isso, o setor produtivo já falava isso há muito tempo. Era preciso também o desmatamento ser reconhecido como algo a ser combatido.

Ter um governo que coloca como bandeira a sustentabilidade, coloca o plano de Transformação Ecológica como algo que deve ser a representação do país para essa questão, é muito bom porque ganhamos a chance de transformar isso em vantagens competitivas para esse mundo de uma geopolítica que, na verdade, não tem ideologia.

Vemos a China correndo atrás, os Estados Unidos correndo atrás, a Europa. Em qualquer país de qualquer matiz ideológico essa é uma agenda de Estado. Essa é a nova geopolítica, esse é o novo padrão de produção e consumo. O mundo está saindo de combustível fóssil para ir para fontes alternativas. O combustível fóssil deu poder nessa geopolítica para muitos atores e agora temos que fazer a diminuição gradual da dependência deles, que sempre foi o nosso modelo de desenvolvimento.

Qual a importância de ter uma abordagem transversal dessa questão?

É altamente positivo o governo olhar de forma transversal a sustentabilidade. O Ministério do Meio Ambiente é apenas um dos ministérios que estão vinculados à questão da sustentabilidade, da mudança climática. Essa pauta tem um plano de Transformação Ecológica capitaneado pelo Ministério da Fazenda. Colocou-se no ministério onde tradicionalmente se discute finanças para que ele seja um maestro. Vemos muito o ministro Fernando Haddad com a ministra Marina Silva, falando com a mesma linguagem. Em geral as linguagens eram diferentes.

Acho que todos esses anúncios são muito positivos. Vemos o desmatamento ilegal baixar na Amazônia, que é a nossa principal vitrine. O Brasil está mostrando que está entendendo que isso é importante.

O País entrou coeso na COP-28, mostrando que o Brasil vê isso como uma importante questão e que tem oportunidades para oferecer. O mercado de carbono saiu da Câmara e tem várias críticas , mas é uma bandeira que andou.

O grande desafio é a questão da governança de tudo que foi anunciado. É uma governança complexa. Há vários ministérios opinando sobre tudo isso. A questão de uma maior transparência, pegar as melhores práticas, adotar essa escuta. Isso tem que estar baseado numa responsabilidade fiscal.

O desafio continua sendo tirar essa pauta da polarização. Essa pauta não é de governo, a pauta da sustentabilidade e da mudança do clima é de Estado. É uma pauta que por natureza atrai consenso, porque pode unir todas as forças de mercado, financeiras, do setor privado, da sociedade. Pode gerar emprego, renda. E ainda vemos essa pauta bastante polarizada. Isso é um desafio que esse governo tem que superar.

Você mencionou a polarização. A ministra Marina Silva ainda enfrenta muita resistência por parte do agronegócio, do setor produtivo. Falta habilidade por parte dela para estabelecer essa ponte?

Cada ministério tem no seu DNA principais problemas. No Ministério do Meio Ambiente, o grande feito foi o desmatamento ilegal ter diminuído na Amazônia. Para o País, isso tem uma uma importância gigantesca. Ela também sugeriu que o plano Safra fosse esverdeado. Vejo muito a Marina com o Haddad em vários eventos, os dois estão juntos apoiando um ao outro, então acho que a mensagem é a seguinte: podemos ter discordância, mas a gente está afinado. Isso é uma agenda que passa pela economia, por uma transformação grande, inclusive de agentes econômicos. Quanto mais tiver transparência e, de forma organizada, deixar que todas as forças sejam ouvidas, acho que se obtém a convergência possível. Mas ainda vejo um discurso raso.

Pode exemplificar?

A própria história de vai para a Opep (Organização dos Países Produtores de Petróleo), não vai para a Opep mostra que a discussão ainda não é uma discussão. Como é que a gente aproveita da melhor forma todas as nossas fontes de energia? O que a gente quer com o uso do petróleo? Qual é o pico do petróleo no Brasil? Qual é a transição energética que a gente está querendo?

Não é só o Brasil. No mundo inteiro falta um plano de ação mais ambicioso, mas o Brasil tem condições únicas para falar sobre esse plano de ação mais ambicioso, porque as nossas oportunidades são muito maiores do que os nossos desafios. Nosso grande desafio interno é mais político, mais de organizar os diversos segmentos da sociedade embaixo de um plano de ação. Se a gente ficar só no curto prazo, se a gente não fizer uma programação pra frente, (não vamos avançar). A gente aumentou a ambição da nossa NDC (contribuição nacionalmente determinada), que é a nossa contribuição para o Acordo de Paris, o compromisso de redução de emissão. Mas qual é o plano setorial para isso? Qual é a governança que a gente vai adotar?

O nosso crédito de carbono de alguma maneira vai valorizar a biodiversidade que a gente tem? Por mais que a gente tenha comando e controle na questão do desmatamento ilegal, tem que valorizar a floresta em pé. Há vários pontos como o Fundo Amazônia que esse governo voltou a colocar de pé que são pontos importantes. Vemos que há a percepção de que é preciso colocar valor na floresta em pé.

Não basta o Estado agir para reprimir o desmatamento, eu tenho que criar alternativa para a sociedade que lá está. A gente tem que estar embutindo isso na valorização do nosso crédito de carbono, nos nossos produtos, nos nossos serviços. Existe uma briga interna que a gente tem que fazer, e uma questão externa que a gente tem que fazer também para mostrar que somos parceiros confiáveis, que temos previsibilidade.

O Brasil foi criticado por enviar sinais contraditórios durante a COP-28. Ao mesmo tempo que trouxe queda nos índices de desmatamento, anunciou entrada na Opep+. Isso atrapalha a ambição do País de liderar a agenda ambiental?

Acho que a repercussão foi maior dentro do país do que fora. Mas eu acho que mostra uma desarticulação, porque independentemente do mérito central, o Brasil é o nono produtor de petróleo do mundo então não é estranho que ele possa estar na Opep, mas a questão é uma discussão que precisa ter. Qual é o nosso papel na Opep? A gente vai para lá com que bandeira?

Lula discursa em evento da COP-28, no início do mês em Dubai Foto: Giuseppe Cacace/AFP

Além de ter isso claro para a sociedade toda, o que teria evitado todo ruído que teve aqui dentro do Brasil, eu acho que o timing disso estava errado. Como é que você vai anunciar isso na COP, quando o governo está anunciando o plano de Transformação Ecológica e outras medidas? Acho que mostra uma desarticulação.

Vimos que houve uma redução expressiva do desmatamento na Amazônia, mas a destruição no Cerrado segue em alta. O governo lançou recentemente o PPCerrado, considera que as medidas incluídas no plano são suficientes? Como o governo deve responder a esse desafio?

Está longe de estar resolvida a Amazônia, inclusive o desmatamento lá está ligado com a criminalidade e é um grande desafio, mas o desmatamento no Cerrado é inclusive o desmatamento legal. É preciso implementar o Código Florestal, construir alternativas econômicas para essa questão. A questão de finanças tem um papel crucial. Como é que destrava alguns mecanismos financeiros? Todos eles são muito burocráticos. Acho que o desafio é como ganhar agilidade, com transparência e usando instrumentos inovadores. Dividindo um pouquinho o que é de curto prazo, o que é de de médio prazo, e o que é de longo prazo.

Esse ano tivemos uma seca histórica na Amazônia e o governo federal patinou no combate. Estamos despreparados para enfrentar eventos climáticos extremos?

Estamos despreparados. A gente já vive questões de adaptação que são emergenciais. Vejo a possibilidade de uma série de mecanismos inovadores que a gente pode estar avançando, mas é onde a gente ainda não está preparado. As empresas já estão começando a contar no seu mapa de riscos essa questão.

Seca esvaziou rios na bacia amazônica. Imagem mostra impacto em cidade do Amazonas no fim de outubro Foto: Bruno Kelly/Reuters - 26/10/2023

Esses eventos climáticos extremos são o novo normal. Eu vejo muita vontade de prefeitos e governadores, então acho que é preciso ter um pouquinho mais de união, por meio de organizações que juntam as cidades para fazer os seus planos de adaptação e conversar com o setor privado para avançar nisso. Sem dúvida todas essas tragédias são tragédias anunciadas e só estão piorando. Acho que não estamos preparados, poucas são as cidades que têm isso incorporado.

Falta liderança do governo federal no sentido de orientar essas cidades a construírem esses planos?

O que o governo pode fazer é orientar, o BNDES facilitar algumas linhas direcionadas para isso. Eu acho que, sim, cabe avanços nessa área, mas vejo que a percepção de que não estamos preparados e temos que avançar é uma preocupação no Ministério do Meio Ambiente. A adaptação precisa acontecer e eles estão buscando correr atrás. O que pode ser feito na área de seguros? Na área de construção, na área urbanística? Vemos no país um crescimento de forma absolutamente desordenada. Há algumas coisas que é preciso mudar. O governo tem sem dúvida nenhuma um poder importante.

Atualmente temos uma média de um servidor que atua no combate a incêndios para uma área do tamanho de 13 mil campos de futebol. Como garantir a proteção dos biomas nessas condições? O que deve ser feito?

Tem que mudar essa condição. Tem que estruturar esses órgãos todos. Tanto no lado de pesquisa quanto de comando e controle todos eles têm que estar revigorados. (Esse dado) mostra que não estamos preparados, temos que avançar nisso. Por isso eu acho que apontar qual a direção e de que maneira será feito é importante.

No caso da Amazônia tem sido quase heróico o trabalho que eles fizeram, mas não podemos estar baseados no heroísmo para continuar, você tem que estar baseado num negócio que pare em pé, que valorize a floresta, que dê alternativas para as pessoas não desmatarem mais, alternativa econômica para isso. São trabalhos que começam a ser feitos e que precisam ser escalonados.

Como o Brasil pode buscar recursos para fazer essa estruturação? No caso do Fundo Amazônia, por exemplo, tivemos muitas promessas de doações que ainda não chegaram.

Uma das questões é ter previsibilidade, mostrar que tem um ambiente seguro de investimento. Rastreabilidade é importante para isso: mostrar que o produto que estou oferecendo vai ser rastreado, está livre de desmatamento, livre de trabalho escravo, reduz emissão, tem componentes de biodiversidade. Para rastreabilidade avançar, uma das coisas que pode ter pra acelerar no curto prazo é o Cadastro Ambiental Rural junto com a Guia de Trânsito Animal. Se você tem essas duas coisas juntas, você pode avançar muito rápido no curto prazo.

São algumas questões que dá para ir garantindo para que qualquer projeto que venha investimento de fora possa ser atestado, verificado, monitorado e comprovado que tem credibilidade.

Temos um grande desafio para COP-30, em Belém, a gente vai ter muito a pauta da transição energética, que foi citada no texto final dessa COP-28, e de soluções baseadas na natureza. Acho que o mundo inteiro está tentando buscar formas mais ágeis para, ao mesmo, tempo garantir a integralidade climática, mas ter agilidade. A gente tem os biocombustíveis para provar que nós sabemos fazer isso muito bem, e outras tantas áreas da bioeconomia que a gente tem, mas elas precisam de escala.

Teremos uma COP daqui a dois anos. O governo brasileiro está fazendo a lição de casa para ocupar a presidência dessa conferência? O que precisamos garantir até lá?

Tem um simbolismo muito grande a COP ser no Brasil e na Amazônia. As condições de logística de Belém são desafiadoras, mas eu acho que a gente tem dois anos para, pelo menos, mostrar bem o caminho do que a gente quer, o que a gente está fazendo e como a gente está fazendo. A gente tem uma pauta de exportação de produtos florestais que é baixíssima, mas a gente tem inteligência para melhorar isso. A questão toda é que a gente transforme isso em uma política pública. E que a gente consiga dar escala onde a gente ainda precisa, e ser mais agressivo onde a gente ainda não foi ouvido.

Internacionalmente escuta-se muito pouco sobre soluções baseadas na natureza e há muitas restrições. Há uma série de tentativas de crédito de carbono, por exemplo, que foram desacreditadas. O Brasil tem plenas condições de estar mostrando o melhor, o crédito de carbono premium. Já temos como mostrar isso. Esse ano de 2024, vai ser o ano da construção para chegar em 2025 com o dever de casa pronto.

O que precisamos ter entre as prioridades do Ministério do Meio Ambiente e de outras pastas em relação à pauta ambiental para o ano que vem?

A prioridade eu acho que é uma melhor governança climática, pagamento por serviços ambientais, o desmatamento ilegal. Acho que a questão financeira é um ponto importante, destravar finanças. Acho que o governo já começa a se mexer um pouco para isso. A implementação do Código Florestal, detalhamento sobre os planos setoriais, o mercado de carbono implementado e regulado de uma maneira que tenha uma construção que ouça a sociedade. A gente tem que ter uma política nacional de transição energética que mostre claramente onde a gente está e o que a gente vai utilizar de fonte de energia, para onde a gente está indo, qual vai ser nosso pico de emissão. Também é importante que a gente avance em políticas nacionais de bioeconomia e rastreabilidade.

Uma das áreas mais críticas no País nos últimos anos, o Ministério do Meio Ambiente voltou a caminhar rumo a uma política ambiental eficiente, mas ainda precisa lidar com incongruências dentro do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em entrevista ao Estadão, a economista e especialista em sustentabilidade, Marina Grossi, afirma que após colher bons índices de redução do desmatamento na Amazônia, a ministra Marina Silva terá a missão de, no próximo ano, avançar nos planos setoriais de adaptação climática, no desenvolvimento de políticas de incentivo à bioeconomia, e melhorar a articulação e governança com outras pastas do governo.

Sob comando de Marina Silva, segundo dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento na Amazônia caiu cerca de 49,7% de janeiro a novembro, em comparação com o mesmo período do ano passado. Levando em contra os dados do Prodes, também do Inpe, houve uma queda de 22% no desmatamento considerando agosto de 2022 (ainda sob a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro) a julho de 2023 (já sob o governo Lula).

Membro da Coalizão Brasil e presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Grossi afirma que o País ainda não está pronto para lidar com eventos climáticos extremos que serão “o novo normal”.

No último ano, o Brasil passou por enchentes no Sul do país e uma seca sem precedentes na Amazônia. O governo federal foi criticado pela falta de eficiência nas medidas de resposta à crise. Na ocasião, o Executivo foi cobrado pelo Ministério Público Federal acerca das medidas adotadas para conter a situação.

“Sem dúvida todas essas tragédias são tragédias anunciadas e só estão piorando. Acho que não estamos preparados, poucas são as cidades que têm isso incorporado”, diz.

A economista destaca ainda que o governo federal precisa atuar para reduzir a polarização em torno da agenda climática, que deve ser vista como uma pauta de Estado. “Não é uma pauta que deve ser usada de forma ideológica, ela é uma pauta que tem prerrogativas”, destaca.

Após enviar sinais contraditórios durante Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-28), que ocorreu neste mês em Dubai, por defender a redução de dependência dos combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, anunciar a entrada na Opep+ — grupo criado pela Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) —, o Executivo terá que fazer o dever de casa até a COP-30, em Belém.

Na COP-28, os países assinaram um acordo histórico que aborda a necessidade de uma transição rumo ao fim dos combustíveis fósseis, identificados pela ciência com os principais responsáveis pelo aquecimento global. Apesar do anúncio de ingresso na Opep+, o Brasil foi um dos países que defendeu um texto mais conundente em relação ao tema, mas argumentou que era preciso que as nações ricas liderassem o processo.

“A gente tem que ter uma política nacional de transição energética que mostre claramente onde a gente está e o que a gente vai utilizar de fonte de energia, para onde a gente está indo, qual vai ser nosso pico de emissão. Também é importante que a gente avance em políticas nacionais de bioeconomia e rastreabilidade”, indica Grossi.

Como avalia o primeiro ano de gestão no Ministério do Meio Ambiente?

O Brasil tem vantagens comparativas, uma matriz limpa, grande biodiversidade, é um país megadiverso, várias fontes de energia. Então, nós temos muitas vantagens comparativas, mas elas não se tornavam vantagens competitivas. Para as vantagens comparativas virarem vantagens competitivas era necessário que o País entendesse que isso era algo importante. As empresas já falavam isso, o setor produtivo já falava isso há muito tempo. Era preciso também o desmatamento ser reconhecido como algo a ser combatido.

Ter um governo que coloca como bandeira a sustentabilidade, coloca o plano de Transformação Ecológica como algo que deve ser a representação do país para essa questão, é muito bom porque ganhamos a chance de transformar isso em vantagens competitivas para esse mundo de uma geopolítica que, na verdade, não tem ideologia.

Vemos a China correndo atrás, os Estados Unidos correndo atrás, a Europa. Em qualquer país de qualquer matiz ideológico essa é uma agenda de Estado. Essa é a nova geopolítica, esse é o novo padrão de produção e consumo. O mundo está saindo de combustível fóssil para ir para fontes alternativas. O combustível fóssil deu poder nessa geopolítica para muitos atores e agora temos que fazer a diminuição gradual da dependência deles, que sempre foi o nosso modelo de desenvolvimento.

Qual a importância de ter uma abordagem transversal dessa questão?

É altamente positivo o governo olhar de forma transversal a sustentabilidade. O Ministério do Meio Ambiente é apenas um dos ministérios que estão vinculados à questão da sustentabilidade, da mudança climática. Essa pauta tem um plano de Transformação Ecológica capitaneado pelo Ministério da Fazenda. Colocou-se no ministério onde tradicionalmente se discute finanças para que ele seja um maestro. Vemos muito o ministro Fernando Haddad com a ministra Marina Silva, falando com a mesma linguagem. Em geral as linguagens eram diferentes.

Acho que todos esses anúncios são muito positivos. Vemos o desmatamento ilegal baixar na Amazônia, que é a nossa principal vitrine. O Brasil está mostrando que está entendendo que isso é importante.

O País entrou coeso na COP-28, mostrando que o Brasil vê isso como uma importante questão e que tem oportunidades para oferecer. O mercado de carbono saiu da Câmara e tem várias críticas , mas é uma bandeira que andou.

O grande desafio é a questão da governança de tudo que foi anunciado. É uma governança complexa. Há vários ministérios opinando sobre tudo isso. A questão de uma maior transparência, pegar as melhores práticas, adotar essa escuta. Isso tem que estar baseado numa responsabilidade fiscal.

O desafio continua sendo tirar essa pauta da polarização. Essa pauta não é de governo, a pauta da sustentabilidade e da mudança do clima é de Estado. É uma pauta que por natureza atrai consenso, porque pode unir todas as forças de mercado, financeiras, do setor privado, da sociedade. Pode gerar emprego, renda. E ainda vemos essa pauta bastante polarizada. Isso é um desafio que esse governo tem que superar.

Você mencionou a polarização. A ministra Marina Silva ainda enfrenta muita resistência por parte do agronegócio, do setor produtivo. Falta habilidade por parte dela para estabelecer essa ponte?

Cada ministério tem no seu DNA principais problemas. No Ministério do Meio Ambiente, o grande feito foi o desmatamento ilegal ter diminuído na Amazônia. Para o País, isso tem uma uma importância gigantesca. Ela também sugeriu que o plano Safra fosse esverdeado. Vejo muito a Marina com o Haddad em vários eventos, os dois estão juntos apoiando um ao outro, então acho que a mensagem é a seguinte: podemos ter discordância, mas a gente está afinado. Isso é uma agenda que passa pela economia, por uma transformação grande, inclusive de agentes econômicos. Quanto mais tiver transparência e, de forma organizada, deixar que todas as forças sejam ouvidas, acho que se obtém a convergência possível. Mas ainda vejo um discurso raso.

Pode exemplificar?

A própria história de vai para a Opep (Organização dos Países Produtores de Petróleo), não vai para a Opep mostra que a discussão ainda não é uma discussão. Como é que a gente aproveita da melhor forma todas as nossas fontes de energia? O que a gente quer com o uso do petróleo? Qual é o pico do petróleo no Brasil? Qual é a transição energética que a gente está querendo?

Não é só o Brasil. No mundo inteiro falta um plano de ação mais ambicioso, mas o Brasil tem condições únicas para falar sobre esse plano de ação mais ambicioso, porque as nossas oportunidades são muito maiores do que os nossos desafios. Nosso grande desafio interno é mais político, mais de organizar os diversos segmentos da sociedade embaixo de um plano de ação. Se a gente ficar só no curto prazo, se a gente não fizer uma programação pra frente, (não vamos avançar). A gente aumentou a ambição da nossa NDC (contribuição nacionalmente determinada), que é a nossa contribuição para o Acordo de Paris, o compromisso de redução de emissão. Mas qual é o plano setorial para isso? Qual é a governança que a gente vai adotar?

O nosso crédito de carbono de alguma maneira vai valorizar a biodiversidade que a gente tem? Por mais que a gente tenha comando e controle na questão do desmatamento ilegal, tem que valorizar a floresta em pé. Há vários pontos como o Fundo Amazônia que esse governo voltou a colocar de pé que são pontos importantes. Vemos que há a percepção de que é preciso colocar valor na floresta em pé.

Não basta o Estado agir para reprimir o desmatamento, eu tenho que criar alternativa para a sociedade que lá está. A gente tem que estar embutindo isso na valorização do nosso crédito de carbono, nos nossos produtos, nos nossos serviços. Existe uma briga interna que a gente tem que fazer, e uma questão externa que a gente tem que fazer também para mostrar que somos parceiros confiáveis, que temos previsibilidade.

O Brasil foi criticado por enviar sinais contraditórios durante a COP-28. Ao mesmo tempo que trouxe queda nos índices de desmatamento, anunciou entrada na Opep+. Isso atrapalha a ambição do País de liderar a agenda ambiental?

Acho que a repercussão foi maior dentro do país do que fora. Mas eu acho que mostra uma desarticulação, porque independentemente do mérito central, o Brasil é o nono produtor de petróleo do mundo então não é estranho que ele possa estar na Opep, mas a questão é uma discussão que precisa ter. Qual é o nosso papel na Opep? A gente vai para lá com que bandeira?

Lula discursa em evento da COP-28, no início do mês em Dubai Foto: Giuseppe Cacace/AFP

Além de ter isso claro para a sociedade toda, o que teria evitado todo ruído que teve aqui dentro do Brasil, eu acho que o timing disso estava errado. Como é que você vai anunciar isso na COP, quando o governo está anunciando o plano de Transformação Ecológica e outras medidas? Acho que mostra uma desarticulação.

Vimos que houve uma redução expressiva do desmatamento na Amazônia, mas a destruição no Cerrado segue em alta. O governo lançou recentemente o PPCerrado, considera que as medidas incluídas no plano são suficientes? Como o governo deve responder a esse desafio?

Está longe de estar resolvida a Amazônia, inclusive o desmatamento lá está ligado com a criminalidade e é um grande desafio, mas o desmatamento no Cerrado é inclusive o desmatamento legal. É preciso implementar o Código Florestal, construir alternativas econômicas para essa questão. A questão de finanças tem um papel crucial. Como é que destrava alguns mecanismos financeiros? Todos eles são muito burocráticos. Acho que o desafio é como ganhar agilidade, com transparência e usando instrumentos inovadores. Dividindo um pouquinho o que é de curto prazo, o que é de de médio prazo, e o que é de longo prazo.

Esse ano tivemos uma seca histórica na Amazônia e o governo federal patinou no combate. Estamos despreparados para enfrentar eventos climáticos extremos?

Estamos despreparados. A gente já vive questões de adaptação que são emergenciais. Vejo a possibilidade de uma série de mecanismos inovadores que a gente pode estar avançando, mas é onde a gente ainda não está preparado. As empresas já estão começando a contar no seu mapa de riscos essa questão.

Seca esvaziou rios na bacia amazônica. Imagem mostra impacto em cidade do Amazonas no fim de outubro Foto: Bruno Kelly/Reuters - 26/10/2023

Esses eventos climáticos extremos são o novo normal. Eu vejo muita vontade de prefeitos e governadores, então acho que é preciso ter um pouquinho mais de união, por meio de organizações que juntam as cidades para fazer os seus planos de adaptação e conversar com o setor privado para avançar nisso. Sem dúvida todas essas tragédias são tragédias anunciadas e só estão piorando. Acho que não estamos preparados, poucas são as cidades que têm isso incorporado.

Falta liderança do governo federal no sentido de orientar essas cidades a construírem esses planos?

O que o governo pode fazer é orientar, o BNDES facilitar algumas linhas direcionadas para isso. Eu acho que, sim, cabe avanços nessa área, mas vejo que a percepção de que não estamos preparados e temos que avançar é uma preocupação no Ministério do Meio Ambiente. A adaptação precisa acontecer e eles estão buscando correr atrás. O que pode ser feito na área de seguros? Na área de construção, na área urbanística? Vemos no país um crescimento de forma absolutamente desordenada. Há algumas coisas que é preciso mudar. O governo tem sem dúvida nenhuma um poder importante.

Atualmente temos uma média de um servidor que atua no combate a incêndios para uma área do tamanho de 13 mil campos de futebol. Como garantir a proteção dos biomas nessas condições? O que deve ser feito?

Tem que mudar essa condição. Tem que estruturar esses órgãos todos. Tanto no lado de pesquisa quanto de comando e controle todos eles têm que estar revigorados. (Esse dado) mostra que não estamos preparados, temos que avançar nisso. Por isso eu acho que apontar qual a direção e de que maneira será feito é importante.

No caso da Amazônia tem sido quase heróico o trabalho que eles fizeram, mas não podemos estar baseados no heroísmo para continuar, você tem que estar baseado num negócio que pare em pé, que valorize a floresta, que dê alternativas para as pessoas não desmatarem mais, alternativa econômica para isso. São trabalhos que começam a ser feitos e que precisam ser escalonados.

Como o Brasil pode buscar recursos para fazer essa estruturação? No caso do Fundo Amazônia, por exemplo, tivemos muitas promessas de doações que ainda não chegaram.

Uma das questões é ter previsibilidade, mostrar que tem um ambiente seguro de investimento. Rastreabilidade é importante para isso: mostrar que o produto que estou oferecendo vai ser rastreado, está livre de desmatamento, livre de trabalho escravo, reduz emissão, tem componentes de biodiversidade. Para rastreabilidade avançar, uma das coisas que pode ter pra acelerar no curto prazo é o Cadastro Ambiental Rural junto com a Guia de Trânsito Animal. Se você tem essas duas coisas juntas, você pode avançar muito rápido no curto prazo.

São algumas questões que dá para ir garantindo para que qualquer projeto que venha investimento de fora possa ser atestado, verificado, monitorado e comprovado que tem credibilidade.

Temos um grande desafio para COP-30, em Belém, a gente vai ter muito a pauta da transição energética, que foi citada no texto final dessa COP-28, e de soluções baseadas na natureza. Acho que o mundo inteiro está tentando buscar formas mais ágeis para, ao mesmo, tempo garantir a integralidade climática, mas ter agilidade. A gente tem os biocombustíveis para provar que nós sabemos fazer isso muito bem, e outras tantas áreas da bioeconomia que a gente tem, mas elas precisam de escala.

Teremos uma COP daqui a dois anos. O governo brasileiro está fazendo a lição de casa para ocupar a presidência dessa conferência? O que precisamos garantir até lá?

Tem um simbolismo muito grande a COP ser no Brasil e na Amazônia. As condições de logística de Belém são desafiadoras, mas eu acho que a gente tem dois anos para, pelo menos, mostrar bem o caminho do que a gente quer, o que a gente está fazendo e como a gente está fazendo. A gente tem uma pauta de exportação de produtos florestais que é baixíssima, mas a gente tem inteligência para melhorar isso. A questão toda é que a gente transforme isso em uma política pública. E que a gente consiga dar escala onde a gente ainda precisa, e ser mais agressivo onde a gente ainda não foi ouvido.

Internacionalmente escuta-se muito pouco sobre soluções baseadas na natureza e há muitas restrições. Há uma série de tentativas de crédito de carbono, por exemplo, que foram desacreditadas. O Brasil tem plenas condições de estar mostrando o melhor, o crédito de carbono premium. Já temos como mostrar isso. Esse ano de 2024, vai ser o ano da construção para chegar em 2025 com o dever de casa pronto.

O que precisamos ter entre as prioridades do Ministério do Meio Ambiente e de outras pastas em relação à pauta ambiental para o ano que vem?

A prioridade eu acho que é uma melhor governança climática, pagamento por serviços ambientais, o desmatamento ilegal. Acho que a questão financeira é um ponto importante, destravar finanças. Acho que o governo já começa a se mexer um pouco para isso. A implementação do Código Florestal, detalhamento sobre os planos setoriais, o mercado de carbono implementado e regulado de uma maneira que tenha uma construção que ouça a sociedade. A gente tem que ter uma política nacional de transição energética que mostre claramente onde a gente está e o que a gente vai utilizar de fonte de energia, para onde a gente está indo, qual vai ser nosso pico de emissão. Também é importante que a gente avance em políticas nacionais de bioeconomia e rastreabilidade.

Uma das áreas mais críticas no País nos últimos anos, o Ministério do Meio Ambiente voltou a caminhar rumo a uma política ambiental eficiente, mas ainda precisa lidar com incongruências dentro do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em entrevista ao Estadão, a economista e especialista em sustentabilidade, Marina Grossi, afirma que após colher bons índices de redução do desmatamento na Amazônia, a ministra Marina Silva terá a missão de, no próximo ano, avançar nos planos setoriais de adaptação climática, no desenvolvimento de políticas de incentivo à bioeconomia, e melhorar a articulação e governança com outras pastas do governo.

Sob comando de Marina Silva, segundo dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento na Amazônia caiu cerca de 49,7% de janeiro a novembro, em comparação com o mesmo período do ano passado. Levando em contra os dados do Prodes, também do Inpe, houve uma queda de 22% no desmatamento considerando agosto de 2022 (ainda sob a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro) a julho de 2023 (já sob o governo Lula).

Membro da Coalizão Brasil e presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Grossi afirma que o País ainda não está pronto para lidar com eventos climáticos extremos que serão “o novo normal”.

No último ano, o Brasil passou por enchentes no Sul do país e uma seca sem precedentes na Amazônia. O governo federal foi criticado pela falta de eficiência nas medidas de resposta à crise. Na ocasião, o Executivo foi cobrado pelo Ministério Público Federal acerca das medidas adotadas para conter a situação.

“Sem dúvida todas essas tragédias são tragédias anunciadas e só estão piorando. Acho que não estamos preparados, poucas são as cidades que têm isso incorporado”, diz.

A economista destaca ainda que o governo federal precisa atuar para reduzir a polarização em torno da agenda climática, que deve ser vista como uma pauta de Estado. “Não é uma pauta que deve ser usada de forma ideológica, ela é uma pauta que tem prerrogativas”, destaca.

Após enviar sinais contraditórios durante Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-28), que ocorreu neste mês em Dubai, por defender a redução de dependência dos combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, anunciar a entrada na Opep+ — grupo criado pela Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) —, o Executivo terá que fazer o dever de casa até a COP-30, em Belém.

Na COP-28, os países assinaram um acordo histórico que aborda a necessidade de uma transição rumo ao fim dos combustíveis fósseis, identificados pela ciência com os principais responsáveis pelo aquecimento global. Apesar do anúncio de ingresso na Opep+, o Brasil foi um dos países que defendeu um texto mais conundente em relação ao tema, mas argumentou que era preciso que as nações ricas liderassem o processo.

“A gente tem que ter uma política nacional de transição energética que mostre claramente onde a gente está e o que a gente vai utilizar de fonte de energia, para onde a gente está indo, qual vai ser nosso pico de emissão. Também é importante que a gente avance em políticas nacionais de bioeconomia e rastreabilidade”, indica Grossi.

Como avalia o primeiro ano de gestão no Ministério do Meio Ambiente?

O Brasil tem vantagens comparativas, uma matriz limpa, grande biodiversidade, é um país megadiverso, várias fontes de energia. Então, nós temos muitas vantagens comparativas, mas elas não se tornavam vantagens competitivas. Para as vantagens comparativas virarem vantagens competitivas era necessário que o País entendesse que isso era algo importante. As empresas já falavam isso, o setor produtivo já falava isso há muito tempo. Era preciso também o desmatamento ser reconhecido como algo a ser combatido.

Ter um governo que coloca como bandeira a sustentabilidade, coloca o plano de Transformação Ecológica como algo que deve ser a representação do país para essa questão, é muito bom porque ganhamos a chance de transformar isso em vantagens competitivas para esse mundo de uma geopolítica que, na verdade, não tem ideologia.

Vemos a China correndo atrás, os Estados Unidos correndo atrás, a Europa. Em qualquer país de qualquer matiz ideológico essa é uma agenda de Estado. Essa é a nova geopolítica, esse é o novo padrão de produção e consumo. O mundo está saindo de combustível fóssil para ir para fontes alternativas. O combustível fóssil deu poder nessa geopolítica para muitos atores e agora temos que fazer a diminuição gradual da dependência deles, que sempre foi o nosso modelo de desenvolvimento.

Qual a importância de ter uma abordagem transversal dessa questão?

É altamente positivo o governo olhar de forma transversal a sustentabilidade. O Ministério do Meio Ambiente é apenas um dos ministérios que estão vinculados à questão da sustentabilidade, da mudança climática. Essa pauta tem um plano de Transformação Ecológica capitaneado pelo Ministério da Fazenda. Colocou-se no ministério onde tradicionalmente se discute finanças para que ele seja um maestro. Vemos muito o ministro Fernando Haddad com a ministra Marina Silva, falando com a mesma linguagem. Em geral as linguagens eram diferentes.

Acho que todos esses anúncios são muito positivos. Vemos o desmatamento ilegal baixar na Amazônia, que é a nossa principal vitrine. O Brasil está mostrando que está entendendo que isso é importante.

O País entrou coeso na COP-28, mostrando que o Brasil vê isso como uma importante questão e que tem oportunidades para oferecer. O mercado de carbono saiu da Câmara e tem várias críticas , mas é uma bandeira que andou.

O grande desafio é a questão da governança de tudo que foi anunciado. É uma governança complexa. Há vários ministérios opinando sobre tudo isso. A questão de uma maior transparência, pegar as melhores práticas, adotar essa escuta. Isso tem que estar baseado numa responsabilidade fiscal.

O desafio continua sendo tirar essa pauta da polarização. Essa pauta não é de governo, a pauta da sustentabilidade e da mudança do clima é de Estado. É uma pauta que por natureza atrai consenso, porque pode unir todas as forças de mercado, financeiras, do setor privado, da sociedade. Pode gerar emprego, renda. E ainda vemos essa pauta bastante polarizada. Isso é um desafio que esse governo tem que superar.

Você mencionou a polarização. A ministra Marina Silva ainda enfrenta muita resistência por parte do agronegócio, do setor produtivo. Falta habilidade por parte dela para estabelecer essa ponte?

Cada ministério tem no seu DNA principais problemas. No Ministério do Meio Ambiente, o grande feito foi o desmatamento ilegal ter diminuído na Amazônia. Para o País, isso tem uma uma importância gigantesca. Ela também sugeriu que o plano Safra fosse esverdeado. Vejo muito a Marina com o Haddad em vários eventos, os dois estão juntos apoiando um ao outro, então acho que a mensagem é a seguinte: podemos ter discordância, mas a gente está afinado. Isso é uma agenda que passa pela economia, por uma transformação grande, inclusive de agentes econômicos. Quanto mais tiver transparência e, de forma organizada, deixar que todas as forças sejam ouvidas, acho que se obtém a convergência possível. Mas ainda vejo um discurso raso.

Pode exemplificar?

A própria história de vai para a Opep (Organização dos Países Produtores de Petróleo), não vai para a Opep mostra que a discussão ainda não é uma discussão. Como é que a gente aproveita da melhor forma todas as nossas fontes de energia? O que a gente quer com o uso do petróleo? Qual é o pico do petróleo no Brasil? Qual é a transição energética que a gente está querendo?

Não é só o Brasil. No mundo inteiro falta um plano de ação mais ambicioso, mas o Brasil tem condições únicas para falar sobre esse plano de ação mais ambicioso, porque as nossas oportunidades são muito maiores do que os nossos desafios. Nosso grande desafio interno é mais político, mais de organizar os diversos segmentos da sociedade embaixo de um plano de ação. Se a gente ficar só no curto prazo, se a gente não fizer uma programação pra frente, (não vamos avançar). A gente aumentou a ambição da nossa NDC (contribuição nacionalmente determinada), que é a nossa contribuição para o Acordo de Paris, o compromisso de redução de emissão. Mas qual é o plano setorial para isso? Qual é a governança que a gente vai adotar?

O nosso crédito de carbono de alguma maneira vai valorizar a biodiversidade que a gente tem? Por mais que a gente tenha comando e controle na questão do desmatamento ilegal, tem que valorizar a floresta em pé. Há vários pontos como o Fundo Amazônia que esse governo voltou a colocar de pé que são pontos importantes. Vemos que há a percepção de que é preciso colocar valor na floresta em pé.

Não basta o Estado agir para reprimir o desmatamento, eu tenho que criar alternativa para a sociedade que lá está. A gente tem que estar embutindo isso na valorização do nosso crédito de carbono, nos nossos produtos, nos nossos serviços. Existe uma briga interna que a gente tem que fazer, e uma questão externa que a gente tem que fazer também para mostrar que somos parceiros confiáveis, que temos previsibilidade.

O Brasil foi criticado por enviar sinais contraditórios durante a COP-28. Ao mesmo tempo que trouxe queda nos índices de desmatamento, anunciou entrada na Opep+. Isso atrapalha a ambição do País de liderar a agenda ambiental?

Acho que a repercussão foi maior dentro do país do que fora. Mas eu acho que mostra uma desarticulação, porque independentemente do mérito central, o Brasil é o nono produtor de petróleo do mundo então não é estranho que ele possa estar na Opep, mas a questão é uma discussão que precisa ter. Qual é o nosso papel na Opep? A gente vai para lá com que bandeira?

Lula discursa em evento da COP-28, no início do mês em Dubai Foto: Giuseppe Cacace/AFP

Além de ter isso claro para a sociedade toda, o que teria evitado todo ruído que teve aqui dentro do Brasil, eu acho que o timing disso estava errado. Como é que você vai anunciar isso na COP, quando o governo está anunciando o plano de Transformação Ecológica e outras medidas? Acho que mostra uma desarticulação.

Vimos que houve uma redução expressiva do desmatamento na Amazônia, mas a destruição no Cerrado segue em alta. O governo lançou recentemente o PPCerrado, considera que as medidas incluídas no plano são suficientes? Como o governo deve responder a esse desafio?

Está longe de estar resolvida a Amazônia, inclusive o desmatamento lá está ligado com a criminalidade e é um grande desafio, mas o desmatamento no Cerrado é inclusive o desmatamento legal. É preciso implementar o Código Florestal, construir alternativas econômicas para essa questão. A questão de finanças tem um papel crucial. Como é que destrava alguns mecanismos financeiros? Todos eles são muito burocráticos. Acho que o desafio é como ganhar agilidade, com transparência e usando instrumentos inovadores. Dividindo um pouquinho o que é de curto prazo, o que é de de médio prazo, e o que é de longo prazo.

Esse ano tivemos uma seca histórica na Amazônia e o governo federal patinou no combate. Estamos despreparados para enfrentar eventos climáticos extremos?

Estamos despreparados. A gente já vive questões de adaptação que são emergenciais. Vejo a possibilidade de uma série de mecanismos inovadores que a gente pode estar avançando, mas é onde a gente ainda não está preparado. As empresas já estão começando a contar no seu mapa de riscos essa questão.

Seca esvaziou rios na bacia amazônica. Imagem mostra impacto em cidade do Amazonas no fim de outubro Foto: Bruno Kelly/Reuters - 26/10/2023

Esses eventos climáticos extremos são o novo normal. Eu vejo muita vontade de prefeitos e governadores, então acho que é preciso ter um pouquinho mais de união, por meio de organizações que juntam as cidades para fazer os seus planos de adaptação e conversar com o setor privado para avançar nisso. Sem dúvida todas essas tragédias são tragédias anunciadas e só estão piorando. Acho que não estamos preparados, poucas são as cidades que têm isso incorporado.

Falta liderança do governo federal no sentido de orientar essas cidades a construírem esses planos?

O que o governo pode fazer é orientar, o BNDES facilitar algumas linhas direcionadas para isso. Eu acho que, sim, cabe avanços nessa área, mas vejo que a percepção de que não estamos preparados e temos que avançar é uma preocupação no Ministério do Meio Ambiente. A adaptação precisa acontecer e eles estão buscando correr atrás. O que pode ser feito na área de seguros? Na área de construção, na área urbanística? Vemos no país um crescimento de forma absolutamente desordenada. Há algumas coisas que é preciso mudar. O governo tem sem dúvida nenhuma um poder importante.

Atualmente temos uma média de um servidor que atua no combate a incêndios para uma área do tamanho de 13 mil campos de futebol. Como garantir a proteção dos biomas nessas condições? O que deve ser feito?

Tem que mudar essa condição. Tem que estruturar esses órgãos todos. Tanto no lado de pesquisa quanto de comando e controle todos eles têm que estar revigorados. (Esse dado) mostra que não estamos preparados, temos que avançar nisso. Por isso eu acho que apontar qual a direção e de que maneira será feito é importante.

No caso da Amazônia tem sido quase heróico o trabalho que eles fizeram, mas não podemos estar baseados no heroísmo para continuar, você tem que estar baseado num negócio que pare em pé, que valorize a floresta, que dê alternativas para as pessoas não desmatarem mais, alternativa econômica para isso. São trabalhos que começam a ser feitos e que precisam ser escalonados.

Como o Brasil pode buscar recursos para fazer essa estruturação? No caso do Fundo Amazônia, por exemplo, tivemos muitas promessas de doações que ainda não chegaram.

Uma das questões é ter previsibilidade, mostrar que tem um ambiente seguro de investimento. Rastreabilidade é importante para isso: mostrar que o produto que estou oferecendo vai ser rastreado, está livre de desmatamento, livre de trabalho escravo, reduz emissão, tem componentes de biodiversidade. Para rastreabilidade avançar, uma das coisas que pode ter pra acelerar no curto prazo é o Cadastro Ambiental Rural junto com a Guia de Trânsito Animal. Se você tem essas duas coisas juntas, você pode avançar muito rápido no curto prazo.

São algumas questões que dá para ir garantindo para que qualquer projeto que venha investimento de fora possa ser atestado, verificado, monitorado e comprovado que tem credibilidade.

Temos um grande desafio para COP-30, em Belém, a gente vai ter muito a pauta da transição energética, que foi citada no texto final dessa COP-28, e de soluções baseadas na natureza. Acho que o mundo inteiro está tentando buscar formas mais ágeis para, ao mesmo, tempo garantir a integralidade climática, mas ter agilidade. A gente tem os biocombustíveis para provar que nós sabemos fazer isso muito bem, e outras tantas áreas da bioeconomia que a gente tem, mas elas precisam de escala.

Teremos uma COP daqui a dois anos. O governo brasileiro está fazendo a lição de casa para ocupar a presidência dessa conferência? O que precisamos garantir até lá?

Tem um simbolismo muito grande a COP ser no Brasil e na Amazônia. As condições de logística de Belém são desafiadoras, mas eu acho que a gente tem dois anos para, pelo menos, mostrar bem o caminho do que a gente quer, o que a gente está fazendo e como a gente está fazendo. A gente tem uma pauta de exportação de produtos florestais que é baixíssima, mas a gente tem inteligência para melhorar isso. A questão toda é que a gente transforme isso em uma política pública. E que a gente consiga dar escala onde a gente ainda precisa, e ser mais agressivo onde a gente ainda não foi ouvido.

Internacionalmente escuta-se muito pouco sobre soluções baseadas na natureza e há muitas restrições. Há uma série de tentativas de crédito de carbono, por exemplo, que foram desacreditadas. O Brasil tem plenas condições de estar mostrando o melhor, o crédito de carbono premium. Já temos como mostrar isso. Esse ano de 2024, vai ser o ano da construção para chegar em 2025 com o dever de casa pronto.

O que precisamos ter entre as prioridades do Ministério do Meio Ambiente e de outras pastas em relação à pauta ambiental para o ano que vem?

A prioridade eu acho que é uma melhor governança climática, pagamento por serviços ambientais, o desmatamento ilegal. Acho que a questão financeira é um ponto importante, destravar finanças. Acho que o governo já começa a se mexer um pouco para isso. A implementação do Código Florestal, detalhamento sobre os planos setoriais, o mercado de carbono implementado e regulado de uma maneira que tenha uma construção que ouça a sociedade. A gente tem que ter uma política nacional de transição energética que mostre claramente onde a gente está e o que a gente vai utilizar de fonte de energia, para onde a gente está indo, qual vai ser nosso pico de emissão. Também é importante que a gente avance em políticas nacionais de bioeconomia e rastreabilidade.

Entrevista por Paula Ferreira

Repórter de políticas públicas em Brasília, atua na cobertura de temas relacionados a Educação, Meio Ambiente, Saúde e Segurança. Graduada em jornalismo e mestre em comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi vencedora do Prêmio Esso 2015 na categoria "Educação". Trabalhou no jornal O Globo, SBT e Band.

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