“Salve o sariguê”, “não maltrate o sariguê”, “o sariguê é um bicho que ajuda você”. Essas são algumas das frases espalhadas em placas nos últimos anos pelo Instituto Brasileiro de Conservação da Natureza (Ibracon).
Sariguê, timbu ou gambá é um animal típico da fauna brasileira. Que, ao contrário do imaginário comum, não é um tipo de rato. É um marsupial, ou seja, parente de cangurus e coalas. E desempenha um papel importantíssimo na natureza, protegendo inclusive seres humanos de cobras, escorpiões, carrapatos transmissores de febre maculosa e vários outros bichos considerados perigosos.
“Além disso, são grandes dispersores de sementes e polinizam algumas espécies. Ao predar pequenos animais fazem um controle populacional que mantém os ecossistemas em equilíbrio e, no caso das cidades, nos livra de animais que representam problemas de saúde”, afirma o ambientalista José Truda Palazzo Júnior, diretor de conservação do Ibracon.
A campanha do Ibracon, que acabou sendo incorporada por rede de resgatistas de animais pelo Brasil, surgiu há dois anos, quando Palazzo Júnior foi surpreendido com um filhote de gambá caído no quintal da sua casa, na Praia do Forte, na Bahia.
“Era uma feminha de 20 gramas, deve ter caído das costas da mãe. Ficamos tocados e resolvemos tentar salvá-la de algum jeito”, recorda o ambientalista.
Na internet, se depararam com redes de resgatistas dando dicas de como fazer para que o animal, batizado de Júlia, sobrevivesse e pudesse ser reinserido na natureza.
“Descobrimos que há comunidades de pessoas no Brasil trabalhando para salvar gambás agredidos, órfãos de mães atropeladas”, diz Palazzo Júnior. Meses depois, um incidente semelhante com um vizinho acendeu o alerta: era preciso fazer algo para proteger esses animaizinhos.
“No curso de aprender (a cuidar deles), nos deparamos com as barbaridades que fazem com ele no Brasil. Matam e torturam os gambás das maneiras mais horríveis. Matam-os a pauladas, colocam fogo neles vivos, é uma coisa dantescas o que se faz com os gambás Brasil afora”, comenta. “Principalmente pela ignorância: não acham que são marsupiais aparentados com os cangurus, acham que são ratos e, erroneamente, acham que eles transmitem doenças. Tratam-os da maneira mais horrível.”
Por meio de uma vaquinha, o Ibracon conseguiu começar uma campanha de conscientização. Passaram a chamar os timbus de “ursinho de jardim”, buscando ganhar a simpatia das pessoas. Conseguiram autorização da prefeitura para colocar placas pela região da Praia do Forte e espalharam cartazes em comunidades online, fazendo com que a campanha chegasse a todo o País.
A ideia era mostrar não só que o animal não causa mal algum ao ser humano, mas também que ele é importante para a proteção da sociedade contra doenças e bichos considerados perigosos.
“Eles são onívoros e oportunistas, adaptam-se a diferentes condições ambientais e se alimentam principalmente de frutos, pequenos animais. Alguns também polinizam flores”, enumera o ambientalista. “Eles se alimentam de insetos, ovos de pássaros e, nas cidades, são particularmente atraídos por ração de cachorro e gato, por isso são tantos os incidentes em que cães matam principalmente as mãezinhas, mais lentas com as bolsas cheias de filhotes.”
Inofensivos e úteis
Palazzo Júnior frisa que eles “não representam nenhuma ameaça para a gente”. “A ideia de que transmitem doenças é mito. Nem raiva eles transmitem, não existe perigo na convivência deles com a gente”, ressalta.
“Muita gente confunde, achando que são tipos de ratos”, reconhece o biólogo e divulgador científico Guilherme Domenichelli, do canal do YouTube AnimalTV.
“Não são perigosos, inclusive em confrontos diretos com outros animais ou seres humanos, os timbus apresentam características interessantes, a de se fingir de morto e a liberação de um odor fétido, a fim de evitar conflitos e poder fugir posteriormente”, ensina o médico veterinário Eduardo Ferreira Machado, pesquisador doutorando no Laboratório de Patologia Comparada de Animais Silvestres (Lapcom) da Universidade de São Paulo (USP).
“Pelo contrário: uma parte significativa da dieta dos gambás, principalmente em áreas urbanas, é composta por baratas, carrapatos, escorpiões e serpentes venenosas”, explica o ambientalista do Ibracon. “No fundo, eles são grandes auxiliares da saúde pública, ajudando a eliminar esses animais que efetivamente fazem mal ao homem.”
Considerando que cada timbu come centenas de carrapatos por semana, o bicho se torna aliado essencial na prevenção à febre maculosa, por exemplo, transmitida pelos artrópodes.
“Diria inclusive o contrário, que quem é perigoso (para eles) somos nós”, complementa Machado. “Os timbus são uma das espécies de mamíferos com mais registros de contatos com seres humanos e animais domésticos, sendo comum a causa de morte por atropelamentos ou agressões por cães e seres humanos, principalmente na primavera onde ocorre o período de reprodução destas espécies.”
“De hábitos solitários, generalistas e muito adaptáveis ao meio antrópico, estes animais procuram locais próximos a seres humanos para alimentação e procura de abrigos, principalmente em forros de teto. Uma maneira de evitar um contato direto com estes animais é telando possíveis entradas para forros e janelas, além de evitar lixos em locais que os timbus possam alcançar”, diz o veterinário.
Machado frisa que esses bichos “participam do controle populacional de animais como carrapatos, cobras e escorpiões” e que isto “é muito vantajoso em ambientes urbanos, periurbanos e rurais”. “Além disso, devido seu hábito alimentar generalista, podem consumir carcaças de animais mortos fechando um ciclo trófico, e são excelentes polinizadores e dissipadores de sementes”, destaca o pesquisador.
Segundo o diretor do Ibracon, há cinco espécies reconhecidas de sariguês no Brasil. As principais são o gambá de orelha preta e o gambá de orelha branca. “Essas duas se distribuem muito amplamente pelo território brasileiro”, afirma, acrescentando que o de orelha branca se adapta melhor a ambientes urbanos.
Esses animais não enfrentam risco de extinção, atualmente. Mas campanhas como a empreendida por Palazzo Júnior são necessárias para buscar conter a crueldade “a que eles são submetidos pela ignorância das pessoas”, conforme ressalta o ambientalista.
“Há uma perseguição cruel e desnecessária que as pessoas fazem contra eles por falta de informação”, analisa.
Na natureza, um timbu vive cerca de um ano e meio. Durante o dia, costuma se esconder em árvores, buscando sempre lugares quentes, secos e escuros — nas cidades, é comum que encontrem abrigo em forro de casas, frestas de telhados e parques arborizados. “À noite, saem para procurar alimento”, diz Palazzo Júnior.