SÃO PAULO - Em meio à alta do desmatamento e das queimadas na Amazônia, o Grupo Especializado de Fiscalização (GEF) do Ibama, considerado a tropa de elite do instituto para o combate ao crime organizado na área ambiental, não foi a campo neste ano para combater crimes desse tipo.
Isso se soma a uma queda geral no número de autuações do Ibama na Amazônia. Até 23 de agosto foram aplicadas 1.639 multas por crimes contra a flora na região – queda de 42% em relação ao mesmo período do ano passado. É também a menor taxa desde 2010.
Sobre a falta de atuação do grupo de elite do Ibama, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse no programa Roda Viva, da TV Cultura, que “não há orientação para flexibilizar o cumprimento da lei ou a fiscalização”. Afirmou ainda que iria apurar o porquê de o governo não ter enviado os fiscais para ação na floresta. O Estado apurou que o GEF foi acionado para ir a campo nos próximos dias. Procurado, o ministério não comentou a redução de multas até as 20 horas de ontem.
Criado no fim de 2013, o grupo começou a atuar em 2014 trazendo novo padrão de inteligência e de precisão às operações para combater grandes atividades ilegais – como invasão, grilagem, desmatamento, extração de madeira e garimpo –, principalmente dentro de unidades de conservação (UCs) e Terras Indígenas (TIs). A equipe, que hoje tem 13 fiscais, recebeu treinamento de táticas e técnicas policiais especiais e foi um dos principais responsáveis, nos últimos anos, por desmantelar esse tipo de atividade.
O Estado apurou com pelo menos quatro técnicos do Ibama e do ministério, desta gestão e de administrações anteriores, que de 2014 a 2018, o GEF desativou mais de 200 frentes ilegais de exploração madeireira e de exploração mineral (ouro, diamante e cassiterita) em UCs e TIs nos Estados que concentram as maiores taxas de desmate da Amazônia (Mato Grosso, Pará, Amazonas, Rondônia e Maranhão).
Em operações planejadas de modo sigiloso por meses, esses fiscais, que já foram até apelidados de “rambos" do Ibama, atuam de forma cirúrgica, com o objetivo de cessar imediatamente um dano ambiental em curso. Depois de fazerem a investigação e terem todas as informações sobre um determinado crime em andamento, preparam a operação no local, que é muito rápida. Chegam de helicóptero, neutralizam acampamento, tiram as armas de quem está trabalhando no local, avaliam os equipamentos e, na impossibilidade de carregá-los, têm autorização legal para destruí-los.
“Cada operação tem uma preparação intensa, de modo que quando eles vão a campo, vão com a certeza de que resolverão o ilícito. Esse tipo de ação faz muita diferença nos casos em que há grande perigo envolvido. Se não for feita com uma equipe muito treinada para situações de conflito, não vai conseguir resolver e pode colocar os fiscais em risco de vida”, explica Suely Araujo, ex-presidente do Ibama (de 2016 a início deste ano). Em janeiro, ela antecipou seu pedido de exoneração do governo após o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, levantar suspeita sobre um contrato de locação de viaturas assinado por ela.
A destruição de equipamentos, diz ela, acaba se relacionando com esse perigo. “Muitas dessas operações são recebidas a bala. Às vezes, é chegar, agir e ir embora”, afirma. Essa possibilidade de destruição está prevista no artigo 111 do decreto 6.514, de 2008, que estabelece que produtos (como madeira) e instrumentos usados em infração podem ser destruídos ou inutilizados em duas situações: quando “a medida for necessária para evitar o seu uso e aproveitamento indevidos nas situações em que o transporte e a guarda forem inviáveis em face das circunstâncias” ou nos casos em que eles “possam expor o meio ambiente a riscos significativos ou comprometer a segurança da população e dos agentes públicos envolvidos na fiscalização”.
Essa tática, porém, vinha sendo criticada pelo presidente Jair Bolsonaro desde o ano passado. Ainda em campanha, ele prometeu que o Ibama não poderia mais destruir equipamentos e, em abril, desautorizou uma ação contra madeireiros em Rondônia. Em vídeo, disse que havia proibido a queima de caminhões e tratores usados para extração ilegal na área da Floresta Nacional do Jamari (RO) e disse que Salles teria aberto processo administrativo para apurar os responsáveis. Poucos dias depois, Salles visitou madeireiros e foi aplaudido.
As fontes ouvidas pelo Estado frisam que essa destruição às vezes é fundamental para impedir que o ato ilícito continue ocorrendo, o que ampliaria o prejuízo ao ambiente. Além de serem áreas sensíveis, UCs e TIs são escolhidas preferencialmente pelo GEF porque são terras protegidas da União. Só de essas atividades ocorrerem lá dentro, já está configurado o crime.
Ainda em abril, o decreto 6.514 foi modificado, mas o artigo 111 foi mantido. Mesmo assim, nenhuma outra destruição foi permitida. Conforme o Estado apurou, o GEF só foi acionado uma única vez neste ano, mas para uma operação de pesca.
Ação abortada
A reportagem também apurou que estavam previstas para o primeiro semestre deste ano pelo menos cinco operações desse tipo em UCs e TIs. Uma delas chegou a ser antecipada no site do Ibama alguns dias antes de ela ocorrer – atitude que contraria o objetivo da ação. “Estão planejadas operações de fiscalização contra o desmatamento ilegal nas áreas críticas da Amazônia, que incluem Terras Indígenas e Unidades de Conservação no sudoeste do Pará, região que abriga a Floresta Nacional do Jamanxim”, informou o órgão no final de maio.
Conforme o Estado apurou, essa era uma operação que estava sendo planejada a pedido do ministério, e que chegou a contar com alguma colaboração do GEF, mas acabou sendo abortada depois da divulgação feita pela pasta. “São informações sigilosas, de operações que contam com o efeito surpresa, só faltou darem as coordenadas geográficas da operação”, disse um técnico do Ibama.
Além das ações próprias planejadas pelo grupo, às vezes esses fiscais de elite também são convocados para apoiar outras operações de campo de equipes convencionais do Ibama. Isso ocorreu, por exemplo, quando houve queima de caminhão-tanque do Ibama em Rondônia em ação para combate de extração de madeira em terra indígena. Mas, conforme apurou o Estado, a direção responsável pelo GEF dentro do Ibama não autorizou a ação.
“Num momento em que estamos vendo alta de desmatamento e de queimadas na Amazônia, como se explica a ausência de ação de um grupo tão treinado e especializado”, questiona Suely. “Eles fazem poucas ações por ano, mas elas têm de ocorrer sempre, porque têm um potencial didático, de inibir que outras infrações ocorram”, diz. Para ela, todas as vezes que esse tipo de ação ocorreu, houve um elemento de dissuasão forte. “São ações que desestimulam que outros cometam o crime.”