Guardião da represa: Marcelo Grillo luta para reflorestar mata ciliar do Sistema Cantareira


Em seu sítio em Joanópolis, no interior de SP, ele cuida de 250 espécies de árvores e tenta evitar que sua vizinhança construa condomínios sem contrapartidas de preservação ambiental

Por João Prata
Atualização:

Há 30 anos, a casa onde o músico Marcelo Grillo vive com a esposa Renata, em Joanópolis, no interior de São Paulo, tinha vista para a represa, com as montanhas ao fundo e pôr do sol cinematográfico. Mas ele quis mudar isso. Plantou árvores nativas de Mata Atlântica até não poder mais e fez do lugar uma densa floresta, com mais de 250 espécies, onde mal se vê a paisagem ao fundo. Recentemente, registrou um tucano de peito amarelo da janela da cozinha. Uns dias depois, fez uma foto, no sofá da sala, do sagui da serra escuro, um dos 25 primatas ameaçados de extinção. 

A ação não trouxe apenas mais vida para seu sítio, mas também é fundamental para a preservação de um bem público, a represa Jaguari-Jacareí, que faz parte do Sistema Cantareira, principal fonte de abastecimento de água de São Paulo. A presença da mata ciliar traz uma série de benefícios para o local. O principal deles é que evita o assoreamento, ou seja, dificulta que a terra corra para a represa e acabe com o reservatório de água. O Marcelo dá mais detalhes.

"As florestas funcionam como esponjas da água da chuva. Se você tem uma área descampada, principalmente em regiões como essa aqui onde existe declividade, a água bate no solo, lava a camada superficial e vai assoreando a represa. As árvores não deixam isso acontecer. As folhas abrandam e fazem a água cair com menor impacto, além de espaçar a chuva no tempo. Ainda, as raízes criam canais para que essa água chegue lentamente ao lençol freático e seja distribuída para os riachos da região. Fora os benefícios para fauna", ensina.

Marcelo Grillo preserva uma área com 250 espécies de árvores às margens da represa Jaguari-Jacareí. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

O problema é que Marcelo é minoria na região. A vizinhança do seu sítio está em transformação. As árvores estão dando espaço para o loteamento, a construção de condomínios. E essa é a atual batalha que Marcelo e muitos ativistas têm enfrentado. Durante dez anos, junto com o poder público, foi feito um plano de zoneamento da Apa (Área de Proteção Ambiental) Piracantareira, onde fica o sítio de Marcelo. Em outubro, o estudo virou lei, mas existe pressão das construtoras da região para que seja revogada. 

"O decreto é até bem permissivo, permite que sejam loteados os terrenos próximos à represa, mas coloca contrapartidas para preservação. Queremos conscientizar a todos que o decreto seja cumprido e que a lei não seja revogada. É preciso existir consciência ambiental, social e econômica para existir sustentabilidade. Não pode haver uma ocupação predatória porque vai ser ruim para todos", explica. 

Loteamento imobiliário no terreno vizinho ao de Marcelo Grillo. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Arara de Neon

Marcelo vive no sítio há apenas dois anos. Mas frequenta o local desde a adolescência, do tempo em que era hippie, tocava flauta transversal e levava sua banda, a Arara de Neon, para ensaiar sob as estrelas. O grupo tem um histórico de respeito. Chegou a tocar no Teatro Lira Paulistana, centro de efervescência cultural na década de 70 e 80, que lançou nomes como Itamar Assumpção, Ná Ozzetti, Luiz Tatit, Titãs, entre outros. 

Mas, tal como João Gilberto, Marcelo conta que o melhor show da Arara foi no 3° Festival de Águas Claras, aquele apelidado de Woodstock brasileiro. "Tocamos no mesmo dia do João, debaixo de uma baita chuva, aquela lama toda, foi uma loucura. Uma dificuldade para chegar, os carros atolaram. Muita gente teve que pegar carona em trator. Mas foi um sensação incrível." 

Marcelo ao lado de uma Copaíba, árvore que dá nome ao sítio. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Nesse tempo, Marcelo ainda plantava uma árvore aqui e outra ali sem muito conhecimento. Ele gostava de fazer caminhadas por florestas e tentava replicar o que via em seu sítio. Com a internet, começou a participar de grupos para trocar sementes, passou a entender mais sobre as espécies nativas da Mata Atlântica e a missão foi ficando mais séria. 

Quanto mais estudava botânica, mais ficava claro que somente plantar não era importante. Era necessário observar a floresta e buscar a melhor maneira para regenerar também o que já existia. "Quando você faz um bom projeto de reflorestamento, o que se mede não é o índice de sobrevivência do que você plantou, mas quanto de regenerantes espontâneos têm no local."

Mudas de palmito juçara em breve estarão espalhadas pelo sítio. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Marcelo nem se interessa em responder quantas árvores existem no seu sítio. Ele sabe que são pelo menos 250 espécies, sendo 210 nativas de Mata Atlântica. Para se ter ideia, é quatro vezes mais do que a biodiversidade da Europa inteira. "Tem um ditado interessante que vai além daquele que diz que você colhe o que planta. Na verdade, você colhe o que você cuida. E é isso que tenho colhido nesses 30 anos." 

Nível do Cantareira

A cota máxima da represa Jaguari-Jacareí é de 844 metros acima do nível do mar. Desde 2011 que ela não atinge esse índice. O mês de junho é ainda o início da seca na região. Segundo Marcelo, a capacidade no momento está em 837 metros. E alerta que é preciso ficar atento para que não ocorra nova crise hídrica, como em 2014.

Represa está em nível mais baixo do que no mesmo período da crise hídrica de 2014. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Na ocasião, o local onde Marcelo e sua família vivem secou completamente. "E quando aconteceu a crise, nesse período, tinha mais água do que tem hoje", lembra o músico. O que serve para tranquilizar um pouco é que atualmente há uma estrutura maior para evitar o desabastecimento.

"Claro, temos que lembrar que o principal não foi feito, que é plantar mais árvores e aumentar o volume de água dos atuais afluentes dessa bacia. Mas a Sabesp está tirando menos água atualmente", conta. 

Ele lembra que no período da crise a Sabesp tirava 36 metros cúbicos de água diariamente. Por isso secou. "Hoje, o cálculo é baseado na quantidade de chuva do mês anterior. Então, ela está tirando no momento cerca de 22 metros cúbicos de água, um terço a menos". 

Marcelo ao lado da esposa Renata; ao fundo uma grumixama, a cereja brasileira. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Por meio de nota, a Sabesp informou que, nesta sexta-feira, o Sistema Integrado da Região Metropolitana de São Paulo, envolvendo 155 reservatórios e 10 áreas de interligações, opera com 54,5% da capacidade, nível similar, por exemplo, aos 55% de 2018, quando não houve problemas no abastecimento. 

"Importante destacar que a queda no nível das represas é normal nesta época do ano devido ao período de estiagem e ao volume baixo de chuvas. A projeção da Sabesp aponta níveis satisfatórios para passar pela estiagem (até setembro), mas a Companhia reforça a necessidade de uso consciente da água por todos, em qualquer época do ano."

A Sabesp informou ainda que desde a crise hídrica de 2014, realiza obras na região e destacou a Interligação Jaguari-Atibainha que traz água da bacia do Rio Paraíba do Sul para o Cantareira. O Rio Paraíba do Sul abastece o Rio de Janeiro.

A Sabesp mantém o Programa Cinturão Verde dos Mananciais Metropolitanos, que integra o Programa Nascentes do Governo do Estado de São Paulo e já promoveu o plantio de 844 mil árvores nos últimos cinco anos. Sua atuação está concentrada em quatro sistemas de abastecimento: Cantareira, Alto Cotia, Rio Claro e Fazenda Capivari (área de Proteção Ambiental Capivari-Monos que faz parte do Guarapiranga).

Em relação ao reflorestamento da mata ciliar, a Sabesp disse que, somente no Sistema Cantareira, o índice de cobertura vegetal saltou de 61%, na década de 1980, para 79,6% em 2020. "O programa foi reconhecido internacionalmente em premiação do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e destacada pelo WRI (World Resources Institute) como prática sustentável de soluções baseadas na natureza."

Há 30 anos, a casa onde o músico Marcelo Grillo vive com a esposa Renata, em Joanópolis, no interior de São Paulo, tinha vista para a represa, com as montanhas ao fundo e pôr do sol cinematográfico. Mas ele quis mudar isso. Plantou árvores nativas de Mata Atlântica até não poder mais e fez do lugar uma densa floresta, com mais de 250 espécies, onde mal se vê a paisagem ao fundo. Recentemente, registrou um tucano de peito amarelo da janela da cozinha. Uns dias depois, fez uma foto, no sofá da sala, do sagui da serra escuro, um dos 25 primatas ameaçados de extinção. 

A ação não trouxe apenas mais vida para seu sítio, mas também é fundamental para a preservação de um bem público, a represa Jaguari-Jacareí, que faz parte do Sistema Cantareira, principal fonte de abastecimento de água de São Paulo. A presença da mata ciliar traz uma série de benefícios para o local. O principal deles é que evita o assoreamento, ou seja, dificulta que a terra corra para a represa e acabe com o reservatório de água. O Marcelo dá mais detalhes.

"As florestas funcionam como esponjas da água da chuva. Se você tem uma área descampada, principalmente em regiões como essa aqui onde existe declividade, a água bate no solo, lava a camada superficial e vai assoreando a represa. As árvores não deixam isso acontecer. As folhas abrandam e fazem a água cair com menor impacto, além de espaçar a chuva no tempo. Ainda, as raízes criam canais para que essa água chegue lentamente ao lençol freático e seja distribuída para os riachos da região. Fora os benefícios para fauna", ensina.

Marcelo Grillo preserva uma área com 250 espécies de árvores às margens da represa Jaguari-Jacareí. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

O problema é que Marcelo é minoria na região. A vizinhança do seu sítio está em transformação. As árvores estão dando espaço para o loteamento, a construção de condomínios. E essa é a atual batalha que Marcelo e muitos ativistas têm enfrentado. Durante dez anos, junto com o poder público, foi feito um plano de zoneamento da Apa (Área de Proteção Ambiental) Piracantareira, onde fica o sítio de Marcelo. Em outubro, o estudo virou lei, mas existe pressão das construtoras da região para que seja revogada. 

"O decreto é até bem permissivo, permite que sejam loteados os terrenos próximos à represa, mas coloca contrapartidas para preservação. Queremos conscientizar a todos que o decreto seja cumprido e que a lei não seja revogada. É preciso existir consciência ambiental, social e econômica para existir sustentabilidade. Não pode haver uma ocupação predatória porque vai ser ruim para todos", explica. 

Loteamento imobiliário no terreno vizinho ao de Marcelo Grillo. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Arara de Neon

Marcelo vive no sítio há apenas dois anos. Mas frequenta o local desde a adolescência, do tempo em que era hippie, tocava flauta transversal e levava sua banda, a Arara de Neon, para ensaiar sob as estrelas. O grupo tem um histórico de respeito. Chegou a tocar no Teatro Lira Paulistana, centro de efervescência cultural na década de 70 e 80, que lançou nomes como Itamar Assumpção, Ná Ozzetti, Luiz Tatit, Titãs, entre outros. 

Mas, tal como João Gilberto, Marcelo conta que o melhor show da Arara foi no 3° Festival de Águas Claras, aquele apelidado de Woodstock brasileiro. "Tocamos no mesmo dia do João, debaixo de uma baita chuva, aquela lama toda, foi uma loucura. Uma dificuldade para chegar, os carros atolaram. Muita gente teve que pegar carona em trator. Mas foi um sensação incrível." 

Marcelo ao lado de uma Copaíba, árvore que dá nome ao sítio. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Nesse tempo, Marcelo ainda plantava uma árvore aqui e outra ali sem muito conhecimento. Ele gostava de fazer caminhadas por florestas e tentava replicar o que via em seu sítio. Com a internet, começou a participar de grupos para trocar sementes, passou a entender mais sobre as espécies nativas da Mata Atlântica e a missão foi ficando mais séria. 

Quanto mais estudava botânica, mais ficava claro que somente plantar não era importante. Era necessário observar a floresta e buscar a melhor maneira para regenerar também o que já existia. "Quando você faz um bom projeto de reflorestamento, o que se mede não é o índice de sobrevivência do que você plantou, mas quanto de regenerantes espontâneos têm no local."

Mudas de palmito juçara em breve estarão espalhadas pelo sítio. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Marcelo nem se interessa em responder quantas árvores existem no seu sítio. Ele sabe que são pelo menos 250 espécies, sendo 210 nativas de Mata Atlântica. Para se ter ideia, é quatro vezes mais do que a biodiversidade da Europa inteira. "Tem um ditado interessante que vai além daquele que diz que você colhe o que planta. Na verdade, você colhe o que você cuida. E é isso que tenho colhido nesses 30 anos." 

Nível do Cantareira

A cota máxima da represa Jaguari-Jacareí é de 844 metros acima do nível do mar. Desde 2011 que ela não atinge esse índice. O mês de junho é ainda o início da seca na região. Segundo Marcelo, a capacidade no momento está em 837 metros. E alerta que é preciso ficar atento para que não ocorra nova crise hídrica, como em 2014.

Represa está em nível mais baixo do que no mesmo período da crise hídrica de 2014. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Na ocasião, o local onde Marcelo e sua família vivem secou completamente. "E quando aconteceu a crise, nesse período, tinha mais água do que tem hoje", lembra o músico. O que serve para tranquilizar um pouco é que atualmente há uma estrutura maior para evitar o desabastecimento.

"Claro, temos que lembrar que o principal não foi feito, que é plantar mais árvores e aumentar o volume de água dos atuais afluentes dessa bacia. Mas a Sabesp está tirando menos água atualmente", conta. 

Ele lembra que no período da crise a Sabesp tirava 36 metros cúbicos de água diariamente. Por isso secou. "Hoje, o cálculo é baseado na quantidade de chuva do mês anterior. Então, ela está tirando no momento cerca de 22 metros cúbicos de água, um terço a menos". 

Marcelo ao lado da esposa Renata; ao fundo uma grumixama, a cereja brasileira. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Por meio de nota, a Sabesp informou que, nesta sexta-feira, o Sistema Integrado da Região Metropolitana de São Paulo, envolvendo 155 reservatórios e 10 áreas de interligações, opera com 54,5% da capacidade, nível similar, por exemplo, aos 55% de 2018, quando não houve problemas no abastecimento. 

"Importante destacar que a queda no nível das represas é normal nesta época do ano devido ao período de estiagem e ao volume baixo de chuvas. A projeção da Sabesp aponta níveis satisfatórios para passar pela estiagem (até setembro), mas a Companhia reforça a necessidade de uso consciente da água por todos, em qualquer época do ano."

A Sabesp informou ainda que desde a crise hídrica de 2014, realiza obras na região e destacou a Interligação Jaguari-Atibainha que traz água da bacia do Rio Paraíba do Sul para o Cantareira. O Rio Paraíba do Sul abastece o Rio de Janeiro.

A Sabesp mantém o Programa Cinturão Verde dos Mananciais Metropolitanos, que integra o Programa Nascentes do Governo do Estado de São Paulo e já promoveu o plantio de 844 mil árvores nos últimos cinco anos. Sua atuação está concentrada em quatro sistemas de abastecimento: Cantareira, Alto Cotia, Rio Claro e Fazenda Capivari (área de Proteção Ambiental Capivari-Monos que faz parte do Guarapiranga).

Em relação ao reflorestamento da mata ciliar, a Sabesp disse que, somente no Sistema Cantareira, o índice de cobertura vegetal saltou de 61%, na década de 1980, para 79,6% em 2020. "O programa foi reconhecido internacionalmente em premiação do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e destacada pelo WRI (World Resources Institute) como prática sustentável de soluções baseadas na natureza."

Há 30 anos, a casa onde o músico Marcelo Grillo vive com a esposa Renata, em Joanópolis, no interior de São Paulo, tinha vista para a represa, com as montanhas ao fundo e pôr do sol cinematográfico. Mas ele quis mudar isso. Plantou árvores nativas de Mata Atlântica até não poder mais e fez do lugar uma densa floresta, com mais de 250 espécies, onde mal se vê a paisagem ao fundo. Recentemente, registrou um tucano de peito amarelo da janela da cozinha. Uns dias depois, fez uma foto, no sofá da sala, do sagui da serra escuro, um dos 25 primatas ameaçados de extinção. 

A ação não trouxe apenas mais vida para seu sítio, mas também é fundamental para a preservação de um bem público, a represa Jaguari-Jacareí, que faz parte do Sistema Cantareira, principal fonte de abastecimento de água de São Paulo. A presença da mata ciliar traz uma série de benefícios para o local. O principal deles é que evita o assoreamento, ou seja, dificulta que a terra corra para a represa e acabe com o reservatório de água. O Marcelo dá mais detalhes.

"As florestas funcionam como esponjas da água da chuva. Se você tem uma área descampada, principalmente em regiões como essa aqui onde existe declividade, a água bate no solo, lava a camada superficial e vai assoreando a represa. As árvores não deixam isso acontecer. As folhas abrandam e fazem a água cair com menor impacto, além de espaçar a chuva no tempo. Ainda, as raízes criam canais para que essa água chegue lentamente ao lençol freático e seja distribuída para os riachos da região. Fora os benefícios para fauna", ensina.

Marcelo Grillo preserva uma área com 250 espécies de árvores às margens da represa Jaguari-Jacareí. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

O problema é que Marcelo é minoria na região. A vizinhança do seu sítio está em transformação. As árvores estão dando espaço para o loteamento, a construção de condomínios. E essa é a atual batalha que Marcelo e muitos ativistas têm enfrentado. Durante dez anos, junto com o poder público, foi feito um plano de zoneamento da Apa (Área de Proteção Ambiental) Piracantareira, onde fica o sítio de Marcelo. Em outubro, o estudo virou lei, mas existe pressão das construtoras da região para que seja revogada. 

"O decreto é até bem permissivo, permite que sejam loteados os terrenos próximos à represa, mas coloca contrapartidas para preservação. Queremos conscientizar a todos que o decreto seja cumprido e que a lei não seja revogada. É preciso existir consciência ambiental, social e econômica para existir sustentabilidade. Não pode haver uma ocupação predatória porque vai ser ruim para todos", explica. 

Loteamento imobiliário no terreno vizinho ao de Marcelo Grillo. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Arara de Neon

Marcelo vive no sítio há apenas dois anos. Mas frequenta o local desde a adolescência, do tempo em que era hippie, tocava flauta transversal e levava sua banda, a Arara de Neon, para ensaiar sob as estrelas. O grupo tem um histórico de respeito. Chegou a tocar no Teatro Lira Paulistana, centro de efervescência cultural na década de 70 e 80, que lançou nomes como Itamar Assumpção, Ná Ozzetti, Luiz Tatit, Titãs, entre outros. 

Mas, tal como João Gilberto, Marcelo conta que o melhor show da Arara foi no 3° Festival de Águas Claras, aquele apelidado de Woodstock brasileiro. "Tocamos no mesmo dia do João, debaixo de uma baita chuva, aquela lama toda, foi uma loucura. Uma dificuldade para chegar, os carros atolaram. Muita gente teve que pegar carona em trator. Mas foi um sensação incrível." 

Marcelo ao lado de uma Copaíba, árvore que dá nome ao sítio. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Nesse tempo, Marcelo ainda plantava uma árvore aqui e outra ali sem muito conhecimento. Ele gostava de fazer caminhadas por florestas e tentava replicar o que via em seu sítio. Com a internet, começou a participar de grupos para trocar sementes, passou a entender mais sobre as espécies nativas da Mata Atlântica e a missão foi ficando mais séria. 

Quanto mais estudava botânica, mais ficava claro que somente plantar não era importante. Era necessário observar a floresta e buscar a melhor maneira para regenerar também o que já existia. "Quando você faz um bom projeto de reflorestamento, o que se mede não é o índice de sobrevivência do que você plantou, mas quanto de regenerantes espontâneos têm no local."

Mudas de palmito juçara em breve estarão espalhadas pelo sítio. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Marcelo nem se interessa em responder quantas árvores existem no seu sítio. Ele sabe que são pelo menos 250 espécies, sendo 210 nativas de Mata Atlântica. Para se ter ideia, é quatro vezes mais do que a biodiversidade da Europa inteira. "Tem um ditado interessante que vai além daquele que diz que você colhe o que planta. Na verdade, você colhe o que você cuida. E é isso que tenho colhido nesses 30 anos." 

Nível do Cantareira

A cota máxima da represa Jaguari-Jacareí é de 844 metros acima do nível do mar. Desde 2011 que ela não atinge esse índice. O mês de junho é ainda o início da seca na região. Segundo Marcelo, a capacidade no momento está em 837 metros. E alerta que é preciso ficar atento para que não ocorra nova crise hídrica, como em 2014.

Represa está em nível mais baixo do que no mesmo período da crise hídrica de 2014. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Na ocasião, o local onde Marcelo e sua família vivem secou completamente. "E quando aconteceu a crise, nesse período, tinha mais água do que tem hoje", lembra o músico. O que serve para tranquilizar um pouco é que atualmente há uma estrutura maior para evitar o desabastecimento.

"Claro, temos que lembrar que o principal não foi feito, que é plantar mais árvores e aumentar o volume de água dos atuais afluentes dessa bacia. Mas a Sabesp está tirando menos água atualmente", conta. 

Ele lembra que no período da crise a Sabesp tirava 36 metros cúbicos de água diariamente. Por isso secou. "Hoje, o cálculo é baseado na quantidade de chuva do mês anterior. Então, ela está tirando no momento cerca de 22 metros cúbicos de água, um terço a menos". 

Marcelo ao lado da esposa Renata; ao fundo uma grumixama, a cereja brasileira. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Por meio de nota, a Sabesp informou que, nesta sexta-feira, o Sistema Integrado da Região Metropolitana de São Paulo, envolvendo 155 reservatórios e 10 áreas de interligações, opera com 54,5% da capacidade, nível similar, por exemplo, aos 55% de 2018, quando não houve problemas no abastecimento. 

"Importante destacar que a queda no nível das represas é normal nesta época do ano devido ao período de estiagem e ao volume baixo de chuvas. A projeção da Sabesp aponta níveis satisfatórios para passar pela estiagem (até setembro), mas a Companhia reforça a necessidade de uso consciente da água por todos, em qualquer época do ano."

A Sabesp informou ainda que desde a crise hídrica de 2014, realiza obras na região e destacou a Interligação Jaguari-Atibainha que traz água da bacia do Rio Paraíba do Sul para o Cantareira. O Rio Paraíba do Sul abastece o Rio de Janeiro.

A Sabesp mantém o Programa Cinturão Verde dos Mananciais Metropolitanos, que integra o Programa Nascentes do Governo do Estado de São Paulo e já promoveu o plantio de 844 mil árvores nos últimos cinco anos. Sua atuação está concentrada em quatro sistemas de abastecimento: Cantareira, Alto Cotia, Rio Claro e Fazenda Capivari (área de Proteção Ambiental Capivari-Monos que faz parte do Guarapiranga).

Em relação ao reflorestamento da mata ciliar, a Sabesp disse que, somente no Sistema Cantareira, o índice de cobertura vegetal saltou de 61%, na década de 1980, para 79,6% em 2020. "O programa foi reconhecido internacionalmente em premiação do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e destacada pelo WRI (World Resources Institute) como prática sustentável de soluções baseadas na natureza."

Há 30 anos, a casa onde o músico Marcelo Grillo vive com a esposa Renata, em Joanópolis, no interior de São Paulo, tinha vista para a represa, com as montanhas ao fundo e pôr do sol cinematográfico. Mas ele quis mudar isso. Plantou árvores nativas de Mata Atlântica até não poder mais e fez do lugar uma densa floresta, com mais de 250 espécies, onde mal se vê a paisagem ao fundo. Recentemente, registrou um tucano de peito amarelo da janela da cozinha. Uns dias depois, fez uma foto, no sofá da sala, do sagui da serra escuro, um dos 25 primatas ameaçados de extinção. 

A ação não trouxe apenas mais vida para seu sítio, mas também é fundamental para a preservação de um bem público, a represa Jaguari-Jacareí, que faz parte do Sistema Cantareira, principal fonte de abastecimento de água de São Paulo. A presença da mata ciliar traz uma série de benefícios para o local. O principal deles é que evita o assoreamento, ou seja, dificulta que a terra corra para a represa e acabe com o reservatório de água. O Marcelo dá mais detalhes.

"As florestas funcionam como esponjas da água da chuva. Se você tem uma área descampada, principalmente em regiões como essa aqui onde existe declividade, a água bate no solo, lava a camada superficial e vai assoreando a represa. As árvores não deixam isso acontecer. As folhas abrandam e fazem a água cair com menor impacto, além de espaçar a chuva no tempo. Ainda, as raízes criam canais para que essa água chegue lentamente ao lençol freático e seja distribuída para os riachos da região. Fora os benefícios para fauna", ensina.

Marcelo Grillo preserva uma área com 250 espécies de árvores às margens da represa Jaguari-Jacareí. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

O problema é que Marcelo é minoria na região. A vizinhança do seu sítio está em transformação. As árvores estão dando espaço para o loteamento, a construção de condomínios. E essa é a atual batalha que Marcelo e muitos ativistas têm enfrentado. Durante dez anos, junto com o poder público, foi feito um plano de zoneamento da Apa (Área de Proteção Ambiental) Piracantareira, onde fica o sítio de Marcelo. Em outubro, o estudo virou lei, mas existe pressão das construtoras da região para que seja revogada. 

"O decreto é até bem permissivo, permite que sejam loteados os terrenos próximos à represa, mas coloca contrapartidas para preservação. Queremos conscientizar a todos que o decreto seja cumprido e que a lei não seja revogada. É preciso existir consciência ambiental, social e econômica para existir sustentabilidade. Não pode haver uma ocupação predatória porque vai ser ruim para todos", explica. 

Loteamento imobiliário no terreno vizinho ao de Marcelo Grillo. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Arara de Neon

Marcelo vive no sítio há apenas dois anos. Mas frequenta o local desde a adolescência, do tempo em que era hippie, tocava flauta transversal e levava sua banda, a Arara de Neon, para ensaiar sob as estrelas. O grupo tem um histórico de respeito. Chegou a tocar no Teatro Lira Paulistana, centro de efervescência cultural na década de 70 e 80, que lançou nomes como Itamar Assumpção, Ná Ozzetti, Luiz Tatit, Titãs, entre outros. 

Mas, tal como João Gilberto, Marcelo conta que o melhor show da Arara foi no 3° Festival de Águas Claras, aquele apelidado de Woodstock brasileiro. "Tocamos no mesmo dia do João, debaixo de uma baita chuva, aquela lama toda, foi uma loucura. Uma dificuldade para chegar, os carros atolaram. Muita gente teve que pegar carona em trator. Mas foi um sensação incrível." 

Marcelo ao lado de uma Copaíba, árvore que dá nome ao sítio. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Nesse tempo, Marcelo ainda plantava uma árvore aqui e outra ali sem muito conhecimento. Ele gostava de fazer caminhadas por florestas e tentava replicar o que via em seu sítio. Com a internet, começou a participar de grupos para trocar sementes, passou a entender mais sobre as espécies nativas da Mata Atlântica e a missão foi ficando mais séria. 

Quanto mais estudava botânica, mais ficava claro que somente plantar não era importante. Era necessário observar a floresta e buscar a melhor maneira para regenerar também o que já existia. "Quando você faz um bom projeto de reflorestamento, o que se mede não é o índice de sobrevivência do que você plantou, mas quanto de regenerantes espontâneos têm no local."

Mudas de palmito juçara em breve estarão espalhadas pelo sítio. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Marcelo nem se interessa em responder quantas árvores existem no seu sítio. Ele sabe que são pelo menos 250 espécies, sendo 210 nativas de Mata Atlântica. Para se ter ideia, é quatro vezes mais do que a biodiversidade da Europa inteira. "Tem um ditado interessante que vai além daquele que diz que você colhe o que planta. Na verdade, você colhe o que você cuida. E é isso que tenho colhido nesses 30 anos." 

Nível do Cantareira

A cota máxima da represa Jaguari-Jacareí é de 844 metros acima do nível do mar. Desde 2011 que ela não atinge esse índice. O mês de junho é ainda o início da seca na região. Segundo Marcelo, a capacidade no momento está em 837 metros. E alerta que é preciso ficar atento para que não ocorra nova crise hídrica, como em 2014.

Represa está em nível mais baixo do que no mesmo período da crise hídrica de 2014. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Na ocasião, o local onde Marcelo e sua família vivem secou completamente. "E quando aconteceu a crise, nesse período, tinha mais água do que tem hoje", lembra o músico. O que serve para tranquilizar um pouco é que atualmente há uma estrutura maior para evitar o desabastecimento.

"Claro, temos que lembrar que o principal não foi feito, que é plantar mais árvores e aumentar o volume de água dos atuais afluentes dessa bacia. Mas a Sabesp está tirando menos água atualmente", conta. 

Ele lembra que no período da crise a Sabesp tirava 36 metros cúbicos de água diariamente. Por isso secou. "Hoje, o cálculo é baseado na quantidade de chuva do mês anterior. Então, ela está tirando no momento cerca de 22 metros cúbicos de água, um terço a menos". 

Marcelo ao lado da esposa Renata; ao fundo uma grumixama, a cereja brasileira. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Por meio de nota, a Sabesp informou que, nesta sexta-feira, o Sistema Integrado da Região Metropolitana de São Paulo, envolvendo 155 reservatórios e 10 áreas de interligações, opera com 54,5% da capacidade, nível similar, por exemplo, aos 55% de 2018, quando não houve problemas no abastecimento. 

"Importante destacar que a queda no nível das represas é normal nesta época do ano devido ao período de estiagem e ao volume baixo de chuvas. A projeção da Sabesp aponta níveis satisfatórios para passar pela estiagem (até setembro), mas a Companhia reforça a necessidade de uso consciente da água por todos, em qualquer época do ano."

A Sabesp informou ainda que desde a crise hídrica de 2014, realiza obras na região e destacou a Interligação Jaguari-Atibainha que traz água da bacia do Rio Paraíba do Sul para o Cantareira. O Rio Paraíba do Sul abastece o Rio de Janeiro.

A Sabesp mantém o Programa Cinturão Verde dos Mananciais Metropolitanos, que integra o Programa Nascentes do Governo do Estado de São Paulo e já promoveu o plantio de 844 mil árvores nos últimos cinco anos. Sua atuação está concentrada em quatro sistemas de abastecimento: Cantareira, Alto Cotia, Rio Claro e Fazenda Capivari (área de Proteção Ambiental Capivari-Monos que faz parte do Guarapiranga).

Em relação ao reflorestamento da mata ciliar, a Sabesp disse que, somente no Sistema Cantareira, o índice de cobertura vegetal saltou de 61%, na década de 1980, para 79,6% em 2020. "O programa foi reconhecido internacionalmente em premiação do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e destacada pelo WRI (World Resources Institute) como prática sustentável de soluções baseadas na natureza."

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