O Ibama fez uso parcial das informações de um laudo técnico elaborado por seus próprios servidores, com o objetivo de autorizar a compra emergencial, e sem licitação, de 20 mil litros de retardante de fogo a ser utilizado no Pantanal.
O Estadão apurou que, nos últimos cinco dias, o plano de compra do material percorreu diversos departamentos administrativos do Ibama, com a finalidade de obter a liberação para a compra sem concorrência pública. Os pareceres favoráveis à aquisição se basearam em um parecer técnico de junho de 2018. Esse documento traz a afirmação de que os estudos do produto apresentados pelo fabricante “indicam que o produto é biodegradável e apresenta baixa toxicidade para seres humanos e para algumas espécies representativas do ecossistema aquático”.
O Ibama ignora outras afirmações deste mesmo documento, que chama a atenção para riscos, medidas preventivas, necessidades de testes e falta de regulação no País, por se tratar de produtos “cujos dados sobre a ecotoxicidade ainda são incipientes”.Depois de afirmar que os agentes só devem utilizar o retardante apenas em último caso, quando outros meios de combate a incêndios forem ineficientes”, o parecer traz uma lista de precauções. A principal delas pede para “instituir a suspensão do consumo de água, pesca, caça e consumo de frutas e vegetais na região exposta ao produto pelo prazo de 40 dias, considerando que os produtos se degradam em cerca de 80-90% em 28 dias”.
Consta no documento o pedido para que, em caso de aplicação do produto em terras indígenas ou próximo a locais populosos, que a população local seja informada “sobre os possíveis riscos do consumo de água e alimentos provenientes do local nos 40 dias seguintes à aplicação do retardante de chamas”. O Ministério do Meio Ambiente e o Ibama não informaram se essa comunicação prévia foi feita.
Outra recomendação pede para evitar aplicação do produto em Áreas de Preservação Permanente (APPs), “reduzindo assim o risco de contaminação de ecossistemas aquáticos e de possíveis locais para captação de água ou pesca para consumo humano”. O Parque da Chapada dos Veadeiros, por exemplo, é uma região marcada por uma infinidade de APPs, com rios e cachoeiras que se espalham por toda a região.
O documento também é claro em recomendar que se realize o georreferenciamento de todos os locais onde o retardante de chama for aplicado, com data da aplicação, quantidade de produto utilizada, tamanho da área aplicada (em hectares).
Se o Ibama aplicar o que seu próprio corpo técnico pede, terá de “promover o monitoramento dos locais georreferenciados por seis meses, pelo menos, de forma a identificar algum dano ambiental decorrente da aplicação do retardante de chama”, além de fazer a “análise química para investigar os teores do retardante em matrizes ambientais, tais como água superficial, solo, sedimento, peixes e frutas, com coletas realizadas após 30 dias da aplicação do produto”.
Ao ignorar todas essas recomendações de seus próprios técnicos, o Ibama afirmou que “referem-se a informações gerais, e foram elaboradas numa análise em abstrato”. O órgão não informou por que algumas das afirmações do laudo são objetivas e claras para o propósito de compra do produto, mas outros seriam “abstratas”.
O órgão afirmou que, com base em “informações técnicas”, “considerou-se que o produto Fire Limit apresenta um perfil pouco tóxico ao meio ambiente e à saúde humana, como apontado no parecer citado, além de ser pouco persistente, ou seja, degradar-se rapidamente, e não ter em sua composição substâncias que trazem preocupação ao meio ambiente, como Poluentes Orgânicos Persistentes e metais pesados”.
“Na época, o Ibama estabeleceu recomendações gerais em um contexto em que não se havia definido que produto seria usado e nem em que locais com exatidão”, afirmou.