Quase um quarto (23%) do território nacional queimou pelo menos uma vez nos últimos 39 anos, segundo dados do MapBiomas Fogo divulgados nesta terça-feira, 18. Os incêndios atingiram 199 milhões de hectares entre 1985 e 2023, e dois terços da área afetada foi de vegetação nativa.
Só no ano passado, a área queimada no país foi de 16 milhões de hectares ou 22 milhões de campos de futebol. O MapBiomas reúne ONGs, universidades e empresas de tecnologia.
A iniciativa também divulgou os Estados e municípios mais afetados durante estas quatro décadas:
A maior parte (65%) da área atingida pelo fogo no País pegou fogo mais de uma vez. Segundo Vera Arruda, pesquisadora do IPAM e integrante do MapBiomas Fogo, regiões que já queimaram se tornam mais propensas a pegar fogo novamente, criando um ciclo de degradação.
Ela explica que a queimada ainda é uma ferramenta muito presente em parte da agropecuária, usada para “limpar” o pasto e para converter florestas em áreas para lavouras e criação de animais.
Mas o fogo muitas vezes excede a área prevista e provoca incêndios florestais de grandes proporções, cenário que tem se tornado mais comum com as secas mais severas e prolongadas causadas pelo aquecimento global.
Fenômenos como o El Niño - que influenciou o clima desde meados de 2023 e se encerrou faz poucas semanas - também tendem a agravar a estiagem e facilitar incêndios. No ano passado, a Amazônia enfrentou uma seca recorde, o que atrapalhou a navegação, ajudou a espalhar queimadas e expôs a dificuldade do poder público em combater o problema.
Já nas últimas semanas, o Pantanal tem visto um crescimento de focos de chamas, o que mobilizou autoridades e especialistas. A alta ainda não está próxima do que foi registrado em 2020, quando o bioma teve devastação recorde.
Cerrado queimou com maior recorrência
Bioma mais desmatado em 2023, o Cerrado foi campeão em área queimada de forma recorrente no período. Embora essa vegetação seja mais “acostumada” a queimadas naturais e controladas, a frequência e intensidade com que elas vêm ocorrendo superam a capacidade de regeneração do ecossistema.
De acordo com o MapBiomas, os números indicam que a expansão descontrolada da agropecuária em algumas regiões e uso indevido de queimadas têm alterado seu regime natural de fogo. Outra consequência é a mudança do ciclo hidrológico, o que pode pode atrapalhar o próprio agronegócio, um dos principais motores da economia do País nos últimos anos.
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Já na Amazônia, ainda que a área afetada seja proporcionalmente menor, é preciso considerar que a floresta não é adaptada ao fogo. Ao contrário, é extremamente sensível a ele, que produz alto impacto e grande perda de biodiversidade.
“Os incêndios deveriam ser eventos raros na Amazônia, mas não é isso que a gente vê”, diz a coordenadora do MapBiomas Fogo, Ane Alencar. Segundo ela, o tempo de recuperação da floresta depois de um incêndio é mais lento e pode levar até um século.
Além do efeito negativo na fauna e flora, as queimadas aumentam as emissões de gases de efeito estufa, um obstáculo para o compromisso internacional do país em reduzir emissões. O desmate é a principal fonte de poluição atmosférica do Brasil - diferentemente dos países desenvolvidos, que têm no uso de combustíveis fósseis o principal vilão.
Pantanal teve maior área proporcional queimada
A área atingida por queimadas no Pantanal, de 9 milhões, equivale a 10% das áreas queimadas no Cerrado e 4,5% do total nacional, mas corresponde a 59% da extensão do bioma, espalhado pelos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
O Pantanal foi, proporcionalmente, o mais queimado entre os biomas brasileiros – não à toa, um dos três municípios que mais sofreram com o fogo está nele. Somente em 2023, registrou mais de 600 mil hectares queimados.
É também o bioma que apresenta as maiores “cicatrizes”, nome dado pelo MapBiomas à área afetada por uma única ocorrência de fogo. Predominam no Pantanal queimadas em áreas de 10 mil a 50 mil hectares. No caso do Cerrado, 20% das áreas queimadas têm entre mil e 5 mil hectares.
De acordo com a coordenadora do MapBiomas Fogo, Ane Alencar, os incêndios devastadores registrados no bioma em anos recentes estão relacionados ao tipo de vegetação campestre, em que o fogo encontra menos barreiras para se espalhar, principalmente na época de seca.
Mas também tem ligação ao uso do fogo no manejo das pastagens mesmo no período de estiagem, o que deveria ser evitado:
“O uso do fogo para reduzir a quantidade de material combustível acumulado nas áreas de capim nativo é importante, mas tem de ser feito em período de menor risco. Agora, por exemplo, o Pantanal está muito seco e que qualquer fogo que comece na paisagem pode virar um grande incêndio”, alerta.
“Se não tiver quem risca o fósforo, não vai ter fogo. Nesse momento em que a paisagem está muito inflamável, reduzir o uso do fogo é a melhor estratégia de prevenção contra os incêndios.”