“Ao batermos o martelo, temos o mais importante acordo ambiental multilateral internacional desde Paris, o que pode ser transformador”, afirmou Inger Andersen, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em Nairóbi no início de março. A decisão tomada na época, durante a Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, ganhou adjetivos como “monumental” e “histórica”. A partir de agora, os países têm a missão de colocar em pé um instrumento jurídico vinculante até 2024, um prazo ousado, para tentar acabar com a poluição por plástico no mundo.
É uma decisão que coloca o problema totalmente na berlinda, a partir de diagnósticos que não param de escancarar o quão nocivo os plásticos estão sendo para o meio ambiente e para a vida marinha. As pesquisas mostram que todos os ambientes da Terra já estão contaminados. Desde o alto do Everest até as zonas mais profundas dos oceanos. As estimativas dão conta de que 11 milhões de toneladas de plástico, sob as mais variadas formas, emporcalham o ambiente marinho todos os anos. Se nada for feito, e rápido, em 2040 poderão ser aproximadamente 30 milhões de toneladas.
Se a resolução aprovada no âmbito da ONU pode trazer soluções como um tratado internacional, assim como ocorreu com o Acordo de Paris para o clima, existem várias outras instâncias, como o setor privado, os governos locais e os próprios consumidores que precisam agir em suas áreas de influência. No âmbito nacional, por exemplo, uma pesquisa recém divulgada mostra com precisão que a quantidade de plástico que chega até os oceanos é apenas o resultado de uma série de problemas que ocorrem em toda a cadeia de produção, consumo e descarte de produtos.
“O nosso diagnóstico mostra que a principal origem da poluição marinha causada pelos resíduos sólidos, dos quais praticamente metade são plásticos, são as falhas estruturais que ainda existem na gestão de resíduos nas cidades, como a baixa cobertura de coleta, a destinação inadequada em lixões e as ineficiências na coleta seletiva e reciclagem”, afirma Carlos Silva Filho, diretor presidente da ABRELPE (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) e presidente da ISWA (International Solid Waste Association).
Vários estudos, entretanto, mostram que mesmo que todas as cidades do mundo tenham uma reciclagem exemplar – algo muito distante da realidade em se tratando de Brasil – os plásticos vão continuar a ir para o meio ambiente e para os oceanos. “É preciso que ocorra uma mudança de foco. Os plásticos que chegam nos oceanos são apenas uma consequência. Precisamos pensar o que vem antes”, afirma Thaís Vojvodic, gerente da rede de Pacto dos Plásticos, atrelada à Fundação Ellen MacArthur do Reino Unido.
Na visão da especialista, dentro do escopo da economia circular, uma das soluções está no investimento em um novo tipo de design para embalagens e produtos em geral. “Alguns tipos de plástico, nesta área, não deveriam nem existir. São itens problemáticos mesmo. Os plásticos não podem entrar todos no mesmo balde. Temos de separar, de início, os recicláveis dos não recicláveis”, afirma a especialista.
Além da eliminação do uso desnecessário do plástico, a reutilização das embalagens, em vez da utilização de recipientes de uso único, é um dos pilares da transformação cultural que os especialistas defendem para diminuir a circulação de plástico pelo mundo. A reciclagem entraria em último caso, quando não for mais possível evitar o uso de matérias-primas poluidoras. “A União Europeia já está prestes a implantar uma lei que vai taxar as empresas que não usarem apenas plásticos recicláveis em suas linhas de produção”, explica Thais.
Estudos encampados pela Fundação Ellen MacArthur reúnem várias iniciativas interessantes pelo mundo, seja do setor privado, do poder público ou do terceiro setor voltados para a implantação dos conceitos da economia circular. A plataforma chilena Algramo é uma delas. “A ideia é que o consumidor seja o dono da embalagem, que pode ser reutilizada para receber novamente o mesmo produto”, explica Thais.
Por meio de uma tecnologia embarcada em várias estações de recarregamento nas cidades, em Santiago ou outras grandes localidades mundiais onde a startup já tem contratos, os consumidores podem, por exemplo, encher novamente o mesmo galão usado para produtos de limpeza ou uma caixa de armazenamento de ração animal. A possibilidade de usos, segundo a empresa, são bastante variados.
Enquanto o setor privado encaminha soluções para tentar baixar a geração da poluição, o trabalho na outra ponta da cadeia também é fundamental. Os resultados obtidos desde 2008 pelo Instituto Ecofaxina mostram como o trabalho de quem se compromete a combater a poluição nos mares e rios do Brasil é árduo. As ações voluntárias desencadeadas pela equipe da ONG criada em Santos (SP) já reuniu, ao longo do tempo, mais de 3 mil pessoas. No total, quase 63 mil quilos de resíduos sólidos foram coletados de regiões como praias e mangues. É um peso equivalente ao de uma baleia cachalote com o seu filhotes no útero. De todo este material coletado, 67% é de origem plástica.
O fim da poluição por plásticos, a partir da tríade eliminação (dos plásticos necessários), circulação (dos produtos que forem realmente inevitáveis) e inovação (como o desenvolvimento de produtos que nem de embalagem precisam), só vai dar certo, além de uma concertação robusta a favor da causa, se houver investimento em iniciativas positivas. “No caso da Europa, a responsabilidade pelas embalagens colocadas no mercado é da própria indústria. Ela não é compartilhada com o poder público como ocorre no Brasil”, segundo Thais. Na nova economia do plástico, esse desenho de compartilhamento como o brasileiro, onde cabe aos governos aplicarem parte dos recursos para a solução de problemas, tende a retardar a implementação de soluções.