E se nas praças fossem plantados coentro, salsinha, alface, rúcula, berinjela e pimenta no lugar de bromélias, amarantas, dracenas e rosas? É a partir dessa ideia que Maricá, no Rio de Janeiro, a cerca de 60 km capital fluminense, desenvolveu os chamados “jardins comestíveis”, iniciativa que tem por objetivo não só fornecer alimentos orgânicos de graça para os moradores, mas aproximá-los do debate e de ações que envolvem práticas de agricultura urbana, alimentação saudável, segurança alimentar, redução de resíduos e sustentabilidade.
A primeira praça foi inaugurada em 2020 e a ideia foi inspirada em um aeroporto desativado na Alemanha que virou uma área de plantio. Ao todo, fazem parte do projeto duas praças (Araçatiba e Flamengo), cinco hortas urbanas (Guaratiba, São José do Imbassaí, Parque Nanci, Itapeba e Bambuí) e uma fazenda municipal. São em média duas colheitas por mês, às sextas-feiras, que somam 15 toneladas por ano, segundo dados da Secretaria de Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento de Maricá.
Os moradores ficam sabendo o que será colhido e distribuído nos canais oficiais da prefeitura e também no boca a boca. Entre os 280 itens produzidos, dá para levar para casa alface, rúcula, rabanete, chicória, couve, manjericão, aipim, canela, acelga, guandu, capim limão etc. Também é possível pegar mudas e sementes e participar de oficinas que ensinam a criar e manter uma horta em casa.
A moradora de Maricá, Patrícia da Costa Silva, de 44 anos, conta que antes do projeto “não sabia plantar nada, nem salsa” e agora tem sua própria horta no quintal com, além de salsa, cebolinha, orégano, tomilho, açafrão, manjerona, alecrim, chuchu e batata doce: “Tenho um pouco de cada coisa. Antes tinha que comprar tudo [no mercado], hoje é outra vida, outro estilo de vida, nada de veneno”.
Ela também participa de outra iniciativa da prefeitura vinculada aos jardins comestíveis, o chamado “Baldinho do Bem”, um programa de agricultura urbana circular que incentiva a compostagem e tem 1.300 cadastrados. Quem topa participar do projeto leva para casa um balde plástico que depois é devolvido com resíduos orgânicos para virar adubo na produção de mais alimentos orgânicos nas praças e hortas.
Essa é uma oportunidade, segundo a secretária da Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento de Maricá, Mariana Principe, para incentivar a circulação alimentar com conversas e oficinas sobre a importância de redução de lixo orgânico, alimentação saudável e práticas sustentáveis. “O projeto do baldinho tem um ano e meio e, neste período, já foram coletadas 10 toneladas de resíduos orgânicos”, afirma Mariana.
Uma cidade para além dos royalties
Maricá tem 197,3 mil habitantes, segundo dados do Censo de 2022, e é um dos municípios mais ricos do Brasil. Está em primeiro lugar no ranking das cidades que mais arrecadaram royalties em 2023, cerca de R$ 2,4 bilhões, que correspondem a 13,26% do total distribuído para os municípios, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
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Mas, como essa riqueza não é infinita, é preciso projetar a cidade para além dos royalties, como explica João Araújo, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), aliando desenvolvimento social, econômico, ambiental e sustentável. Ele é um dos responsáveis pela transformação das experiências agroecológicas do município em política pública e hoje coordena dois projetos em parceria da universidade com a Companhia de Desenvolvimento de Maricá (Codemar): o Inova Agroecologia Maricá, de pesquisa e inovação em agroecologia, e o Farmacopeia Mari’ká, de cultivo e pesquisa de plantas medicinais.
“A gente acredita que a agroecologia é o caminho para os municípios. A referência não é um município rico que está num eixo de produção de soja e milho, por exemplo, mas a quase totalidade dos municípios que dependem de verba e repasses do governo federal [como é o caso de Maricá]”, defende Araújo. E complementa: “A característica de Maricá é como a de muitas outras cidades. Qual é a área que se tem para cultivar? São fundos de quintais, pequenos lotes, pequenos sítios, terrenos baldios. Então, tentamos recuperar essas áreas para a microprodução”.
E a multiplicação dessas pequenas áreas também tem por objetivo, segundo ele, trazer inovação e tecnologia a Maricá, outro pilar importante dos projetos agroecológicos da cidade para a produção de alimentos de valor agregado. “Não vamos produzir arroz como o Rio Grande do Sul, mas vamos produzir arroz vermelho, arroz preto, soja verde para comer como ervilha, variedades de batata-doce, de pitaya, de cana-de-açúcar”, diz o professor. Iniciativas que também contribuem para o desenvolvimento do turismo gastronômico na cidade.
Hortas urbanas como política pública
A experiência dos “jardins comestíveis”, que está inserida em uma política pública agroecológica mais ampla de Maricá, colocou a cidade na rota internacional dos projetos sustentáveis de segurança alimentar com a adesão, em março de 2022, ao Pacto de Milão, fórum mundial que reúne prefeituras pelo mundo comprometidas com políticas voltadas à segurança alimentar, sustentabilidade e questões climáticas.
Juliana Tângari, diretora do Instituto Comida do Amanhã, um think tank sem fins lucrativos que apoia a transição para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis, diz que um dos principais impactos das hortas urbanas de Maricá está na educação alimentar e nutricional. “Estamos falando de uma agricultura urbana que é agroecológica por princípio, ou seja, não só se produz perto do consumidor, mas de uma maneira absolutamente sustentável e com respeito aos ciclos da natureza, aos limites planetários”, explica.
Outro ponto, segundo ela, é a conscientização do uso do espaço urbano, “do direito de cada cidadão a ‘usar’ a cidade, a plantar na cidade, a ter espaços públicos funcionais e que sejam utilizados para questões críticas a uma vida mais saudável e harmônica com a natureza, como é a alimentação saudável, a compostagem e a educação ambiental”.
Juliana ressalta ainda a importância de iniciativas como as das hortas urbanas virarem política pública, construída em parceria com a sociedade civil, e com metas claras, equipe dedicada, garantia de orçamento, transparência e formas de monitoramento. “Aí sim temos garantia de escala e perenidade, uma intervenção pública de fato vetorizada para a soberania alimentar”, afirma a diretora do instituto.