Jayme Roso fez do seu sítio uma reserva ambiental que hoje serve de habitat para centenas de animais


Advogado reflorestou uma área de 850 mil metros quadrados na zona sul de São Paulo e fez do local uma RPPN (Reserva Privada do Patrimônio Natural)

Por João Prata
Atualização:

Quando o advogado Jayme Vita Roso, 87 anos, comprou as primeiras terras às margens da Rodovia dos Imigrantes, era tudo mato. A região na divisa das cidades de São Paulo e São Bernardo, no final dos anos 60, estava sendo loteada. Era um brejo, uma área alagada, que ainda não tinha nem luz elétrica. Ainda sem o menor conhecimento ambiental, Jayme se incomodou com o desmatamento e decidiu reflorestar à sua maneira. 

Por trabalhar em empresas multinacionais, aproveitava a viagem a diferentes países para trazer na mala sementes das mais diversas. A Maple Tree, do Canadá, e um Pinheiro, do Japão, imensos, podem ser vistos próximos à sede do sítio até hoje. Mas eram outros tempos, ele ainda não sabia da importância de plantar somente espécies nativas - que também plantou aos milhares, diga-se. No final das contas, o sonho se realizou. Jayme foi comprando mais terras no entorno e criou uma floresta em uma área de 850 mil metros quadrados, o equivalente a 750 campos de futebol, que se tornou habitat de centenas de espécies de aves, tatus, cobras, antas, gatos e cachorros do mato e até onça. 

Jayme Roso com as filhas Vera (agachada) e Ana na soltura de uma coruja-orelhuda. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Desde 1995, o Sítio Curucutu é reconhecido como RPPN (Reserva Privada do Patrimônio Natural), um certificado do governo federal no qual os donos assumem a responsabilidade de manter a preservação da natureza, de proteger os recursos hídricos, de auxiliar no manejo e de colaborar no desenvolvimento de pesquisas científicas, entre vários outros serviços ambientais.

A Secretaria do Verde e Meio Ambiente do Município de São Paulo tem, há três anos, o sítio como um dos pontos de soltura de animais apreendidos. O Estadão visitou as terras da família Roso em um desses dias. Por causa da pandemia, fazia mais de ano que Jayme não aparecia no local. Os 87 anos, no entanto, não o impediram de caminhar pelo terreno irregular e ajudar a libertar 27 aves, entre elas uma coruja-orelhuda, espécie típica da região cujo canto é a onomatopeia que batiza o sítio.

Sítio Curucutu tem área de 85 hectares e desde 1995 é uma RPPN (Reserva Privada do Patrimônio Natural). Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

"Não tenho palavras para descrever o que representa tudo isso. É um sonho. Quando cheguei não tinha luz. Eu trouxe os tratores e financiei do meu bolso toda estrutura para levar os fios e postes por toda a região. Consegui realizar 90% do que imaginava. Os 10% restantes agora são responsabilidade das minhas filhas", celebra Jayme.

A ação transformadora para a região no extremo sul de São Paulo rendeu a Jayme, em 2004, o título de Cidadão Emérito da cidade de São Paulo, homenagem feita pela Câmara Municipal. Na região, ele ficou bastante conhecido, especialmente pelos moradores mais antigos, como os indígenas da aldeia vizinha ao seu sítio. 

Imagem do sítio na década de 70, quando era tudo mato. Foto: Divulgação/ Acervo

Sob nova direção

O sítio atualmente é administrado pelas filhas Ana e Vera. Elas são as responsáveis por plantar, agora, somente mudas de árvores nativas de Mata Atlântica e por repensar o sítio para se tornar viável financeiramente. Dentro de uma RPPN é permitido promover o ecoturismo, realizar o plantio sustentável, além de promover atividades educativas, desde que sejam autorizadas pelo órgão ambiental responsável. As duas ainda buscam a melhor forma de arrecadação - ainda hoje Jayme arca sozinho com todas as despesas.

A mais velha, Vera Roso, 63 anos, largou a profissão de professora em 2011 para se dedicar ao sítio. "O herbário e a fauna de São Paulo vieram mapear a região em 2019. Acharam uma espécime de árvore que não era registrada desde 1940. Aqui viram como o projeto de preservação era levado a sério e começaram a utilizar o espaço para libertação de animais."

Vera se dedica a cuidar do sítio desde 2011. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Segundo Vera, já foram soltos em seu sítio corujas de tipos diferentes, tucanos, gambás e cobras. "Muitos são frutos do tráfico, chegam em situações horrorosas de sofrimento e se recuperam. Mas tem também entrega voluntária, fruto de apreensões", acrescenta.

A mais nova, Ana, 57 anos, deixou o trabalho como marchand há três. "Durmo aqui, me envolvo no dia a dia e também me preocupo em relação à comunidade do entorno. Temos três funcionários que moram aqui, são funcionários registrados. Eles vivem em pontos estratégicos para evitar invasões e também fazer a manutenção do espaço", explica.

Ana ajuda na administração do sítio há três anos. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

O processo de soltura

A veterinária Alice Soares de Oliveira trabalha na divisão da fauna da Secretaria do Verde há 11 anos. É ela quem geralmente faz as solturas no sítio junto com o biólogo Guilherme Garcia Festa. Os dois chegaram ao Sítio Curucutu em uma caminhonete cheia de caixas na caçamba, cobertas por uma lona. 

Irerê foi solto em um dos cinco açudes construídos por Jayme. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Cada um dos 27 bichos que estavam lá dentro tinha uma ficha com todos os detalhes desde o resgate. A coruja que Jayme soltou, por exemplo, foi encontrada por um morador da cidade de Avaré, interior de São Paulo, em outubro do ano passado e entregue à secretaria há dois meses. A ave foi achada no asfalto, enrolada em uma linha de pipa no chão, uma ocorrência comum. Estava em boas condições, foi mantida pelo morador à base de carne de patinho e água. Quando chegou ao pessoal da divisão de fauna, precisou apenas tratar de uma lesão no olho.

"Do que a gente recebe, 90% são aves que vêm a partir de agravos, com traumas, que podem ser por colisão de pipa, predação por animal doméstico e eletrocução, neste caso, principalmente, os primatas. As pessoas ligam no 153 ou acionam a Guarda Civil Ambiental, que transporta até a gente", conta Alice. 

Alice, veterinária, e Guilherme, biólogo, trabalham na Secretaria do Verde e do Meio Ambiente de SP. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Mas também tem casos mais graves como os pássaros pretos, que também foram soltos no sítio. Eles foram encontrados em um cativeiro clandestino próximo ao Pico do Jaraguá. "Resgatamos 115 aves. O local estava abandonado, havia 50 aves mortas e um mau cheiro insuportável."

Os bichos recuperados são avaliados por veterinários assim que resgatados. São feitos diversos tipos de exames e o tratamento. Recebendo alta, as aves recebem uma anilha, uma pulseira com identificação. Répteis e mamíferos são chipados. O passo seguinte é a reabilitação em cativeiro. É quando alguns bichos que vivem em bando são reagrupados, quando se espera que cresça o empenamento das aves e quando se analisa se o animal terá condições de ser solto.

Jayme foi responsável também pela chegada da luz elétrica em toda região. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Monitoramento

O sítio tem atualmente cinco câmeras espalhadas pelo território para monitorar os animais. "Temos o orgulho de ter gambás, tatus, veado, anta e, outro dia, registramos uma espécie mais rara, que são as onças", conta Vera. 

A expectativa de Jayme é que todos comecem a olhar com um pouco mais de cuidado para a região, que é bastante pobre. "É importante os governantes observarem com mais cuidado toda essa movimentação. Queria que dessem uma olhada nessa zona que é extremamente pobre, e agora piorou em razão da pandemia. Que todos abrissem mão um pouco de seus benefícios e doassem mais seu tempo para olhar para essa região, que é rica em fauna e flora, mas está cada vez mais ameaçada", encerrou.

Quando o advogado Jayme Vita Roso, 87 anos, comprou as primeiras terras às margens da Rodovia dos Imigrantes, era tudo mato. A região na divisa das cidades de São Paulo e São Bernardo, no final dos anos 60, estava sendo loteada. Era um brejo, uma área alagada, que ainda não tinha nem luz elétrica. Ainda sem o menor conhecimento ambiental, Jayme se incomodou com o desmatamento e decidiu reflorestar à sua maneira. 

Por trabalhar em empresas multinacionais, aproveitava a viagem a diferentes países para trazer na mala sementes das mais diversas. A Maple Tree, do Canadá, e um Pinheiro, do Japão, imensos, podem ser vistos próximos à sede do sítio até hoje. Mas eram outros tempos, ele ainda não sabia da importância de plantar somente espécies nativas - que também plantou aos milhares, diga-se. No final das contas, o sonho se realizou. Jayme foi comprando mais terras no entorno e criou uma floresta em uma área de 850 mil metros quadrados, o equivalente a 750 campos de futebol, que se tornou habitat de centenas de espécies de aves, tatus, cobras, antas, gatos e cachorros do mato e até onça. 

Jayme Roso com as filhas Vera (agachada) e Ana na soltura de uma coruja-orelhuda. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Desde 1995, o Sítio Curucutu é reconhecido como RPPN (Reserva Privada do Patrimônio Natural), um certificado do governo federal no qual os donos assumem a responsabilidade de manter a preservação da natureza, de proteger os recursos hídricos, de auxiliar no manejo e de colaborar no desenvolvimento de pesquisas científicas, entre vários outros serviços ambientais.

A Secretaria do Verde e Meio Ambiente do Município de São Paulo tem, há três anos, o sítio como um dos pontos de soltura de animais apreendidos. O Estadão visitou as terras da família Roso em um desses dias. Por causa da pandemia, fazia mais de ano que Jayme não aparecia no local. Os 87 anos, no entanto, não o impediram de caminhar pelo terreno irregular e ajudar a libertar 27 aves, entre elas uma coruja-orelhuda, espécie típica da região cujo canto é a onomatopeia que batiza o sítio.

Sítio Curucutu tem área de 85 hectares e desde 1995 é uma RPPN (Reserva Privada do Patrimônio Natural). Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

"Não tenho palavras para descrever o que representa tudo isso. É um sonho. Quando cheguei não tinha luz. Eu trouxe os tratores e financiei do meu bolso toda estrutura para levar os fios e postes por toda a região. Consegui realizar 90% do que imaginava. Os 10% restantes agora são responsabilidade das minhas filhas", celebra Jayme.

A ação transformadora para a região no extremo sul de São Paulo rendeu a Jayme, em 2004, o título de Cidadão Emérito da cidade de São Paulo, homenagem feita pela Câmara Municipal. Na região, ele ficou bastante conhecido, especialmente pelos moradores mais antigos, como os indígenas da aldeia vizinha ao seu sítio. 

Imagem do sítio na década de 70, quando era tudo mato. Foto: Divulgação/ Acervo

Sob nova direção

O sítio atualmente é administrado pelas filhas Ana e Vera. Elas são as responsáveis por plantar, agora, somente mudas de árvores nativas de Mata Atlântica e por repensar o sítio para se tornar viável financeiramente. Dentro de uma RPPN é permitido promover o ecoturismo, realizar o plantio sustentável, além de promover atividades educativas, desde que sejam autorizadas pelo órgão ambiental responsável. As duas ainda buscam a melhor forma de arrecadação - ainda hoje Jayme arca sozinho com todas as despesas.

A mais velha, Vera Roso, 63 anos, largou a profissão de professora em 2011 para se dedicar ao sítio. "O herbário e a fauna de São Paulo vieram mapear a região em 2019. Acharam uma espécime de árvore que não era registrada desde 1940. Aqui viram como o projeto de preservação era levado a sério e começaram a utilizar o espaço para libertação de animais."

Vera se dedica a cuidar do sítio desde 2011. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Segundo Vera, já foram soltos em seu sítio corujas de tipos diferentes, tucanos, gambás e cobras. "Muitos são frutos do tráfico, chegam em situações horrorosas de sofrimento e se recuperam. Mas tem também entrega voluntária, fruto de apreensões", acrescenta.

A mais nova, Ana, 57 anos, deixou o trabalho como marchand há três. "Durmo aqui, me envolvo no dia a dia e também me preocupo em relação à comunidade do entorno. Temos três funcionários que moram aqui, são funcionários registrados. Eles vivem em pontos estratégicos para evitar invasões e também fazer a manutenção do espaço", explica.

Ana ajuda na administração do sítio há três anos. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

O processo de soltura

A veterinária Alice Soares de Oliveira trabalha na divisão da fauna da Secretaria do Verde há 11 anos. É ela quem geralmente faz as solturas no sítio junto com o biólogo Guilherme Garcia Festa. Os dois chegaram ao Sítio Curucutu em uma caminhonete cheia de caixas na caçamba, cobertas por uma lona. 

Irerê foi solto em um dos cinco açudes construídos por Jayme. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Cada um dos 27 bichos que estavam lá dentro tinha uma ficha com todos os detalhes desde o resgate. A coruja que Jayme soltou, por exemplo, foi encontrada por um morador da cidade de Avaré, interior de São Paulo, em outubro do ano passado e entregue à secretaria há dois meses. A ave foi achada no asfalto, enrolada em uma linha de pipa no chão, uma ocorrência comum. Estava em boas condições, foi mantida pelo morador à base de carne de patinho e água. Quando chegou ao pessoal da divisão de fauna, precisou apenas tratar de uma lesão no olho.

"Do que a gente recebe, 90% são aves que vêm a partir de agravos, com traumas, que podem ser por colisão de pipa, predação por animal doméstico e eletrocução, neste caso, principalmente, os primatas. As pessoas ligam no 153 ou acionam a Guarda Civil Ambiental, que transporta até a gente", conta Alice. 

Alice, veterinária, e Guilherme, biólogo, trabalham na Secretaria do Verde e do Meio Ambiente de SP. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Mas também tem casos mais graves como os pássaros pretos, que também foram soltos no sítio. Eles foram encontrados em um cativeiro clandestino próximo ao Pico do Jaraguá. "Resgatamos 115 aves. O local estava abandonado, havia 50 aves mortas e um mau cheiro insuportável."

Os bichos recuperados são avaliados por veterinários assim que resgatados. São feitos diversos tipos de exames e o tratamento. Recebendo alta, as aves recebem uma anilha, uma pulseira com identificação. Répteis e mamíferos são chipados. O passo seguinte é a reabilitação em cativeiro. É quando alguns bichos que vivem em bando são reagrupados, quando se espera que cresça o empenamento das aves e quando se analisa se o animal terá condições de ser solto.

Jayme foi responsável também pela chegada da luz elétrica em toda região. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Monitoramento

O sítio tem atualmente cinco câmeras espalhadas pelo território para monitorar os animais. "Temos o orgulho de ter gambás, tatus, veado, anta e, outro dia, registramos uma espécie mais rara, que são as onças", conta Vera. 

A expectativa de Jayme é que todos comecem a olhar com um pouco mais de cuidado para a região, que é bastante pobre. "É importante os governantes observarem com mais cuidado toda essa movimentação. Queria que dessem uma olhada nessa zona que é extremamente pobre, e agora piorou em razão da pandemia. Que todos abrissem mão um pouco de seus benefícios e doassem mais seu tempo para olhar para essa região, que é rica em fauna e flora, mas está cada vez mais ameaçada", encerrou.

Quando o advogado Jayme Vita Roso, 87 anos, comprou as primeiras terras às margens da Rodovia dos Imigrantes, era tudo mato. A região na divisa das cidades de São Paulo e São Bernardo, no final dos anos 60, estava sendo loteada. Era um brejo, uma área alagada, que ainda não tinha nem luz elétrica. Ainda sem o menor conhecimento ambiental, Jayme se incomodou com o desmatamento e decidiu reflorestar à sua maneira. 

Por trabalhar em empresas multinacionais, aproveitava a viagem a diferentes países para trazer na mala sementes das mais diversas. A Maple Tree, do Canadá, e um Pinheiro, do Japão, imensos, podem ser vistos próximos à sede do sítio até hoje. Mas eram outros tempos, ele ainda não sabia da importância de plantar somente espécies nativas - que também plantou aos milhares, diga-se. No final das contas, o sonho se realizou. Jayme foi comprando mais terras no entorno e criou uma floresta em uma área de 850 mil metros quadrados, o equivalente a 750 campos de futebol, que se tornou habitat de centenas de espécies de aves, tatus, cobras, antas, gatos e cachorros do mato e até onça. 

Jayme Roso com as filhas Vera (agachada) e Ana na soltura de uma coruja-orelhuda. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Desde 1995, o Sítio Curucutu é reconhecido como RPPN (Reserva Privada do Patrimônio Natural), um certificado do governo federal no qual os donos assumem a responsabilidade de manter a preservação da natureza, de proteger os recursos hídricos, de auxiliar no manejo e de colaborar no desenvolvimento de pesquisas científicas, entre vários outros serviços ambientais.

A Secretaria do Verde e Meio Ambiente do Município de São Paulo tem, há três anos, o sítio como um dos pontos de soltura de animais apreendidos. O Estadão visitou as terras da família Roso em um desses dias. Por causa da pandemia, fazia mais de ano que Jayme não aparecia no local. Os 87 anos, no entanto, não o impediram de caminhar pelo terreno irregular e ajudar a libertar 27 aves, entre elas uma coruja-orelhuda, espécie típica da região cujo canto é a onomatopeia que batiza o sítio.

Sítio Curucutu tem área de 85 hectares e desde 1995 é uma RPPN (Reserva Privada do Patrimônio Natural). Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

"Não tenho palavras para descrever o que representa tudo isso. É um sonho. Quando cheguei não tinha luz. Eu trouxe os tratores e financiei do meu bolso toda estrutura para levar os fios e postes por toda a região. Consegui realizar 90% do que imaginava. Os 10% restantes agora são responsabilidade das minhas filhas", celebra Jayme.

A ação transformadora para a região no extremo sul de São Paulo rendeu a Jayme, em 2004, o título de Cidadão Emérito da cidade de São Paulo, homenagem feita pela Câmara Municipal. Na região, ele ficou bastante conhecido, especialmente pelos moradores mais antigos, como os indígenas da aldeia vizinha ao seu sítio. 

Imagem do sítio na década de 70, quando era tudo mato. Foto: Divulgação/ Acervo

Sob nova direção

O sítio atualmente é administrado pelas filhas Ana e Vera. Elas são as responsáveis por plantar, agora, somente mudas de árvores nativas de Mata Atlântica e por repensar o sítio para se tornar viável financeiramente. Dentro de uma RPPN é permitido promover o ecoturismo, realizar o plantio sustentável, além de promover atividades educativas, desde que sejam autorizadas pelo órgão ambiental responsável. As duas ainda buscam a melhor forma de arrecadação - ainda hoje Jayme arca sozinho com todas as despesas.

A mais velha, Vera Roso, 63 anos, largou a profissão de professora em 2011 para se dedicar ao sítio. "O herbário e a fauna de São Paulo vieram mapear a região em 2019. Acharam uma espécime de árvore que não era registrada desde 1940. Aqui viram como o projeto de preservação era levado a sério e começaram a utilizar o espaço para libertação de animais."

Vera se dedica a cuidar do sítio desde 2011. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Segundo Vera, já foram soltos em seu sítio corujas de tipos diferentes, tucanos, gambás e cobras. "Muitos são frutos do tráfico, chegam em situações horrorosas de sofrimento e se recuperam. Mas tem também entrega voluntária, fruto de apreensões", acrescenta.

A mais nova, Ana, 57 anos, deixou o trabalho como marchand há três. "Durmo aqui, me envolvo no dia a dia e também me preocupo em relação à comunidade do entorno. Temos três funcionários que moram aqui, são funcionários registrados. Eles vivem em pontos estratégicos para evitar invasões e também fazer a manutenção do espaço", explica.

Ana ajuda na administração do sítio há três anos. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

O processo de soltura

A veterinária Alice Soares de Oliveira trabalha na divisão da fauna da Secretaria do Verde há 11 anos. É ela quem geralmente faz as solturas no sítio junto com o biólogo Guilherme Garcia Festa. Os dois chegaram ao Sítio Curucutu em uma caminhonete cheia de caixas na caçamba, cobertas por uma lona. 

Irerê foi solto em um dos cinco açudes construídos por Jayme. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Cada um dos 27 bichos que estavam lá dentro tinha uma ficha com todos os detalhes desde o resgate. A coruja que Jayme soltou, por exemplo, foi encontrada por um morador da cidade de Avaré, interior de São Paulo, em outubro do ano passado e entregue à secretaria há dois meses. A ave foi achada no asfalto, enrolada em uma linha de pipa no chão, uma ocorrência comum. Estava em boas condições, foi mantida pelo morador à base de carne de patinho e água. Quando chegou ao pessoal da divisão de fauna, precisou apenas tratar de uma lesão no olho.

"Do que a gente recebe, 90% são aves que vêm a partir de agravos, com traumas, que podem ser por colisão de pipa, predação por animal doméstico e eletrocução, neste caso, principalmente, os primatas. As pessoas ligam no 153 ou acionam a Guarda Civil Ambiental, que transporta até a gente", conta Alice. 

Alice, veterinária, e Guilherme, biólogo, trabalham na Secretaria do Verde e do Meio Ambiente de SP. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Mas também tem casos mais graves como os pássaros pretos, que também foram soltos no sítio. Eles foram encontrados em um cativeiro clandestino próximo ao Pico do Jaraguá. "Resgatamos 115 aves. O local estava abandonado, havia 50 aves mortas e um mau cheiro insuportável."

Os bichos recuperados são avaliados por veterinários assim que resgatados. São feitos diversos tipos de exames e o tratamento. Recebendo alta, as aves recebem uma anilha, uma pulseira com identificação. Répteis e mamíferos são chipados. O passo seguinte é a reabilitação em cativeiro. É quando alguns bichos que vivem em bando são reagrupados, quando se espera que cresça o empenamento das aves e quando se analisa se o animal terá condições de ser solto.

Jayme foi responsável também pela chegada da luz elétrica em toda região. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

Monitoramento

O sítio tem atualmente cinco câmeras espalhadas pelo território para monitorar os animais. "Temos o orgulho de ter gambás, tatus, veado, anta e, outro dia, registramos uma espécie mais rara, que são as onças", conta Vera. 

A expectativa de Jayme é que todos comecem a olhar com um pouco mais de cuidado para a região, que é bastante pobre. "É importante os governantes observarem com mais cuidado toda essa movimentação. Queria que dessem uma olhada nessa zona que é extremamente pobre, e agora piorou em razão da pandemia. Que todos abrissem mão um pouco de seus benefícios e doassem mais seu tempo para olhar para essa região, que é rica em fauna e flora, mas está cada vez mais ameaçada", encerrou.

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