A Política Nacional de Qualidade do Ar, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) neste mês, precisará de medidas importantes para sair do papel. Dados do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima mostram que faltam estações de monitoramento no País.
A pasta tenta dois caminhos para captar pelo menos R$ 120 milhões e construir essas estações e fazer cumprir a nova lei: a reversão de recursos oriundos de multas ambientais e o Fundo Amazônia. O ministério já submeteu projetos nas duas frentes ao Ibama e ao comitê do Fundo e aguarda o desenrolar do processo, que deve ocorrer ainda neste primeiro semestre.
Caso o dinheiro venha da reversão de multas ambientais, a ideia da pasta é que as empresas penalizadas construam essas estações de monitoramento da qualidade do ar e financiem o funcionamento das estruturas por dois anos, quando elas passarão a ser administradas pelos Estados. De acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima do ano passado, há 395 estações de monitoramento distribuídas em 16 unidades da federação. Os Estados que concentram maior número dessas estruturas são Rio de Janeiro (140), São Paulo (77) e Minas Gerais (57).
“Já temos sinalização positiva de algumas dessas empresas para poder avançar nesse sentido”, afirmou o secretário Nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental, Adalberto Maluf, ao Estadão.
Um estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), publicado em fevereiro, mostra que, considerando os padrões de monitoramento de qualidade do ar utilizados nos Estados Unidos, o Brasil precisaria construir pelo menos 46 novas estações de monitoramento para dar conta do serviço. Já se o padrão utilizado fosse o adotado na Europa, seria necessário ao menos 138 estações novas.
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A Política Nacional de Qualidade do Ar, aprovada pelo Congresso, prevê atribuições para a União e os Estados a fim de garantir um padrão de qualidade. No caso do governo federal, a política determina que o Executivo estabeleça prazos e metas de concentração de poluentes no ar por meio do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
“O ministério vai lançar um plano de ação nacional para melhorar a qualidade do ar com objetivos muito claros, que unem agendas de mudanças climáticas, qualidade do ar e saúde pública. Com debate bem amplo sobre como aperfeiçoar os instrumentos para lidar com episódios críticos. (Vamos) Classificar zonas do Brasil que atendem ou não os padrões de qualidade do ar e, assim, fazer a implementação dos planos de gestão junto com os Estados”, disse Maluf.
Antes da lei, em maio de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia determinado que o Conama formulasse em até dois anos os padrões de qualidade do ar no País, incluindo metas e prazos. O prazo dado pelo STF chega ao fim em setembro, considerando a data de publicação da decisão, e o conselho já se prepara para votar uma resolução.
Após diversas reuniões, com ambientalistas, órgãos ambientais e indústrias divergindo, o texto que se encaminha para aprovação prevê quatro padrões intermediários de qualidade do ar (PI1, PI2, PI3, PI4) e um padrão final (PF). A redação da resolução deve incluir prazos apenas para as três primeiras metas intermediárias, deixando o PI4 e o PF sem data, com definição posterior por meio de resolução.
A Política aprovada no Congresso determina, no entanto, que os dados sejam apresentados a partir de um índice, o “Índice de Qualidade do ar”. Nesse caso, a primeira faixa desse indicador será o valor fixado como padrão final (PF) pelo Conama.
Esses padrões de qualidade do ar são medidos para compostos considerados críticos para a poluição atmosférica e seus impactos não só no meio ambiente, mas também na saúde da população. São eles:
- Material Particulado (MP10);
- Material Particulado (MP 2,5);
- Dióxido de Enxofre (SO2);
- Dióxido de Nitrogênio (NO2);
- Ozônio (O3);
- fumaça;
- Monóxido de Carbono (CO);
- Partículas Totais em Suspensão (PTS);
- Chumbo.
A resolução do Conama colocará como meta final (ainda sem prazo) os patamares indicados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como os ideais. No caso do MP10 e MP2,5, uma concentração anual de 15 e 5 microgramas por metro cúbico (µg/m3), respectivamente. Para dar uma dimensão de quão distante o País está de impor um bom padrão de qualidade, as metas iniciais para esses poluentes fixa 40µg/m3 e 20µg/m3, bem acima do recomendado pela OMS.
“Como a própria OMS, diz essa é uma meta aspiracional. Hoje nenhum país do mundo cumpre aquele índice. Mas, acreditamos que é possível colocar um prazo, uma meta para atingir isso, porque tendo uma meta dessa, a gente consegue criar todas as outras políticas públicas para reduzir emissão”, argumenta o secretário.
Entre esses compostos, o MP 2,5 é o mais preocupante para a saúde humana, já que reúne partículas microscópicas expelidas por veículos e pela indústria e que podem ser aspiradas facilmente durante a respiração.
“O material particulado causa, além dos problemas respiratórios, problemas em outros órgãos a nível sistêmico. Ele por si só é carcinogênico”, explica Evangelina Araujo, médica e diretora do Instituto Ar. “Morrem no Brasil, segundo a Organização Panamericana de Saúde, devido à poluição do ar cerca 51 mil pessoas, isso é mais do que o número de mortes por acidente de trânsito.”
Doenças cardíacas e acidentes vasculares cerebrais também estão no rol de doenças causadas por esses poluentes.
A OMS atualizou seus padrões de qualidade do ar em 2022 e indicou que 99% da população mundial respira ar inadequado de acordo com os limites estabelecidos. Segundo estimativas da OMS, a poluição do ar causa cerca de 7 milhões de mortes por ano no mundo. O número é 11 vezes maior do que a quantidade de pessoas que morreram em decorrência de doenças relacionadas à Aids em 2022 (630 mil pessoas).
Estados engatinham
A priori a nova lei determinava que os Estados fizessem inventários de fontes de poluição em até três anos e que a União fizesse um modelo nacional a partir deles em até um ano. Mas, o presidente Lula vetou esses prazos da lei com o argumento de que a imposição de prazos ao Executivo por parte do Legislativo viola a separação dos Poderes. A Presidência argumentou ainda que os prazos foram fixados sem que exista um regulamento definido sobre o formato dos inventários, o que tornaria difícil sua execução em tempo hábil.
“O Ministério do Meio Ambiente conseguiu recursos internacionais para um inventário nacional, por meio da Coalizão Ar Limpo e do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). Já está sendo feito com prazo de entrega em 2025, por isso já queremos focar nos planos estaduais já em 2025, e não ter que esperar três anos para os inventários estaduais, depois um ano para o nacional”, argumentou o secretário Adalberto Maluf.
A lei mantém, no entanto, prazo para que Estados façam planos de gestão e controle da qualidade do ar em até cinco anos. Atualmente, segundo o MMA, somente cinco Estados do País já têm planos de gestão e controle da qualidade do ar concluídos (São Paulo e Paraná) ou em andamento (Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia). O Estadão questionou as unidades da federação sobre o tema, e além desses, Maranhão, Sergipe, Rio de Janeiro, Amazonas e Pará informaram a existência de iniciativas para gerir a qualidade do ar.
O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima vai apoiar financeiramente os Estados na elaboração de planos e inventários. As emissões móveis veiculares são o grande destaque dos centros urbanos.
Gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), David Tsai afirma que a lei é positiva por dar um peso maior a normativas que já existiam e não eram levadas a sério por muitos entes.
“Para que a política saia do papel precisamos que os governantes coloquem isso como um problema prioritário e reservem recursos para isso, direcionem orçamento para equipar a gestão pública para enfrentar o problema, que é tecnicamente complexo, precisa de conhecimento, ferramentas técnicas não triviais”, explica Tsai. “O Brasil como um todo não dá atenção necessária para o tema. Um sintoma disso é que a rede de monitoramento da qualidade do ar é super deficitária.”
No Brasil, um dos principais agravantes da qualidade do ar, além da emissão de veículos e da indústria, são as queimadas. Isso faz com que a qualidade do ar de cidades como Manaus, no meio da Amazônia, esteja frequentemente entre as piores do mundo. No ano passado, em outubro, quando uma seca histórica abatia a região, a cidade chegou a registrar a segunda pior qualidade do ar do mundo, segundo a World Air Pollution.
Na época, o Ibama afirmou que a fumaça que encobria a cidade vinha de queimadas nos municípios próximos. Nesse sentido, a cientista ambiental e assistente de projetos do Iema, Helen Sousa, explica que o combate ao desmatamento é uma aliado na qualidade do ar.
“Com a preservação de uma área, consequentemente não teremos a queima dela e a emissão de poluentes”, destaca Sousa.
O governo do Amazonas afirmou ao Estadão que neste ano vai implementar sensores de qualidade do ar em todos os municípios do Estado. A nova rede custará cerca de R$ 2,4 milhões, investidos pela embaixada da Coreia do Sul em um acordo com o governo estadual.
Outro Estado que sofre com queimadas, originadas sobretudo no desmatamento, o Pará afirmou que iniciará neste ano a instalação de 100 sensores para detectar, principalmente, a queima de combustíveis fósseis. A capital do Estado, Belém, será a sede da 30.ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP-30) em 2025.