Por Ricardo Young, do IDS
Ao completar 35 anos, a Constituição de 1988 mostra porque marcou um ponto de inflexão para a sociedade brasileira. Foi algo como "o acender das luzes" após um dos períodos mais sombrios da história brasileira.
Se não pode ser considerado perfeito, o texto que emergiu da Constituinte estabeleceu, como cláusula pétrea, direitos que nunca mais poderiam ser aviltados. Eles são: a democracia, a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais. Nunca mais a tortura, a censura, as prisões ilegais e as violações da sociedade e dos cidadãos pelo aparato do Estado.
No entanto, os anos de ditadura criaram na sociedade um sentimento de desconfiança e dúvidas em relação ao Estado e aos governos. Talvez por isso todos os direitos da sociedade brasileira precisavam ser explicitados no texto de 1988. No discurso com o qual entregou a nova Constituição à nação, o então deputado constituinte Ulisses Guimarães, a batizou de "Constituição Cidadã".
Porém, muitos congressistas acreditam que alterar essa Constituição é uma ação corriqueira e atentam contra sua integridade quase todo o tempo. O próprio texto constitucional prevê que o legislativo possa emendar a Constituição. Mas, não previu a ganância por poder e dinheiro que pode ser vista em muitas das 122 emendas aprovadas nestes 35 anos.
As garantias de direitos em saúde, educação, assistência social e tantos outros foram, também, fruto de uma resiliente militância social e política. Do texto de 1988 emergiu um Brasil mais social, com olhar para a universalização de direitos. A segurança de que a sociedade civil organizada poderia se manifestar, participar e contribuir para a construção do Brasil. O momento constituinte foi a recuperação da catarse frustrada na votação pela emenda das Diretas Já, derrotada em abril de 1984.
Há que se pontuar, no entanto, que a preocupação legítima em assegurar direitos levou à proposição de um estado de bem-estar social com custos que vão além da capacidade de investimento da poupança pública. Esse descompasso se expressa principalmente na desigualdade de acesso aos serviços públicos, especialmente a Justiça e a segurança pública. Nessas áreas o aparelho do Estado ainda mantém muitos dos comportamentos do antigo regime, particularmente com a população preta e pobre.
O Brasil de 1988 não tinha, ainda, o olhar para as emergências do século 21. Naquele tempo, a sociedade lutava por democracia. Agora, a sociedade se organiza para criar modelos econômicos e de preservação ambiental, lutar contra desigualdades e pela igualdade real de direitos. O direito pétreo à democracia permite a união de forças por um novo modelo de país, com foco em sustentabilidade e inovação para a superação de desafios econômicos sociais e climáticos.
O imenso ecossistema das organizações sociais e empresas comprometidas com a democracia e a sustentabilidade se mobiliza para oferecer à sociedade e ao Estado, em suas múltiplas facetas, o que há de melhor em conhecimento e pesquisa.
Uma vez conquistada a democracia, as forças sociais puderam se dedicar a percorrer a trilha da sustentabilidade. (IDS Brasil)